Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Na crónica anterior, fizemos referência ao livro recentemente publicado sobre Sousa Bastos, da autoria de Paula Gomes de Magalhães, com nota introdutória de Maria João Brilhante e Ana Isabel Vasconcelos (ed. 2018).
Recordamos aí designadamente a obra de Sousa Bastos, ainda hoje sempre citável, o “Diccionário do Theatro Português”, assim mesmo denominado na edição de 1908, e onde se descrevem nada menos do que 213 teatros de Portugal, Brasil e África, numa cobertura cronológica que abrange edifícios e salas já na época históricas, mas sobretudo teatros à época em atividade: e de notar que não poucos, com ou sem alterações de designação, com mais ou menos obras de recuperação, duram até hoje.
E recordamos agora que Sousa Bastos, no seu livro denominado “Carteira do Artista” (1898) , obviamente referido no crónica anterior e cuja imagem de capa serviu de ilustração, já aí procedeu a um primeiro levantamento de teatros, só que, desta vez, apenas 26, e que enumeramos tal como o autor os identifica, com a grafia da época e expressões e designações por vezes pitorescas nas respetivas descrições. Vejamos então.
«O velho Theatro da Rua dos Condes (Lisboa)”; “Theatro do Gymnasio (Lisboa)”; “Theatro Garcia de Rezende (Evora”); “Theatro Romano (Lisboa)”; “Theatro da Paz (Pará-Brasil)”; “Pateo da Bitesga (Lisboa)”; “Pateo da Rua das Arcas (Lisboa)”; “Theatro de Wagner” (Bayreuth”); “Pateo das Fangas da Farinha (Lisboa)”; “Theatro do Bairro Alto (Lisboa)”; “Theatro Scala (Milão)”; “Theatro de Loanda (Africa portuguesa)”; “Theatro de S. Roque (Lisboa)”; “Theatro de S. Carlos (Napoles-Italia)”; “Academia da Trindade (Lisboa)” (Lisboa)”; “Theatro da Graça (Lisboa)”; “Opera de Vienna (Austria)”; “Theatro de S. José (S. Paulo – Brasil”); “Theatro da Boa Hora (Belem)”; “Theatro de D. Fernando (Lisboa)”; “O Novo Theatro da Comedia” (Vienna-Austria)”; “Theatros Regios (Queluz, Salvaterra, Ajuda)”; “Comedia Franceza (Paris)”; “Theatro do Odéon (Paris)».
O texto é ilustrado com 11 gravuras de Teatros, sendo apenas três de teatros portugueses (Condes, Ginásio, Évora), a que se acrescentam as gravuras dos Teatros do Pará, Bayreuth, Milão, Nápoles, Viena, (duas) e Paris (duas).
Mas o mais interessante e historicamente significativo é a análise e descrição de cada um dos teatros, sendo certo que a extensão e o detalhe histórico e artístico variam de acordo com o critério do autor, que hoje será difícil de precisar com rigor. Os mais desenvolvidos neste aspeto são o Condes, o Ginásio, o Garcia de Resende, o Pateo das Arcas e os dois Teatros de Paris, significativamente a Comedia Francesa e o Odéon. O que não é de estranhar!
Ainda dois esclarecimentos.
Desde logo, a própria denominação do livro, que define um programa de investigação e divulgação:
«Carteira do Artista – Apontamentos para a História do Teatro Portuguez e Brazileiro Acompanha de Notícias Sobre os Principais Artistas, Escritores Dramáticos e Compositores Estrangeiros». Tudo isto ao longo de mais de 800 paginas em sucessivas calendarizações diárias!
E mais: o livro é dedicado «À minha querida e santa mulher Palmyra Bastos Modelo das esposas e, espelho das mães e exemplo das artistas, O seu marido grato Sousa Bastos.»
Palmira Bastos nasceu em 1875 e faleceu em 1967. Integrou durante décadas o elenco do Teatro Nacional de Dona Maria II, na Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, onde atuou até quase ao fim da vida.
Fazemos aqui referência ao recente livro “Sousa Bastos”, assim mesmo intitulado, da autoria de Paula Gomes Magalhães, na série de Biografias do Teatro Português ligadas ao Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa, à Imprensa Nacional-Casa da Moeda e também aos Teatros de Dona Maria II e São João: e desde já se refira o interesse desta parceria na edição e na série de biografias críticas.
Recorde-se que a coleção publicou já estudos e biografias sobre a Companhia Rey-Colaço Robles Monteiro, Alfredo Cortez, António Pedro, Emília das Neves, agora Sousa Bastos (ed. 2018) e anuncia próximos volumes dedicados a João Anastácio Rosa e Francisco Palha. Um conjunto notável de personalidades de teatro-espetáculo que interessa efetivamente recordar e estudar.
Como escrevem no texto introdutório Maria João Brilhante e Ana Isabel Vasconcelos, responsáveis pela coordenação científica da série de estudos, “podemos agora aprofundar a contribuição de atores e atrizes, de cenógrafos, dramaturgos, empresários, companhias, críticos, pedagogos, diretores, encenadores... para a construção de um sistema teatral cujo impacto na sociedade portuguesa merece ser conhecido”. E na verdade, a parceria editorial e a seleção de dramaturgos, atores e encenadores biografados e anunciados constitui um valioso e em tantos aspetos inovador contributo para a História do Teatro Português.
Precisamente: a vasta e variada intervenção de Sousa Bastos (1844-1911) na atividade de criação dramatúrgica, empresarial, cénica e artística, e também na tantas vezes inovadora pesquisa histórica, constitui um caso singular mesmo tendo em conta a relevância que na época o teatro – espetáculo assumia em Portugal.
Nesse aspeto, o livro de Paula Gomes Magalhães abrange a variadíssima intervenção de Sousa Bastos na multidisciplinaridade, permita-se a expressão, que compõe a atividade criativa e analítica no teatro em si e no meio teatral e de espetáculo. Mas também, note-se, da sua obra de escritor, historiador, critico e dramaturgo.
E dá relevância, ainda, à intervenção de Sousa Bastos no Brasil, onde se fixou, de 1881 a meados de 1884 e definais de 1885 a 1888, dirigindo sucessivos espetáculos sobretudo no Rio de Janeiro, mas também em São Paulo e em sucessivas tournées que se prolongariam ainda por anos, mesmo depois do retorno a Portugal.
Importa frisar que Sousa Bastos, para alem de dramaturgo/tradutor/adaptador de numerosíssimas peças sobretudo da época, portanto na altura modernas e renovadoras, foi também de certo modo o que hoje chamaríamos um historiador – doutrinador da literatura e da estética do espetáculo teatral.
Mas mais: a sua obra teórica concilia uma visão histórica e uma abordagem moderna no plano da doutrina e na prática teatral. Nesse aspeto, aqui temos referido com alguma frequência os livros que em vida publicou, designadamente a vasta “Carteira do Artista” (1989) com mais de 800 paginas e o “Diccionario de Theatro Português” (1908) que temos citado sobretudo na descrição que faz nada menos do que 213 teatros em Portugal, Brasil e África, desde teatros já “históricos” na época mas também bastantes então modernos e alguns e ainda hoje, em atividade.
E em 1947 foi publicada uma recolha de textos de Sousa Bastos intitulada “Recordações de Teatro”, prefaciado por Eduardo Schwalbach, “poucos dias antes de morrer”, diz-nos Paula Gomes de Magalhães, que destaca as “informações preciosas sobre a vida e obra de inúmeras figuras ligadas ao meio teatral, polvilhadas como sempre, com pequenas histórias, fait-divers, anedotas e considerações pessoais, que permitem mergulhar a fundo nas singularidades de um tempo em que o teatro, enquanto estrela de todos os divertimentos, era vivido de modo bem particular”. (ob. cit. pag.124).
Terminamos com uma apreciação de Luis Francisco Rebello. No verbete dedicado a Sousa Bastos em “100 Anos de Teatro Português” Rebello considera Sousa Bastos como “uma das personalidades mais ativas e influentes da vida teatral portuguesa no último quartel do século XIX”.
Em próximo artigo, veremos os teatros referidos por Sousa Bastos no seu livro “Carteira do Artista”.