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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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AS PRÉ-ORIGENS DO TEATRO PORTUGUÊS


Fazemos hoje uma breve alusão a Henrique da Mota, autor de uma conjunto de textos para-dramáticos, que podem ser considerados como origem ou pré-origem histórica do teatro português, isto porque, em rigor e sublinhando que pouco se sabe da atividade de Henrique da Mota como dramaturgo, não haverá dúvidas no que respeita à pré-produção de obras que, no que toca ao teatro, são menos inovadoras e muito menos significativas do que as pecas de Gil Vicente, este tradicionalmente consagrado como o iniciador, digamos assim, da dramaturgia portuguesa... Na verdade, basta lermos a obra vicentina para confirmar a existência mais do que provada e consagrada de textos dramáticos e espetáculos anteriores. Mas não e este o tema que hoje nos ocupa…

No entanto, a própria consagração da qualidade da obra vicentina em si mesma justificaria esta consagração iniciática de Gil Vicente, o que não significa, insista-se, que não haja antecedentes históricos e/ou estéticos. Basta nesse sentido evocar a potencialidade cénica de textos e espetáculos que estão sobretudo devidamente documentados pelo menos desde finais do século XII.

Recorda-se uma vez mais, designadamente, a doação, em 1193, de D. Sancho I aos histriões Bonamis e Acompaniado, de terrenos em Canelas de Poiares do Douro e da quitação que ambos agradeceram com um chamado arremedillho, texto-espetáculo que à época era consagrado e consagrador.
Diz Santa Rosa de Viterbo que os dois beneficiários da doação régia escreveram como uma espécie de documento de quitação: “Nós, mimos acima referidos, / devemos ao Senhor nosso Rei / um arremedilho para efeito / de compensação”

E citamos agora Teófilo Braga na sua consagrada, mas hoje algo “esquecida”, História do Teatro Português:
“(...) começaria o teatro português pelas pantomimas rudes, e não conheceria nunca o nosso povo outra forma, por isso que a única designação dramática inventada por ele foi a palavra bonifrate (nome puramente português dos espetáculos a que os espanhóis chamara títeres e os franceses “marionetes”.
Aliás, em rigor, essa constatação remete para muito antes do tantas vezes chamado “fundador” do nosso teatro (digamos assim) Gil Vicente, cujo iniciático “Monólogo do Vaqueiro” data de 1502.

E remete-se para a “História do Teatro Português” de Luciana Stegagno Picchio, para quem “o Arremedilum, longe de ser urn sinónimo de entremez ou farsa e de provar a vetusta existência de um género típico dramático português equivalia, pelo contrário, no documento de 1193, a imitação burlesca prometida ao soberano por jograis remedadores, isto é, bobos cuja especialidade consistia em ridicularizar o próximo, macaqueando-lhe o semblante” nada menos!

E cito novamente, para por agora terminar, o comentário que faço na minha “História do Teatro Português”:
“Tenhamos presente que o documento em causa qualifica o autor-ator de histrião ou bobo. A perspetiva abre caminho para duas grandes manifestações paradramáticas, onde, tal como certamente nos arremedilhos de Bonamis e Acompaniato, a criação de texto se misturava com a improvisação de espetáculo: fórmula aliás perene e essencial ao longo de toda a História do Teatro”.

Mais haveria a dizer, e outros autores devem ser citados: e é o que faremos em outro artigo.

DUARTE IVO CRUZ

BREVE REFERÊNCIA A TEÓFILO BRAGA COMO DRAMATURGO ESQUECIDO

 

No artigo anterior, referimos os 150 anos da publicação da “História do Teatro Português” de Teófilo Braga, numa evocação do livro, datado exatamente de 1870.

 

Aí se refere designadamente a sua sistemática abordagem da evolução global da literatura dramática portuguesa, sem pôr em causa nem os estudos que o antecederam nem a globalidade da obra do autor.

 

 Será aliás oportuno referir que o tema – “História do Teatro Português” e história do teatro em Portugal - mereceu ao longo deste período, uma convergência de pesquisas e análises que, de certo modo, a “História” de Teófilo, independentemente dos méritos maiores ou menores, amplamente justifica, na linha da vasta obra de estudos literários do autor. E é de salientar o mérito iniciático de muitos desses estudos.

 

Em qualquer caso porém, e sem pôr obviamente em causa os méritos da individualidade e da vida e obra do autor, há que reconhecer a menor relevância de Teófilo como dramaturgo, numa fase em que a História da nossa dramaturgia alcançava um relevo de qualidade assinalável.

 

E no entanto, Teófilo dedicou ao teatro-dramaturgia uma considerável criatividade, em diversos textos dramáticos, que incluem até o libreto de uma ópera iniciática de Rui Coelho – “O Serão da Infanta”, cantada no Teatro de São Carlos em 1915.

 

Precisamente, no que respeita a esta ópera, vale a pena citar o que a propósito da colaboração regista João de Freitas Branco na sua “História da Música Portuguesa”.

 

Escrevendo sobre Rui Coelho, atribui ao compositor “um portuguesismo de outra época, de arrogo patriótico: auto sugestão de uma mentalidade que se mira como expoente musical do «génio da raça» ideia que considera expressamente «tão cara a um Teófilo Braga»”...  

 

E mais diz que “ao longo da sua extensa obra, Rui Coelho tem tentado superar influências estrangeiras de forma a produzir música iniludivelmente portuguesa e da sua marca. (...) Por certo conseguiu, porquanto a sua música não pode confundir-se com qualquer outra. O mais nítido paralelo é porventura o cinema português”, assim mesmo!

 

E acrescentamos nós agora um comentário sobre a dramaturgia de Teófilo Braga, desde já referindo que não se trata, na nossa opinião, de uma obra que, no seu conjunto, se destaque na longa e interessante bibliografia de Teófilo.

 

Citamos então um conjunto das suas peças, hoje na verdade esquecidas: “Poeta por Desgraça”, “Um Auto por Desafronta”, “O Lobo da Madragoa”, “Gomes Freire” e o libreto da ópera de Rui Coelho “O Serão da Infanta”.


E terminamos remetendo novamente para a “História do Teatro Português” de Teófilo que, repita-se, descrevemos no artigo anterior, a propósito dos 150 anos da sua publicação.

 

Pois tanto vale, e tanto interessa retomar a leitura desse livro de Teófilo Braga!

 

DUARTE IVO CRUZ

OS 150 ANOS DA "HISTÓRIA DO TEATRO PORTUGUÊS" DE TEÓFILO BRAGA

 

Há 150 anos, Teófilo Braga publica uma “História do Teatro Português”, assim exatamente designada e que merece destaque, quer pela personalidade e carreira literária e política do autor, quer pela qualidade dos textos então reunidos e que de certo modo constituem uma das primeiras abordagens sistemáticas da evolução global da literatura dramática portuguesa. Isto, sem pôr em dúvida obviamente nem os textos e estudos que historicamente o antecederam, nem a globalidade sempre assinalável da obra do autor.

 

Vale pois a pena assinalar e transcrever, quando adequado, passagens desse estudo, no que se refere designadamente, mas não só, à época iniciática da nossa dramaturgia. E desde logo na iniciação histórica.

 

E pois desde logo, no que respeita ao chamado arremedilho, termo que surge num documento promulgado por D. Sancho I em 1193, autorizando uma doação a dois jograis, de seus nomes Bonamis e Acompaniado, documento esse recolhido por Santa Rosa de Viterbo e citado por Teófilo.

 

Segundo o documento, os jograis formulam como que uma quitação:


“Nós, mimos acima referidos, devemos ao Senhor nosso Rei um arremedilho para efeito de compensação”.

 

 A esse respeito, Teófilo coloca uma questão:

 

“Começaria o teatro português pelas pantominas rudes, e não conheceria o nosso povo outra forma, por isso que a única designação dramática inventada por ele foi a palavra bonifrate (nome puramente português dos espetáculos a que os espanhóis chamaram títeres e os franceses marionettes)”.

 

Mas avancemos no tempo e na História do Teatro.

 

Em 1543 Teófilo situa a “Prática de Oito Figuras” de António Ribeiro Chiado, falecido em 1591, e que, designadamente nesta peça, aborda uma situação geopolítica bem própria da época, numa dupla perspetiva de expansão colonial e de reforço da política europeia.

 

Trata-se então agora de uma frustrada tentativa de ocupação da Argélia por Carlos V, e à negociação com D. João III para o casamento do filho do Imperador com a Infanta Dona Maria, filha do Rei de Portugal.

 

Mas mais interessante, no ponto de vista histórico, será então o “Auto das Regateiras”, este escrito também por Chiado agora em 1459, e que, como escreveu Teófilo considera nada menos do que “precioso para a reconstituição da sociedade portuguesa no século XVI; a ação é frouxa, um simples casamento, tratado pelos pais dos noivos, celebrado com palavras de presente, mas os tipos é que são acentuadamente característicos e os ditos graciosíssimos expressos por modismos e locuções de viva poesia”, nada menos!

 

E assinalam-se ainda, na mesma época, dois dramaturgos de destaque.

 

Jorge Ferreira de Vasconcellos (1515-1585) escreveu três comédias: “Eufrósina” (1555) e “Ulissipo” e “Aulegrafia” cujas datas são questionáveis. Em qualquer caso, como escreveu Maria Odete Dias Alves, na tese de licenciatura da Faculdade de Letras de Coimbra (1971) “povoa o palco de figuras portuguesas e da sua época: é o ambiente de Quinhentos que vive nas suas páginas”.

 

E cite-se ainda António Prestes, que a partir de 1565 escreve uma série de peças compiladas em 1587, e que mereceram de D. Francisco Manoel de Melo, no “Hospital das Letras”, um rasgado elogio: “Gil Vicente, o primeiro cortesão e o mais engraçado cómico que nasceu dos Pirenéus para cá. A quem se seguiu, e não sei se avantajou, António Prestes”!...

 

Voltaremos a este temário. Mas apraz-nos desde já lembrar que Luís Francisco Rebello cita a “História do Teatro Português” de Teófilo Braga como a primeira editada em Portugal (1870-1871).

 

Mais veremos em breve.

 

DUARTE IVO CRUZ