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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


A profundidade do espaço urbano começa no momento em que o espaço interior se transforma em espaço exterior.


“.. Architecture produces desire. The exhilaration we find when we walk into the space between or inside certain buildings produces a kind of psychological space. It can represent an experience we never had before and want to see more of.”, Steven Holl (Holl 2008, 29)


Steven Holl no livro “Urbanisms. Working with doubt”, escreve que a dúvida deve fazer parte de um projeto urbano. É a dúvida que suspende o absoluto e a perfeição e que permite a construção de sistemas mais dinâmicos e abertos. Steven Holl é da opinião de que o poder experimental das cidades não pode ser completamente racionalizado, deve sim ser estudado subjetivamente.


A subjetividade associada assim à dúvida pode ajudar a recuperar a importância de características fenomenológicas no contexto urbano. São o espaço, a matéria, a luz, a cor e o som que acentuam e incentivam as perceções de cada indivíduo e podem dar profundidade à realidade objetiva.


A experiência urbana cheia de contradições e incoerências pode, deste modo, ser imensamente enriquecedora para o ser humano. Para Steven Holl, a verdadeira tarefa do urbanista deve sobretudo acentuar valores relacionais e de conexão, de maneira que a arquitetura de pequena escala possa ser o elemento primeiro, apto a gerar essas necessárias ligações.


Steven Holl explica que é a arquitetura que tem a capacidade de envolver e de introduzir diferentes dimensões ao espaço. A profundidade do espaço urbano começa no momento em que o espaço interior se transforma em espaço exterior, na ocasião em que a circunstância se converte em algo intrínseco e interno. É a flexibilidade, a complexidade e a metamorfose espacial que aumentam e potenciam a expansão de cada indivíduo. Assim que a arquitetura é incomensurável, sem limites conhecidos e aceita justaposições, possibilita que o espaço tenha sempre a capacidade de se tornar e de vir a ser - será espaço em potência.


Para Holl, a arquitetura deve assim ser porosa, em que espaço e movimento se interpenetram constantemente. A arquitetura objeto, sólida, estável e maciça deve dar lugar a fenómenos experienciais diversos e a sequências espaciais independentes de qualquer direção. Através do tempo, é a arquitetura que permite o encontro - livre, experimental e verdadeiro - do indivíduo consigo próprio, com outros indivíduos e com o mundo que o rodeia.


“The recognition of spatial and material phenomena meets the imagination.” (Holl 2008, 29)


Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

'Anchoring' de Steven Holl.

 

'Go to the pine if you want to learn about the pine, or to the bamboo if you want to learn about the bamboo. And doing so, you must leave your subjective preoccupation with yourself. Otherwise you impose yourself on the object and do not learn. Your poetry issues of its own accord when you and the object have become one - when you have plunged deep enough into the object to see something like a hidden glimmering there.', Matsuo Bashō

 

'Architecture and site should have an experiential connection, a metaphysical link, a poetic link.', Steven Holl

 

Arquitetura, para Steven Holl, está compreendida entre espaço, luz e matéria. No texto 'Anchoring' lê-se que arquitetura está intrinsecamente unida à circunstância e dependente da experiência de um lugar. 

 

O lugar atua assim como fundação física e metafísica. O objeto construído transcende condições e exigências físicas e funcionais ao fundir-se com o lugar, por lhe ser inerente o significado de uma situação específica.

 

'Architecture does not so much intrude on a landscape as it serves to explain it.', Steven Holl

 

Sempre que o objeto e o lugar se fundem, a intenção da obra emerge. Arquitetura, por isso, é uma extensão da experiência fenomenológica de um lugar, é uma modificação que estabelece significados absolutos relativos a um determinado sítio. Para Holl, um ideal só existe na especificidade e o absoluto na relatividade.

 

Ora, a essência de um trabalho de arquitetura é a ligação orgânica que existe entre conceito e forma. Um conceito - caso seja uma afirmação racional explícita ou uma demonstração meramente subjetiva - estabelece sempre uma ordem, um campo de questionamento e de princípios limitados.

 

'Within the phenomena of experience in a built construction, the organizing idea is a hidden thread connecting disparate parts with exact intention.', Steven Holl

 

O objeto construído funde ideia e fenómeno. A ideia estabelece uma ordem metafísica entre tempo, luz, espaço e matéria. Torna ativos os elementos da composição - linha, plano, volume e proporção. E revela a tactilidade poética da forma.

 

Segundo Holl, a ordem (a ideia) é a perceção exterior e o fenómeno (a experiência) é a perceção interior. O objeto construído é assim a fusão entre a perceção interior e a exterior. O fenómeno material aproxima conceito e sensação. O objetivo unifica-se com o subjetivo. A perceção exterior (do intelecto) e a perceção interior (dos sentidos) produzem-se ao ordenar-se espaço, luz e matéria. 

 

Steven Holl afirma então que o pensamento arquitetónico desenvolve-se através dos fenómenos iniciados pela ideia. Ao construir-se a ideia, expandem-se os fenómenos, esperando sempre que intelecto e sensação, materialidade e espírito se incorporem. Por isso, a ideia permite ancorar o homem ao objeto construído e o objeto ao lugar.

 

Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Steven Holl - sombra/luz, ideia e fenómeno.

 

'I am interested in creating something you can believe in.' , Steven Holl, 1996

 

A arquitetura de Steven Holl (1947) aprofunda-se pelo meio das sombras, adensa-se pelo meio da luz. É lugar, é ideia, é fenómeno. 

 

Sombra/Luz

'I went to Rome and I lived behind the Pantheon in an apartment with no windows. Every morning, I would get up early and go down one block into the Pantheon and see this circle of light coming down from the top of the dome.', Steven Holl

 

Tal como escrito em 'In Praise of Shadows' (Junichirō Tanizaki) na arquitetura de Steven Holl a definição de espaço é semelhante à dos espaços nas casas japonesas, porque depende da variação das sombras - sombras escuras contrastam com as sombras claras (ver o projeto da Casa da Piscina e Estúdio de Escultura, em Scarsdale, 1981). As aguarelas, que acompanham sempre o desenvolvimento dos projetos de Holl, procuram pelos efeitos da luz no espaço.

 

Ideia 

Steven Holl concretiza ideias: 'I have always believed that each project should have an idea which is driving the design.'

 

Para Holl, a ideia, num projeto, prevalece eternamente. A materialidade construída é perecível. Por isso, Holl está verdadeiramente interessado na natureza filosófica das ideias - ideias como origem e como potencial de fenómenos. As suas ideias surgem através do imprevisível - porque cada lugar apresenta condições particulares e específicas - e desejam valorizar a existência do todo e não do fragmento.

 

Fenómeno

'Architecture unlike philosophy, art, or linguistic theory, has the potential to connect to everyone.', Steven Holl

 

Steven Holl encontra um modo híbrido de trabalho entre o enquadramento conceptual e a aproximação fenomenológica. 

 

A validade dos princípios da sua arquitetura funda-se num conhecimento pré-reflexivo.

 

Jean-François Lyotard escreve que é a fenomenologia que permite ultrapassar as próprias incertezas da lógica, através de uma linguagem que exclui a incerteza. O ponto de partida são os dados imediatos da consciência. Estudam-se os fenómenos, tudo aquilo que aparece à consciência, tudo aquilo que é dado. Trata-se de explorar a própria coisa tactilmente, de modo a evitar forjar hipóteses, sobre o que une o eu ao fenómeno - porque ao arranjarem-se explicações para essa coisa deixa de ser a própria coisa.

 

'I think architecture offers the hope of returning to us all those experiential qualities: light, material, smell, texture, that we have been deprived of by the increasingly synthetic environment of images on video screens.', Steven Holl

 

Para Steven Holl, A experiência imediata e a intuição tomam uma importância singular no entendimento da realidade e formam as ideias. A luz, a sombra, a textura, o detalhe e a sobreposição espacial são os elementos físicos que constituem o objeto construído - que é presença sensível mas simultaneamente significado que prevalece para sempre.

 

Ana Ruepp