Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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O verdadeiro sentido do habitar - Les Étoiles d’Ivry, de Jean Renaudie e Renée Gailhoustet
‘Architecture is the physical form which envelops human lives in all the complexity of their relations with their environment.’, Jean Renaudie, 1968
A urbanização de Les Étoiles em Ivry-sur-Seine (Val-de-Marne), dos arquitetos Jean Renaudie (1925-1981) e Renée Gailhoustet (1929), é constituída por oito edifícios construídos entre 1971 e 1980. Esta urbanização concretiza uma alternativa densa aos espaços urbanos modernistas e situa-se numa cidade que cresceu intensamente na periferia de Paris.
Jean Renaudie e Renée Gailhoustet acreditam que é o homem que faz a cidade e não os edifícios. Ao arquiteto cabe assim, criar sobretudo, espaços de interação e de comunicações infinitas.
Para Renaudie e Gailhouste a cidade determinada apenas na Carta de Atenas, através de quatro funções não constitui cidade. Uma cidade é uma totalidade, que inclui um sem número de complexas relações, que se estabelecem sem cessar. Não deve, por isso, haver separação entre trabalho, habitação, equipamento e lazer. Jean Renaudie e Renée Gailhoustet foram por isso ao encontro de novas formas - que estruturam o espaço diverso e que garantem as relações mais próximas com os outros.
O complexo de Les Étoiles é a afirmação da cidade como um organismo complexo e vivo. Aqui os espaços públicos e privados intersectam-se incessantemente. Existe uma abertura constante ao exterior - através dos terraços - e uma abertura constante aos vizinhos - através da inclusão de várias funções (habitação, escritórios, comércio e espaços públicos).
O desenho da arquitetura é assim fundamental, é estrutura (fixa e até um pouco rígida) e é garante de densidade e diversidade - confirmando-se sempre o direito à diferença, à liberdade, ao movimento e a sensibilidade à vida.
Jean Renaudie insistia que, a impraticabilidade de alguns dos ângulos internos para uso doméstico, era precisamente a sua intenção. O ângulo permite o alongamento e a extensão do espaço limitado:
‘These forms, this geometric organisation, offer us many possibilities for innovation in the organisation of living space. To offer a simple example, the use of diagonal planes allows us to give the apartment, which is small due to being social housing, the impression of space, as there are apartments with spans of up to 15 metres. This is important for the inhabitants.’, Jean Renaudie, 1979
A sucessão de plataformas que se justapõem, atravessam estradas e introduzem várias camadas - artificiais (de afirmada geometria e ângulos agudos) e naturais (cada apartamento tem uma varanda com jardim).
Jean Renaudie e Renée Gailhoustet não desejam a sistematização da arquitetura, nem a utilização dos métodos de produção dos grandes conjuntos (como os usados nas Villes Nouvelles) mas anseiam sim por uma solução viva, pública, social, experimental, participada, adequada, específica e única.
O verdadeiro sentido do habitar - Casa do Poema do Ângulo Reto, Smiljan Radic
‘Depois de ter fechado tudo, abro de novo a porta e corro cambaleante para a vazia escuridão’, José Tolentino Mendonça em Estrada Branca
Numa casa totalmente interior, totalmente virada para dentro entende-se a natureza, como uma presença permanente.
‘This is how a country person understands the environment. He doesn’t have to see cows or the hills all the time; he just needs signs that make him aware that he is in that place.’, Smiljan Radic
O desenho da Casa do Poema do Ângulo Reto (Vilches, Chile, 2010-12) revela a importância do espaço interior como abrigo, como tenda. Embora de quase fechada ao exterior, abrem-se lá dentro fronteiras incertas e ambíguas. Há ligações de contemplação, esporádicas e estratégicas, à natureza que a rodeia. Os inclinados volumes, que intersectam a grande superfície preta e opaca, não deixam sair o ar porém trazem a luz e o topo das árvores para dentro de casa.
A casa é um corpo hermético preto que separa o tempo de fora e o tempo de dentro e nada revela acerca do espaço interno, a não ser que é um espaço de refúgio, de proteção e de silêncio.
‘Tudo te pareça igual:
a noite e o dia’, José Tolentino Mendonça em A Papoila e o Monge
Mas ao contrário da Casa Chica que é feita de paisagem e não tem a possibilidade de ter um interior, a Casa do Poema do Ângulo Reto divide e fecha - é feita do que se passa lá dentro. O espaço interno é único e interrompido, no seu centro por um pátio. Existem cubículos, mas abre-se sempre a possibilidade de ver o espaço na sua totalidade - consegue-se sempre ver o outro, como que em constante vigia. Por isso, a casa, ao ser virada para dentro, tenta fortalecer as relações entre as pessoas que lá vivem. Cria um espaço interno, flexível mas completamente privado e de pertença, sensível a qualquer intrusão exterior.
‘...apesar do domicílio fixo, das horas certas dormimos a céu aberto, pelas estradas’, José Tolentino Mendonça em Estrada Branca
O verdadeiro sentido do habitar - La Casa Chica de Smiljan Radic.
‘All things are so very uncertain, and that’s exactly what makes me feel reassured.’, diálogo entre Moomintroll e Too-ticky em ‘Moominland Midwinter’ (Tove Jansson, 1968)
Entender o lugar como refúgio abre a possibilidade da sua imediata apropriação, de dar protagonismo ao corpo que experiencia e de conceber o espaço como abrigo.
O verdadeiro espaço de habitar permite uma constante comunicação entre as várias formas de vida, que estão sempre em mudança e que circundam o ser humano.
Em Vilches, Smiljan Radic construiu a Casa Chica com materiais desperidiçados e elementos encontrados. É um objecto que parece, desde sempre pertencer, àquele sítio - completamente ancorado e aberto aos seus sons, às suas mudanças, ao seu ar.
Vilches é um sítio recôndito, abandonado e desconhecido - leva tempo e algum esforço para lá chegar: ‘There are still dirt on the roads that give you the feeling of distance, which is all that’s necessary for a refuge (...) A series of houses have appeared and disappeared here.’ (Smiljan Radic, em Apartamento, issue #12)
Dentro da Casa Chica está-se sempre imerso na paisagem, porque esta está sempre visível. A circunstância está sempre lá, é referência para tudo e determina os limites da casa. Por isso o seu espaço interno é incerto mas completamente apropriável.
‘La Casa Chica is completely overturned on the outside and doesn’t have any possibility of an inside.’, Smiljan Radic
A solidez dos materiais usados (pedra, madeira, metal) e a resistência dos elementos fixos (janelas, fogão, loiças) dão ao espaço um certo sentido de permanência e de segurança.
A natureza, que faz parte integrante do objeto construído, é o seu elemento improvável e variável - até o clima dentro do abrigo é inconstante, relacionando-se diretamente com o que acontece lá fora.
O espaço de habitar torna-se assim flexível, com verdadeira possibilidade de proteção, de pertença e de densidade.
‘Architecture is a moment expanded in time and nothing less than a permanent installation’, Smiljan Radic