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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


154. VISIONÁRIOS SONHOS QUE PODEM MUDAR O MUNDO


A 28 de agosto de 1963, no famoso discurso “I Have a Dream” (Eu Tenho um Sonho), proferido em Washington, o pastor norte-americano Martin Luther King declarou:

“Tenho um sonho de que, um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os filhos dos antigos escravos e os filhos dos antigos proprietários de escravos poderão sentar-se à mesa da fraternidade. 

Tenho um sonho de que, um dia, o estado do Mississípi, sufocado pelo sonho da injustiça e da opressão, se transformará num oásis de liberdade e de injustiça.

Tenho um sonho de que os meus quatro filhos viverão, um dia, numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela natureza do seu carater.     

Eu tenho um sonho! 

Tenho um sonho de que, um dia, no Alabama, com os seus racistas cruéis, (…) meninos e meninas negras vão ser capazes de dar as mãos a meninos brancos e meninas brancas como irmãos e irmãs”.

Os Beatles, em 1967, cantavam, “All you need is love”: “tudo o que precisas é de amor/Amor é tudo o que precisas”

Em 1971, John Lennon, na canção “Imagine” (Imagina) sublimava, assim, os seus sonhos:

“Podem dizer que sou um sonhador/Mas não sou o único/E espero que um dia te juntes a nós/E O mundo será como um só”.

Nelson Mandela, deixou-nos estas palavras:

“Ninguém nasce odiando o outro pela cor da sua pele, pela sua origem ou religião. Se para odiar as pessoas precisam de aprender, e se elas aprendem a odiar, podem aprender e ser ensinadas a amar”, “Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para vivermos como irmãos”, “Nunca considerei nenhum homem superior a mim, nem dentro, nem fora da prisão”.

Sem esquecer o artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”, prescrevendo o art.º 2.º: “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião pública ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer situação”.  

Não se trata de dizeres de ativistas, pessoas ou instituições que proclamaram utopias que lhes garantiam o poder, que proclamavam grandiosas declarações retóricas, acabando por aqueles que queriam libertar não serem libertados, ficarem na mesma ou em situação pior, mas sim de ideias e ideais que podem mudar o mundo, as suas gentes, a humanidade, numa evolução humanista, de progresso e com capacidade de perdoar, como a tinham Luther King e Mandela.

Há os que acreditam que o mundo pode ser remodelado, em termos de conceitos e ideias, pela força do intelecto. Há os que acreditam que as coisas não são aquilo que parecem, que só por um exame e uma investigação minuciosa das pessoas no dia a dia e ao longo da História poderemos chegar à verdade.       

Há quem coloque a teoria à frente da experiência e quem coloque a experiência à frente da teoria, que a pessoa tem de ter precedência sobre a ideologia ou a noção abstrata de justiça ideológica, ou que o ideal tem de preceder o indivíduo. 

Todo o ser humano é imperfeito, finito, um ser de excessos para o bem e para o mal, sendo o amor, o ódio, a violência e a capacidade de renascer, o racional e o irracional, constantes da natureza humana.   

Também há os extremismos, segundo os quais destrói-se tudo, primeiro, depois constrói-se e começa-se de novo, substituindo uma normalidade podre por outra messiânica e superior.  

Há sempre os arautos e propagandistas de um “mundo novo” que denunciam um “mundo velho” apelando sempre à liberdade, fraternidade, solidariedade, direitos humanos, amor e paz, não transportando nada de novo, porque valores há muito permanentes em visionários sonhos que podem modificar o mundo, havendo concordância teórica e no plano dos princípios quanto aos dizeres acima expressos. 

Se assim é, porque não se materializam, universalizando a sua prática? 

Será que o mundo não tem começo, nem fim, nenhuma missão, objetivo ou programa, vindo sempre ao de cima os ruinosos vícios da humanidade, também alavancados e aumentados pelo progresso?   

Há outra resposta, mais promissora: por certo, porque nós, humanos, somos finitos, por muito que queiramos ser o Homo Deus, que não somos nem seremos, o que nunca nos impede de pensar e lutar por um ideal mundo melhor, sem maniqueísmos, mesmo que a dúvida e a incerteza imperem, sendo sempre possível sonhar que o irrealizável é “É sempre impossível, até estar feito” (Nelson Mandela).


22.12.23
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS


131. SONHAR E TRANSCENDERMO-NOS


“Triste de quem vive em casa,       
Contente com o seu lar, 
Sem que um sonho, no erguer de asa,   
Faça até mais rubra a brasa     
Da lareira a abandonar!


Triste de quem é feliz!     
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz   
Mais que a lição da raiz
Ter por vida a sepultura.”


(Mensagem, Fernando Pessoa)


Estes versos pessoanos têm uma dimensão e interpretação pluricultural e transversal que transcende a mensagem específica a que aludem (“O Quinto Império”), chamando-nos a atenção para a futilidade de uma vida homogénea horizontal, sem razão de existir que não seja a do dia a dia.   


O sonho é um meio de nos transcendermos, ter asas para voar, ir mais além do que é elementar e trivial para sobreviver, afastando a rotina, o aborrecimento, o tédio, mesmo se vitais para a nossa segurança.   


Sem espírito de missão, de transcendência e espiritualidade, a nossa passagem terrena está incompleta, caindo-se na mediocridade da mera subsistência, sendo insuficiente deixar aconchegados os filhos, casando-os bem, com casa, seguro, automóvel, termos descendentes e, depois, vem a senhora dona morte e … morremos! 


Para Pessoa, foi o saber sonhar, o espírito de missão e de aventura que nos fez voar e transcender, que nos levou a todo o mundo, ficando desses tempos idos uma língua global, património comum da humanidade, tantas vezes por opção voluntária de quem a fala e a tem como imperialista e neocolonialista.


Será que sonhar e transcendermo-nos é só para alguns? E em certas épocas?


Pode ser para todos, em qualquer época, pois se o sonho comanda a vida, é uma maneira de nos transcendermos, materializando-o e procurando-o em vários interesses, pela criatividade, descendência, vontade, persistência e eternizando-o, por exemplo, pela escrita, pelas artes, ciência, tecnologia, digitalização e testemunhos perenes, como modo de lutar contra a angústia de se ser mortal superando-a e concretizando na Terra um ideal abstrato e pensado que esvoaça e se sustem imaterialmente.    


13.01.23
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICA DA CULTURA

 

A VIDA, O SEU TERMO, O SONHO, A NÃO ESPERANÇA: EIS A SUA MATÉRIA

 

A desproporção de forças infetantes que se reproduzem sucessivamente, a grande praga que dizima os seres, que carcome as rochas, os ares, as águas e vaza os lixos na vida, refugo letal onde se adormece um sono, assim a Absurdidade comunica os seus poderes termiteiros e mercantis, somatórios ávidos do ter.

 

A profundidade a que todos, de um modo ou de outro, permitimos que no mundo se venceria pela força do que constrange e obnubila, permitiu que os domínios interditos de quem mata a espessura da vida fosse contada, e mesmo exposta, sem que uma multidão em número e vontade excedesse a soma das forças de todos os que fizeram chegar o mundo ao nível do lixo como desígnio.

 

Todavia as silenciosas contas bancárias dos responsáveis pelo suposto não saber dos atos criminosos que provocaram e provocam, elevam os rendimentos ao limite superior do possível e reduzem ao mínimo qualquer custo de manutenção do esconder dos seus atos, agindo como inimputáveis pois a máquina construída os protegerá passo a passo.

 

A terra continua a ser devastada pela violência dos monstros que alcatroam mandos de morte com a finalidade de que, à superfície, o cenário tenha brilho e atraia aparências de vidas que não denunciam o simulacro do que lhes é dado viver já que no imediato nem o reconhecem como tal.

 

Na fotografia, este menino dorme e desconhece que também lhe simularam o céu sob o qual adormeceu.

 

Sonhará este menino com o abrir de uma caixa própria, uma caixa de algo que lhe é muito precioso e o embala até a encontrar vazia e do sonho acordará num sem número de pesadelos reais?

 

Desconheço as contabilidades que se fazem neste pseudo mundo que troca capital por lixo e no qual adormecem crianças em nojentos colchões que boiam nas lixeiras, lixeiras criadas pelos manipuladores dos fátuos fogos que obscurecem até o futuro das luzes das estrelas.

 

Promove-se a guerra de todos contra todos: assim Hobbes, assim o emaranhamento das corrupções, teia de submissões articuladas no plexo do lixo.

 

Teresa Bracinha Vieira