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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

Minha Princesa de mim:

 

   Nos dias em que abro o computador e olho para o correio que este eletronicamente me traz, capricho em logo apagar a maioria das mensagens chegadas, que não leio, conforto-me com recados e lembranças de amigos, surpreendo-me a deitar os olhos, por simples curiosidade, a textos e imagens que poderia deixar despercebidos. Entre estes descubro, o mais das vezes, coisas repetidas, isto é, transmissões do mesmo por diferentes remetentes. Presumo tratar-se de temas de sucesso -  como se diz hoje em dia - frases ou relâmpagos que vão fazendo sensação pelos corredores virtuais da nossa leviana comunicação.

 

   Calhou-me apanhar uma gracinha sobre qual seria o nome do nosso atual Presidente da República em japonês: Taki Tali Taculá. Eis mais um disparate da nossa produção nacional de chalaças. Na verdade, tal nome, se assim escrito for mostrado a um filho do Sol Nascente, será por este lido: Taki Tari Tacurá. O nosso líquido L não existe em japonês. Na transcrição em katakana (caracteres fonéticos japoneses para reprodução de nomes estrangeiros), os dois primeiros nomes do nosso presidente, por exemplo, soariam assim: Maruceru Reberu. E, nos liceus nipónicos, é frequente os professores de inglês contarem aquela laracha: R como em Roma ou R como em Rondon?

 

   Tampouco existe naquela língua o som SI. Diz-se sempre SHI. Cito-te este exemplo, Princesa, porque nem sempre, por cá, entendemos bem a racionalidade e a utilidade do método Hepburn de romanização (transcrição fonética do japonês para romaji ou caracteres latinos) que, todavia, a meu ver, é hoje, não só o menos confuso para falantes de muitas outras línguas, como o mais aceitável universalmente. Uso-o sempre, até por ser, quando devidamente interpretado, aquele que melhor transcreve a tónica das sílabas breves ou longas, indispensável à compreensão do que em japonês é dito. Tokyo não se lê Tóquio, nem Kyoto Quioto, como seríamos tentados à portuguesa... Voltando ao SHI que, em transcrições portuguesas, tantas vezes se confunde com CHI, dou-te uma ilustração: chitai deve ler-se tchitai, significa asneira, disparate, e escreve-se com dois kanji, o segundo dos quais é o mesmo, com igual caligrafia e som, na palavra shitai, que se deve ler shitai, e quer dizer pose, elegância. O kanji tai, em ambos os casos, refere-se a aspeto, aparência. Mas enquanto o chi (lê tchi) evoca tolo, o shi fala só de forma, figura. E muito embora possa verificar que, para muita gente, tolice e elegância signifiquem o mesmo, sei que tal não faz sentido no cotejo destes dois vocábulos nipónicos. Por outro lado, também a leitura tchi de chi é mais universal do que a portuguesa chi ou a italiana ki. Aliás, se abrires um dicionário do castelhano, encontrarás, na ordem alfabética do mesmo, o ch, que se lê tch.

 

   No português corrente, a pronúncia de estrangeirismos e neologismos de origem estrangeira é bastante indisciplinada e, em regra, pouco racional. Vá lá a gente perceber porque é que dizemos uísque (e tal qual o escrevemos à portuguesa), mas chamamos quivi ao fruto e à ave que lhe deu o nome indígena neozelandês, o qual foi transcrito por ingleses para ser lido como por lá se diz: kiwi, isto é, quiúi. E que nos custaria chamar a Hawaii Haùaií e a Tahiti Tahìtí, como eles chamam às suas terras, em vez de Avai (para onde?) e Taiti (parece cócega). E porquê Zamora e não Samora (até temos cá uma Samora Correia) e Zapatero para Sapatero (Sapateiro também é apelido português). Ou, ainda, Paóla e Paólo, em vez de Paula e Paulo, ainda que com os ditongos alongados e musicais? Se lemos Hawai com W à alemã, quando a transcrição é inglesa, porque haveremos de pronunciar à inglesa nomes franceses de futebolistas portugueses, filhos de emigrantes em França, como Adrien e Cédric, ambos devendo ter tónica na última sílaba? Inúmeros exemplos poderiam ser acrescentados a estes poucos, entre os quais os nomes de futebolistas em línguas mais "exóticas", como o holandês: a primeira sílaba de Seegelar ou Seedorf devia ler-se Zê, mas dizem-na por aí à inglesa: Si. Se a pronunciassem lusitanamente ou Cé, não me irritaria, nenhum de nós está obrigado a decifrar pronúncias em todas as outras línguas. Mas o doutoral inglês, que esquecem quando não deviam (em kiwi ou Hawai, por exemplo) arrepia-me. Dever-se-á este fenómeno a qualquer alardeada pretensão ou, antes, a relutância em ordenar e regular? Talvez seja só culpa dos mídia, como hoje tanto por aí se gosta de pronunciar, à inglesa, a palavra latina media, há tanto tempo já acolhida pela língua portuguesa...

 

Camilo Maria 

Camilo Martins de Oliveira