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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LUC FERRY: UM NOVO PODER DO AMOR

 

Sem dúvida que os nossos filhos conhecerão ainda as guerras, para as quais o fanatismo e o fundamentalismo fornecerão o motivo. No entanto, não é nem o egoísmo, nem a perseguição cega dos interesses que poderão salvar o mundo, mas a lógica da fraternidade e da entreajuda, do prazer de dar mais do que de receber.   Luc Ferry


Conhecer e entender uma espiritualidade para além do religioso e procurando o sentido da vida através de um novo poder do amor aniquilando o egoísmo natural do homem, permite que esse homem procure o seu próximo através de um caminho em favor daqueles que amamos, encontrando um sentido da vida num humanismo sem a conceção religiosa da qual muitos se afastaram, ou da qual nunca fizeram parte, e, sobretudo, quando o distanciamento religioso dos nossos dias, é uma realidade bem percetível.


Então, analisar a transcendência do amor e a sua centralidade na conceção filosófica, é a forte base nesta leitura de Ferry.


Em 2011 tive conhecimento deste livro que propunha uma espiritualidade laica como uma possibilidade de aperfeiçoamento do homem já não crente ou nunca crente.


Ferry, não se desprende de conceitos religiosos, de tal modo que nos deixa ver claramente, através da sua filosofia soteriológica, um certo regresso à religião para o entendimento de que cada uma oferece um tipo diferente de salvação, de palavra, de princípio, e que possuindo a sua própria soteriologia, algumas dão ênfase ao relacionamento do homem em unidade com Deus, outras dão ênfase ao aprimoramento do conhecimento humano como forma de se obter a salvação.


Ferry propõe um homem que se arranque de si, para o melhor de si mesmo, e para se oferecer à compaixão, à transcendência do amor, à espiritualidade sem a ajuda de Deus: afinal, uma proposta terrena de salvação que cabe ao homem demonstrar.


A ausência de um deus, de uma felicidade ou de uma razão, terá aberto espaço para uma nova procura do amor.


Ferry crê que a procura do amor, hoje, e o modo de o expressar, pode passar por abarcar uma espiritualidade laica/ateísta à qual nos propõe reflexão.


Na verdade, por diversas maneiras se vivencia a espiritualidade, e entre a racionalidade e a celebração emocional (Alain de Botton e André Comte-Sponville) busca-se um pensamento humanista que tem de ter suporte e repouso no que dá sentido à nossa existência.


O amor toda a gente o sente, mesmo com banalidade. Todavia, se ele não for apenas uma experiencia íntima desde o princípio dos nossos tempos, talvez ele seja o princípio fundador que reorganiza valores e vida, procure sobretudo a ação desinteressada, exatamente aquela que testemunhará do que é próprio do homem.


«O amor sempre foi para mim
A mais importante das questões,
ou mesmo talvez a única.»

STENDHAL


Acrescenta Ferry

Um novo humanismo nasceu, que regista e leva em conta as evoluções do último século (…) as alteridades, as desconstruções das tradições (…) e ainda que as obras de arte do passado não tenham sido tornadas obsoletas pelas mais recentes, é preciso determo-nos à compreensão do tempo presente.


A espiritualidade que vive neste livro propõe-se alterar o ver o mundo, bem como a nossa real capacidade para o mudar no exato e mesmo movimento.          

 

Teresa Bracinha Vieira

TRINTA CLÁSSICOS DAS LETRAS

 

"A CARTUXA DE PARMA" DE STENDHAL (XVIII)

 

Todos temos na memória as cenas marcantes do filme de Christian-Jaque “A Cartuxa de Parma” (1839) sobre o romance imortal de Stendhal (Henri-Marie Beyle 1783-1842) em que o triângulo amoroso, representado por Sanseverina - Maria Casares, Fabrício Del Dongo - Gérard Philipe e Clélia Conti - Renée Faure, permite acompanharmos uma das mais importantes referências românticas da literatura de sempre. O romance de Stendhal marcou toda a literatura europeia até ao século XX, não pertencendo apenas a uma escola ou a uma época, mas constituindo um modo a um tempo heroico e sentimental para ilustrar a História e a compreensão do género humano. Se falo do filme de 1948 é porque muitas gerações se deixaram apaixonar pela audácia e sensibilidade de Fabrício Del Dongo, pelo magnetismo de Gina Sanseverina e pela paixão sentida de Clélia Conti. Balzac admirou a construção narrativa, André Gide não teve dúvidas em considerar este o maior dos romances franceses e Tolstoi foi um leitor fiel das descrições de Stendhal, em especial no paralelo que encontramos entre a angústia de Fabrício, deambulando no cenário trágico de Waterloo, e a atitude de Pedro Bezukhov em circunstância semelhante. Stendhal inspirou-se nas leituras que fez de documentos sobre famílias antigas italianas, como os Farnese, aquando da sua estada como cônsul em Itália. Fabrício é um jovem aventureiro de família nobre, que admira Napoleão Bonaparte, como Julien Sorel, o outro grande herói de Stendhal, em “O Vermelho e o Negro” (1830), narrativa exemplar em que se associam as cores dos uniformes militares e da sotaina dos clérigos. É de Itália que “A Cartuxa de Parma” trata, associando a compreensão das ambições individuais à construção da unidade da pátria, como quisera Nicolau Maquiavel. Que papel teria o ducado de Parma e Placência no futuro que se anunciava, em lugar da fragmentação medieval? São limitadas as ambições de Fabrício, que prefere viver no mundo aristocrático, pensar no imediato, divertir-se, pensar num tempo de sonho e de prazer. No entanto, deseja conhecer e aproximar-se de Bonaparte, símbolo da coragem e de um tempo novo. Demarcando-se do pensamento de seu pai e da orientação monárquica, parte ao encontro do que será o canto do cisne do Imperador em Waterloo. Nesse gesto de audácia e de rutura conta com o apoio de sua tia Gina Pietranera, que se torna duquesa Sanseverina, amante do poderoso Conde Mosca. Mas a afeição entre tia e sobrinho torna-se intensamente amorosa. A dualidade entre o amor fraternal e o carnal revela-se dramática. Gradualmente, Fabrício compreende, contudo, que não amava a tia como mulher. Preso, na torre de Farnese, em virtude da complexa trama política em que se vê envolvido, Fabrício apaixona-se pela filha de um general do partido da oposição ao Conde Mosca, Clélia Conti. Essa paixão torna-se o centro da narrativa romanesca, mas trata-se de um amor impossível, não só porque Fabrício está preso, mas também porque a sua família é inimiga jurada da do pai de Clélia. Graças à intervenção de Gina, Fabrício será libertado e como clérigo e Monsenhor vai exercer o seu múnus, longe da amada. Os rumores sobre uma ligação a uma jovem, Anetta Marini, levam Clélia a ir ouvir o sermão do Monsenhor Fabrício e o encontro entre ambos leva ao renascimento da paixão, iniciando-se uma ligação secreta que vai durar três anos. Entretanto, morre o Arcebispo e Fabrício sucede-lhe. Mas como o novo prelado não pode encontrar-se com Clélia durante o dia, exige que Sandrino, o filho que nascera desse amor secreto venha para junto de si. Os amantes imaginam um estratagema, simulando a morte da criança. Mas Sandrino cai, realmente, gravemente doente e morre. Esta morte é vista por Clélia como uma severa punição divina; e não se perdoará por esse trágico desenlace. Com a morte de Clélia, Fabrício vende todos os seus bens e distribui-os, retirando-se para a Cartuxa de Parma – onde morrerá um ano depois. A duquesa Sanseverina não sobreviveu senão muito pouco tempo a Fabrício, que ela adorava… E com Mosca riquíssimo, o ducado de Parma conhece uma era de liberdade com o seu jovem príncipe Ernesto V…

 

Agostinho de Morais