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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

ANTOLOGIA

  
    Raul Solnado no Centro Nacional de Cultura em 2002


ATORES, ENCENADORES (XX)
BREVE EVOCAÇÃO DE RAUL SOLNADO NO TEATRO, NO CINEMA, NA ÓPERA
por Duarte Ivo Cruz


Evocamos aqui Raul Solnado na perspetiva e na circunstância do cinquentenário do Teatro Villaret, por ele fundado em 1964 e onde estreou em 1965, há exatos 50 anos, com “O Impostor Geral”, adaptação do clássico “Inspetor Geral” de Gogol, “transformado” num espetáculo musical de excelente qualidade. O registo cómico que dominou grande parte da carreira de Solnado não excluiu obviamente a dramaticidade direta ou implícita de uma longa atividade de ator - encenador, e ainda menos, a expressão direta da excecional comunicabilidade com o público em papéis cómicos como em papéis trágicos, no teatro de revista como no teatro declamado, na rádio, no cinema e na televisão.

E vem a propósito evocar também o programa ZIP ZIP, realizado semanalmente no Teatro Villaret a partir de 1969 para a RTP, numa produção conjunta com Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Foi de facto um grande momento do espetáculo em Portugal, na simbiose de produção artística direta e de jornalismo televisivo.  

E já referi o desdobramento que o Teatro Villaret efetuou, precisamente em 1965, com a companhia do Teatro do Nosso Tempo, dirigida por Jacinto Ramos, com Maria Barroso na protagonista da “Antígona” de Jean Annouil.

Ora bem: no conjunto de uma carreira de dezenas de anos, repartida em Portugal e no Brasil, pela revista, pelo teatro musicado e declamado – e não só comédia, longe disso – e pela televisão, só poderemos aqui descrever alguns momentos de especificidade, todos eles marcados pela excecional qualidade das interpretações de Solnado, fosse ou não protagonista – e acabava sempre por o ser, independentemente da estrutura das peças e dos personagens desempenhados…

E começo por referir os monólogos, originais ou adaptados, que interpretou numa expressão cénica de contacto direto com o público. Cito designadamente “A História da Ida à Guerra de 1908” de Miguel Gila, devidamente adaptado, na revista “Bate o Pé”, em cena no Teatro Maria Vitória (1961/62). E outros se seguiram.

Há que citar intervenções destacadas num repertório heterogéneo que aliás veio das primeiras colaborações cénicas, designadamente mas não só na Sociedade Guilherme Cossoul - Gil Vicente, “O Fidalgo Aprendiz” de D. Francisco Manoel de Melo (no TMDMII), “O Avarento” de Molière, Tchekcov, Eduardo Schewalbach, o “Baton” de Alfredo Cortez, a “Maria Emília” de Alves Redol, o “Schewik na Segunda Guerra Mundial” de Brecht, muitos autores contemporâneos traduzidos  e também  a revelação de peças portuguesas contemporâneas  como “As Fúrias” de Agustina Bessa-Luis  ou  “O Magnifico Reitor” de Diogo Freitas do Amaral (no Teatro da Trindade). Isto é, uma clara transposição da vivência e problemática da sociedade e da política portuguesa e internacional.

Raul Solnado participou, a partir de 1956/1957 (“Ar Água e Luz” de Ricardo Malheiro, “O Noivo das Caldas” de Artur Duarte, “Perdeu-se um Marido” de Henrique de Campos e “Sangue Toureiro” de Augusto Fraga), em mais de uma dúzia de filmes em Portugal e no Brasil, com destaque para “As Pupilas de Senhor Reitor” (1961) de Perdigão Queiroga, “Dom Roberto” (1962) de José Ernesto de Sousa, este premiado no Festival de Cannes, aquele premiado em Portugal, e ainda, entre outros mais, em “A Balada da Praia dos Cães” de José Fonseca e Costa a partir do romance de José Cardoso Pires.

E finalmente: teve uma intervenção em 1992 na ópera de Johann Strauss “O Morcego”, no Teatro Nacional de São Carlos.

Esta versatilidade em muito ultrapassa o registo, aliás notável em si mesmo, de ator cómico. Raul Solnado era de facto um artista global.


DUARTE IVO CRUZ


Obs: Reposição de texto publicado em 22.04.15 neste blogue.

ANTOLOGIA


    Maria Barroso e Augusto de Figueiredo em "Benilde ou a Virgem Mãe" de José Régio (in site da C.M. de Vila do Conde)


ATORES, ENCENADORES (XIX)

REFERÊNCIAS A MANOEL DE OLIVEIRA, JOSÉ RÉGIO, MARIA BARROSO
por Duarte Ivo Cruz


Fazemos aqui uma abordagem global a três nomes exponenciais da cena portuguesa – e cada um deles, a seu modo e na biografia respetiva, em muito transcendeu a abordagem específica da arte do espetáculo. Referimos Manoel de Oliveira, na sequência da publicação anterior, mas também, pelas razões que adiante se explicam, José Régio e Maria Barroso.

Como bem sabemos, cada um transcendeu em muito a expressão dramática, aliás, também cada um deles, assumindo-a num nível de qualidade excecional. Mas é o teatro e o espetáculo que aqui os relaciona – e a partir da peça “Benilde ou a Virgem Mãe”, peça escrita por José Régio em 1947, estreada no Teatro Nacional de D. Maria II em 1947-1948 com Maria Barroso na protagonista, e filmada por Manoel de Oliveira em 1975 com Maria Barroso no papel de Genoveva.

Maria Barroso termina o curso de teatro do então Conservatório Nacional em 1943 e no ano seguinte ingressa na Companhia do TMDM II dirigida, como se sabe, por Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro. Prossegue estudos na Faculdade de Letras de Lisboa, enquanto assume diversos papéis de protagonista no Nacional, com destaque para a Maria de Noronha do “Frei Luís de Sousa” em 1946. No ano seguinte estreia-se no cinema com “Aqui Portugal” de Armando Miranda: mas mais importante do que isso, nessa mesma temporada de 47-48, fará a protagonista da “Benilde” no D. Maria, com Augusto de Figueiredo no papel de Eduardo.

António Braz Teixeira assinala que «tal como o rei de “Jacob e o Anjo”, também a protagonista de “Benilde”, porque foi escolhida por Deus, só na morte serenamente aceite ou desejada (…) alcança a verdadeira liberdade redentora» (in “Teatro I” ed. INCM-2005 pág. 22). E o próprio Régio destacará esta interpretação, quase a última que Maria Barroso assume no Teatro Nacional antes de ser afastada em 1948. A crítica da época é aliás unânime em reconhecer a notável interpretação de Maria Barroso. “É o reconhecimento do seu talento. É a consagração do seu nome. É o ponto iluminado do seu palco” escreverá, meio século decorrido, Leonor Xavier, que reproduz um conjunto relevante de críticas da época. (in “Maria Barroso – Um Olhar Sobre a Vida”, ed. Difusão Cultural - 1995 pág. 98).

Maria Barroso afasta-se dos palcos. Mas em 1965, retoma a carreira em duas interpretações notáveis que marcaram o início de atividade do Teatro Villaret: “O Segredo” de Henry James e a “Antígona” de Jean Anouille, que já evocamos nesta série de artigos. 

Ora bem: em 1975 estreia em Lisboa o filme de Manoel de Oliveira precisamente denominado “Benilde ou Virgem-Mãe”. Aqui, a protagonista é Maria Antónia Mata, e Maria Barroso assume o papel de Genoveva “velha criada da casa”. O texto teatral articula-se na expressão cinematográfica: diz João Bénard da Costa que “é o cinema que invade o teatro, num jogo de alçapões e sótãos, como se sob a profundidade do primeiro se escondesse o espaço do segundo”… (in “Histórias do Cinema” ed. Europália e INCM 1991 pág. 153).

E Eduardo Prado Coelho: «Em primeiro lugar, o filme nunca pretende figurar, melhor ou pior, uma realidade, mas sim registar uma peça de teatro. Quer dizer que, com “Benilde”, Manoel de Oliveira avança sim pouco mais na sua conceção sobre a passividade do cinema. Em segundo lugar, opera-se, neste movimento de câmara, uma passagem para um espaço deliberadamente fechado, onde o exterior adquire uma força simbólica desmesurada (…). Em terceiro lugar, este espaço fechado é o espaço maldito que, na sua velha clausura, assistiu ao enlouquecimento da mãe de Benilde, ao bizarro comportamento do pai, e serve agora como explicação para o mistério que envolve o estado de Benilde”. (in “Vinte Anos de Cinema Português – 1962-1982” ed. ICLP pág. 58).

Entretanto, quero aqui frisar a expressão dramática e a qualidade do texto em si, e a sua “adaptabilidade” digamos assim, a formas de espetáculo em si mesmas distintas: o que em rigor se deve ao extraordinário talento de José Régio, que como sabemos não esteve, ao longo da vida, especialmente ligado aos meios teatrais e/ou cinematográficos… 

Maria Barroso faria pequenas intervenções em dois filmes de Manoel de Oliveira: “Amor de Perdição” (1977) e “Le Soulier de Satin” (1984).

E seja-me permitido terminar com uma citação de texto de minha autoria, a propósito da “Benilde” - peça:

“Luta Benilde pela sua verdade. E só a morte evidente mostra a verdade essencial e subjetiva das suas vozes. (…) Teatro e grande teatro é a tensão doseada e progressiva de «Benilde ou a Virgem-Mãe», o seu remate inesperado, a dúvida que sempre subsiste”… (in “História do Teatro Português”- Verbo ed. 2001, pág.296).


DUARTE IVO CRUZ


Obs: Reposição de texto publicado em 15.04.15 neste blogue.

ANTOLOGIA

  
     Manoel de Oliveira na Mostra de Cinema de Veneza, em 1991


ATORES, ENCENADORES (XVIII)
EVOCAÇÃO DE MANOEL DE OLIVEIRA
por Duarte Ivo Cruz


Faremos aqui referência a Manoel de Oliveira na sua ligação ao mundo do teatro através designadamente da sequência brilhante de filmes que realizou a partir de peças teatrais. Mas também, como ator, destacando precisamente a   marcante interpretação, no clássico “A Canção de Lisboa” (1933) de Cottinelli Telmo.

Manoel de Oliveira surge entretanto em alguns filmes de sua autoria, por vezes “aparições” perfeitamente secundárias ou ocasionais: faz lembrar um pouco, nesse aspeto, o próprio Hitchcock, na figuração instantânea que introduzia sistematicamente nos seus filmes, como uma imagem de marca ou um atestado de autoria.

Não assim, note-se, com Manoel de Oliveira, pois em dois filmes relevantes, um deles, aliás referencial da história do cinema português, desempenhou papéis, não propriamente de protagonista, mas de projeção: na já citada “Canção de Lisboa” e também em “Fátima Milagrosa” (1927) de Rino Lupo, realizador romeno que aliás seria autor, em Portugal, de êxitos meritórios do cinema mudo, como designadamente “Os Lobos”.

Felix Ribeiro considera entretanto que “Fátima Milagrosa” é um filme de pouca qualidade inclusive porque “da parte de muitos interpretes se observava um amadorismo e uma insuficiência dificilmente tolerável”… (in “Filmes, Figuras e Factos do Cinema Português” ed. Cinemateca Portuguesa 1983 pág.225). Ora, dessa deficiência não pode ser acusado Manoel de oliveira, que se limitou, neste filme, a mera figuração, aliás ilustrada no livro citado com uma fotografia.

E esse destaque é testemunho da projeção que viria a atingir Manoel de Oliveira no historial do cinema português. De tal forma que a sua outra participação como “ator profissional” já se revestiu de uma importância destacada. É como se referiu na “Canção de Lisboa” - e nem Cottinelli Telmo seria capaz de confiar a um ator “menor” um papel de relevo neste excelente filme, o primeiro   sonoro totalmente produzido e realizado em Portugal.

Basta ver o elenco: Vasco Santana, António Silva, a jovem Beatriz Costa, e, diz-nos agora Luis de Pina, “a presença jovem de Manoel de Oliveira num belo carro de desporto, já consagrado pelo prestígio de «Douro Faina Fluvial». (in “A Aventura do Cinema Português” -  Veja ed. pág. 39) E é de notar que nomes como Chianca de Garcia, José Gomes Ferreira ou Fernando Fragoso, mesmo alguns deles não referidos no genérico, estiveram ligados à produção.

É altura pois de referir que a longuíssima filmografia de Manoel de Oliveira reflete, em numerosos títulos, uma espécie de evolução da dramaturgia portuguesa, sobretudo a partir de peças, adaptações mais ou menos contemporâneas – e todas elas, contemporâneas do realizador, dada a sua extraordinária longevidade. E é notável que ao longo de dezenas de anos, teve sempre uma noção e visão evidentemente moderna, mas em cada fase, contemporânea das peças e de autores, com a exceção cronológica mas não de espetáculo, do “Acto da Primavera” (1963) representação popular a partir de um texto clássico de Francisco Vaz Guimarães (século XVI).

Mas com essa exceção – e mesmo assim, o espetáculo era na época pelo menos, realizado anualmente -, pode-se dizer que a filmografia de Manoel de Oliveira, no que se refere ao teatro, concentra-se em autores dos nossos tempos... Ora vejamos (as datas referem a produção dos filmes):

1972 - “O Passado e o Presente” de Vicente Sanches; 1974 – “Benilde ou a Virgem Mãea” de José Régio; 1981 – “Visita ou Memórias e Confissões” – diálogos de Agustina Bessa Luis e Manoel de Oliveira; 1981 – “Le Soulier de Satan” de Paul Claudel; 1986 – “O Meu Caso” de José Régio; 1987 - “Os Canibais” ópera de Alvaro Carvalhal sobre libreto de João Paes;  1994 -“A Caixa”  de Prista Monteiro; 1996- “Party” com diálogos de Agustina Bessa Luis; 1998 – “Inquietude” de Prista Monteiro; 2012- “O Gebo e a Sombra” de Raul Brandão.

É por vezes uma cinematografia difícil? Será: mas retomo aqui o comentário de um crítico francês, Jacques Parsi, no livro que dedicou a Manoel de Oliveira (“Manoel de Oliveira – Cineaste Portugais” ed. Centre Culturel Calouste Gulbenkian 2002 pág. 1612):

“Esta forma de escrever o cinema destabiliza alguns espetadores, a ausência do espetacular afasta muitos outros. A dificuldade decorre, no caso, de que é necessário limpar o olhar, desembaraça-lo dos seus reflexos condicionados. Só por aí se pode falar de dificuldade para abordar o cinema de Manoel de Oliveira. Ora paradoxalmente, as pessoas ficam muitas vezes nesta abordagem superficial, sem ver que o que é obscuro, complexo, por vezes insondável, é a vida que é mostrada”.

E no final:

“Os filmes de Oliveira só são simples ou claros na sua linguagem. Ora a simplicidade não é incompatível com o maior refinamento, é o que se chama pureza“.

No blogue acima citado, Guilherme Oliveira Martins refere-se especificamente à “relação muito curiosa e difícil com Agustina bessa-Luis. Dir-se-ia que duas grandes personalidades faziam coexistir a complementaridade e a tensão. Admiravam-se sem renunciar ao sentido crítico”.

Na morte de Manoel de Oliveira, aos 106 anos, fica esta homenagem e esta memória.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 08.04.15 neste blogue.

ANTOLOGIA

  
Centro Nacional de Cultura, 1960
Isabel Ruth, Fernando Amado, Manuela de Freitas e Glória de Matos


ATORES, ENCENADORES (XVII)
GLÓRIA DE MATOS NO TEATRO E NO CINEMA
por Duarte Ivo Cruz


Já aqui tivemos oportunidade de recordar a deslocação ao Brasil do Grupo Fernando Pessoa - GPF. As celebrações do centenário do ORPHEU, e designadamente a realização, em Lisboa na semana finda e proximamente em São Paulo, do Congresso Internacional denominado precisamente “100 Orpheu”, iniciativa de centros de estudo e investigação do CLEPUL e do LEPEM da Faculdade de Letras de Lisboa, e também da Universidade de São Paulo, além de outras entidades luso-brasileiras, justificam retomar essa evocação, recordando designadamente a atriz Glória de Matos, elemento destacado do GFP, como já aqui se referiu.

Recorde-se então que Glória de Matos iniciou sua atividade profissional na Casa da Comédia, iniciativa de Fernando Amado que viria a dirigir, no âmbito do Centro Nacional de Cultura o Grupo Fernando Pessoa, o qual em 1962, como já vimos, levaria “O Marinheiro” ao Brasil. Essa “internacionalização” de Glória de Matos foi completada, digamos assim, com uma formação na Bristol Old Vic Theatre School e posteriormente, com atividade profissional e docente no Canadá.

Glória trabalhou com Raul Solnado e ingressou na Companhia do Teatro Nacional de D. Maria II, onde se manteve, com intermitências e com colaborações diversas, a partir de 1969. Destaco então, mas é um mero exemplo, o que escrevi na época acerca da interpretação de Glória de Matos em “Quem tem Medo de Virginia Woolf”, de Edward Albee, encenação de João Vieira, no Teatro Villaret, que valeu a Glória o prémio da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, pela interpretação “espantosa na violência paroxística” numa peça que fez época pela “construção seguríssima no retratamento psicológico e veemente no acerado criticismo social”.   

Importa salientar a atividade docente de Glória de Matos, pois ao longo da carreira teve como referencial relevante a permanência no Conservatório Nacional depois Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Destaco essa dimensão da carreira de Gloria de Matos porque não é tão habitual em profissionais que conciliaram a atividade de espetáculo com a atividade docente.

Glória foi professora durante décadas. A título pessoal, posso também recordar que coincidimos na docência, pois, em grande parte desse longo período, fui titular, no Conservatório/ESTCL da cadeira de História da Literatura Dramática e do Espetáculo Teatral. Glória era professora na área de cadeiras de Formação de Atores, como o foi também de Expressão Oral no Mestrado da Universidade Aberta. A complementaridade no plano teórico e prático do ensino foi sempre assumida.

E interessa ainda salientar a intervenção de Glória de Matos no cinema. A colaboração com Manoel de Oliveira marca uma época na cinematografia nacional, na perspetiva da interpretação adequada à exigência específica da filmografia de Oliveira, a qual, como bem se sabe, é exigente para os atores, como aliás o é para os espectadores.

No caso de Glória, refiram-se papéis determinantes em filmes como a “Benilde ou a Virgem-Mãe” a partir da peça de Régio, “Francisca”, “Canibais”, “Vale Abraão”, “O Quinto Império”, “Espelho Mágico”, ou “Singularidades de Uma Rapariga Loura”, evocativo de Eça de Queiroz. Todos esses filmes, para lá da especificidade no plano da realização, reportam, na dimensão de enredo e diálogo, para uma exigência de qualidade que se projeta obviamente nas interpretações.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 01.04.15 neste blogue.

ANTOLOGIA

  
Jacinto Ramos nos “Comediantes do Porto” 


ATORES, ENCENADORES (XVI)
JACINTO RAMOS E O TEATRO DO NOSSO TEMPO - TNT

por Duarte Ivo Cruz


Já aqui fiz referência ao teatro Villaret, iniciativa de Raul Solnado que o dirigiu desde o espetáculo inicial em 1964, até 1968. Solnado realizou, como diretor e como ator, uma ação relevante no ponto de vista de repertório e sobretudo no ponto de vista de espetáculos e de elencos, com o devido destaque as suas próprias encenações e interpretações. Mas ao mesmo tempo, abriu o teatro a iniciativas diversas da maior qualidade e repercussão: citei já, no artigo anterior, o célebre ZIPZIP feito para a RTP.

Mas a partir de 1965, faz agora exatos 50 anos, o Teatro Villaret como que se desdobra e acolhe uma iniciativa especificamente dramática, com risco calculado e muito bem sucedido – o que é notável – de simultaneidade de espetáculos. A chamada Companhia do Teatro do Nosso Tempo – TNT (não confundir com o TNP - Teatro Nacional Popular de Francisco Ribeiro, anos antes no Trindade) fazia espetáculos no Villaret, em sessões de fim de tarde ou alternando com os espetáculos da companhia de Raul Solnado. O sistema era arriscado mas funcionou… o que se deve à qualidade dos repertórios e dos elencos de ambas as companhias.

O TNT era dirigido por Jacinto Ramos (1917-2004), o qual desde 1945 marcava posição como ator em grupos profissionais e experimentais, com destaque para a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, onde ingressa em 1950, numa colaboração intermitente mas de dezenas de anos. Esteve entretanto ligado a outras colaborações, mas destacando sempre uma qualidade e exigência de repertório e de interpretação que duraria até final da carreira.

Em centenas de peças e de autores, cite-se designadamente entre os dramaturgos portugueses, desde Gil Vicente a Garrett, Eça de Queiroz (adaptação de Os Mais por Bruno Carreiro no Teatro Nacional) mas também, designadamente, Raul Brandão, António Patrício, Alfredo Cortez, Júlio Dantas, Romeu Correia, Alves Redol, Luis Sttau Monteiro, Bernardo Santareno, José Cardoso Pires...

Acrescente-se a participação na televisão e em cerca de 10 filmes, com destaque para o Chaimite de Jorge Brum do Canto.

Ora bem: como vimos, em 1965, Jacinto Ramos cria e dirige, no Teatro Villaret, a companhia do Teatro do Nosso Tempo, com um elenco de grande qualidade e um repertório de atualidade.

E nesse aspeto, salienta-se o repertório contemporâneo, desde logo com peças iniciais da atividade da companhia: por exemplo O Segredo de Michael Redgrave a partir de um conto de Henry James, ou especialmente a Antígona de Annouilh, este um belíssimo espetáculo pela qualidade do texto e pela interpretação, com destaque para Maria Barroso na protagonista, no que viria a ser, cremos, o seu último grande papel como atriz.

Recordo o comentário que na altura escrevi acerca do espetáculo de estreia da companhia, com O Segredo: “é uma peça bem construída de desenvolvimento certo e que enquadra com a maior segurança o conteúdo denso, cheio de implicações. O ritmo lento marca com clareza a intemporalidade ambiental, a repetição genérica de movimentos, de vidas e de psicologias.” E a análise crítica prosseguia com referências específicas ao encenador Paulo Renato, que poderemos um dia evocar nesta série de artigos.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 25.03.15 neste blogue.

ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (XV)
O ATOR TASSO – O TEATRO TASSO E A ATIVIDADE TEATRAL DESCENTRALIZADA
por Duarte Ivo Cruz


Faça-se aqui uma evocação do ator Tasso e do Teatro Tasso da Sertã, no centenário da inauguração da sala (1915) que hoje, reformada e adaptada a cine-teatro em 1953, e que se mantém em atividade, designadamente dando abrigo a grupos de amadores locais desde 1955: e esses exatos 60 anos decorridos justificam também, ou ainda mais, esta evocação.


Com mais um aspeto que deve ser lembrado: a inauguração do Teatro Tasso fez-se com a peça “O Deputado Independente” de Chagas Roquete e Álvaro Gil, autores relevantes na época, sobretudo o primeiro. E o primeiro espetáculo teatral do renovado e já então denominado Cine Teatro Tasso fez-se com “A Bisbilhoteira” de Eduardo Schwalbach autor também de grande projeção no seu tempo – e de certo modo ainda hoje.


Pedro Marçal Pereira recorda que «as primeiras representações (teatrais) decorreram na Sertã em dezembro de 1865, onde uma pequena companhia espanhola levava à cena “dramas e jocosas farsas” no celeiro da casa dos Mascarenhas. Já neste ano as récitas eram acompanhadas pela “philarmónica”» (in “O Teatro Numa Aldeia da Beira – Cernache do Bomjardim” 2015 pag.315) E a atividade teatral mantém-se com o apoio da Câmara (cfr. Rui Pedro Lopes “História da Sertã” ed. Câmara Municipal da Sertã – Prefácio de José Pedro Nunes, Presidente da CMS - 2014).


Temos pois na Sertã, curiosamente, neste ano de 2015, três comemorações assinaláveis no ponto de vista teatral – 1865, 1915, 1955.  


Ora vale então a pena recordar a importância que, na época, teve o ator Joaquim José Tasso, designadamente na afirmação da obra de Garrett, na revelação da dramaturgia garretteana, mas também no impulso que o escritor daria à atividade e à renovação do espetáculo teatral.


E precisamente, encontramos o jovem Tasso, em 1838, com 18 anos, no então semi-arruinado Teatro da Rua dos Condes, que já aqui evocamos, a integrar o elenco da Companhia de Teatro Nacional e Normal dirigida por Emile Doux, onde estreou “Um Auto de Gil Vicente” de Garrett: o escritor esteve ligado a esta iniciativa, que se revelaria primordial na renovação do teatro-espetáculo português.


E em 1841Tasso desempenhou ao papel de D. Nuno Álvares Pereira mo “Alfageme de Santarém” de Garrett.


Tasso passaria para o elenco de Teatro D. Maria II e inauguraria em 1967 o Teatro da Trindade. E manteve-se nessa empresa até à sua morte em 1870. Fez assim parte de uma geração muito marcante do teatro português, que reuniu nomes desde João Anastácio Rosa a Emilia das Neves, Carlota Talassi, Epifânio Gonçalves, Teodorico Cruz…


Estes nomes foram extremamente marcantes na época mas hoje já não nos dizem quase nada: é a consequência do carater efémero do espetáculo teatral. Mérito pois da evocação de atores em salas de espetáculo, como é o caso deste Teatro Tasso da Sertã. Iremos vendo mais alguns.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 18.03.15 neste blogue.

ANTOLOGIA


ATORES, ENCENADORES (XIV)
MARIA VITÓRIA, NOME DE TEATRO
por Duarte Ivo Cruz


No texto que dedicamos aos teatros do Parque Mayer referimos como sala “inaugural” desta concentração urbana de edifícios e atividades de cultura e lazer, o Teatro Maria Vitória. Foi efetivamente o primeiro a ser construído, na fase inicial de urbanização do recinto, datada, no que respeita ao teatro, de 1922. Mas ressalte-se agora que esse primeiro Maria Vitória era pouco mais do que um recinto provisório.

Diz-nos Jorge Trigo e Luciano Reis que «este Teatro tem o nome da grande fadista e atriz Maria Vitória, morta aos 24 anos» em 1915. E acrescentam os dois autores que “o teatro era no seu início uma simples construção de madeira e sarapilheira quando abriu as suas portas ao publico a 1 de julho de 1922 (…) O seu primeiro espetáculo foi a revista “Lua Nova”, em dois atos e onze quadros, da autoria de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes, João Bastos e Henrique Roldão, os três primeiros formando a chamada Parceria, com música de Alves Coelho” (in “Parque Mayer” vol. 1- 2004 pag.37).

O Teatro Maria Vitória beneficiou de obras e deixou a curto prazo de ser o barracão inicial. Mas em 10 de maio de 1986 foi semi-destruído por um incêndio – e pode recordar-se que dois anos antes o Teatro Nacional de Dona Maria II sofreu o mesmo desastre… O teatro foi entretanto recuperado e reconstruído, tendo reaberto em 1 de março de 1990 com a revista intitulada “Vitória! Vitória!”, texto de Henrique Santana, Francisco Nicholson, Augusto Fraga e Nuno Nazareth Fernandes, música de João Vasconcelos, Fernando Correia Martins, Nuno Nazareth Fernandes e Fernando Ribeiro, encenação de Henrique Santana. Eram na altura empresários do teatro Helder Freire Costa e Vasco Morgado Junior.

O projeto de recuperação é da autoria do arquiteto Barros Gomes. E o teatro reflete, desde logo ao nível da fachada, com elementos arquitetónicos claramente diferenciadores. Um acréscimo discutível, dessa ou de outra época de reconstrução, prejudicou a fachada original.

Conservaram-se no interior algumas fotografias e placas evocativas, com destaque para Giuseppe Bastos e para o próprio Henrique Santana. Mas o teatro manteve, em boa hora, o nome o nome e a estrutura original da sala, em muito boas condições de restauro e funcionamento.

Vale a pena agora recordar quem foi Maria Vitória, inclusive pela insólita carreira que, em pouco anos, desenvolveu. 

Desde logo, trata-se de uma fadista nascida em Espanha (1888) filha de pais espanhóis. Vem para Portugal quase recém-nascida. Surgirá integrada num dos elencos que, durante 10 anos, o que é extraordinário, manteve em cena a revista “O 31”, de Luis Galhardo, Pereira Coelho e Alberto Barbosa, com música de Tomás Del Negro e Alves Coelho, estreada em 1917. Luis Francisco Rebello cita críticas da época, que referem «a voz cavada e triste de Maria Vitória, ao entoar o célebre “Fado do 31 (…): “À porta da Brasileira/ dois bicos encontram dois./Ficam os quatro. E depois/lá começa a chinfrineira”»…

E em 1944, Estêvão Amarante lembrava os tempos «em que a princesa do fado não era a Amália Rodrigues. Era a Maria Vitória»! (cfr. Luis Francisco Rebello “História do Teatro de Revista em Portugal” - 1985)

Maria Vitória morre aos 27 anos (1915). Ficou o nome do teatro. E neste momento, é o único que funciona no Parque Mayer.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 11.03.15 neste blogue.

ANTOLOGIA


ATORES, ENCENADORES (XIII)
OS 60 ANOS DO TEATRO DE ARTE DE LISBOA
por Duarte Ivo Cruz


O Teatro de Arte de Lisboa (TdAL), foi uma companhia que, em diversas temporadas, com irregularidade desde 1955-56 até ao início dos anos 70, levou ao Teatro da Trindade um repertório inovador e um elenco de primeira qualidade para o nosso meio artístico, sobretudo na época.  Mas mais: desenvolveu uma ação coerente e relevante de atualização e reflexão da cultura teatral.


O TdAL foi fundado e dirigido por dois escritores e investigadores, Orlando Vitorino (1922-2003) e Azinhal Abelho (1911-1979), cada um deles com carreiras de investigação e reflexão estética válida e diversificada para lá da atividade teatral. Ambos se integram num movimento que globalmente pode ser identificado num quadro de estudos e criação filosófica de ponderação e análise de raiz portuguesa. Estiveram também ligados à realização cinematográfica. Azinhal além de uma obra poética assinalável, desenvolveu um notável trabalho de pesquisa e recuperação de peças e textos tradicionais nos 6 volumes de “Teatro Popular Português”.


Mas devemos recordar que Orlando Vitorino é autor de ensaios integrados no movimento chamado da filosofia portuguesa que a partir do final dos anos 70 estudou e afirmou um pensamento de raiz nacional, na linha de António Quadros, António Braz Teixeira, Afonso Botelho, Álvaro Ribeiro, José Marinho, e outros mais.       


Mas voltemos ao TdAL. É desde logo de realçar a contemporaneidade do repertório, com esporádicas exceções, mas sempre de dramaturgos relevantes.


Vejamos, nesse aspeto alguns espetáculos. Desde logo, o primeiro, “A Casa dos Vivos” de Graham Green: e podemos confirmar que, na época (e de certo modo ainda hoje) o autor é bem pouco conhecido como dramaturgo, e até não só entre nós. O TdAL estreou depois peças de Garcia Lorca (“Yerma”), Kesselring (“Arsénico e Rendas Velhas”), Priestley (“Já Aqui Estive”), Ugo Betti (“Os Fantasmas”), Brien Fiel (“Amantes de Triunfantes”), JacK Richardesosn (“O Carrasco, o Enforcado e a Forca”), Tankred Dorste (“A Curva”), entre outros, incluindo “Quando a Verdade Mente” de Costa Ferreira.


E também as duas peças fulcrais de Orlando Vitorino, “Nem Amantes nem Amigos” (1962) e “Tongatabu” (1965), ambas marcadas pela reflexão filosófica que é comum a toda a sua criação.   Na primeira, o personagem-ator Rafael declama passagens da “Alegoria da Caverna”. E na segunda, reforça-se uma perspetiva existencial da vida no confronto e na alternância de aventura e rotina.


Mas importa agora evocar os elencos sucessivos desta companhia: e diga-se desde logo que o conjunto de atores e atrizes constituiu o que de melhor havia nessa altura na cena nacional, ao nível também do Teatro Nacional de D. Maria II. Logo no espetáculo de estreia assim foi: Maria Lalande, Alves da Costa, Josefina Silva, Brunilde Júdice, Samuel Dinis – à época Diretor da Secção de Teatro do Conservatório Nacional – Constança Navarro, Adelina Campos. E ao longo da temporada, vamos encontrando, a partir desde núcleo central, uma multiplicação de elencos adequado á exigência de cada peça. Basta lembrar que o segundo espetáculo, como vimos a “Yerma” de Lorca – o que só por si é uma afirmação de qualidade - exigia em cena algo como 20 personagens: e encontramos então, neste e em espetáculos sucessivos, nomes como Augusto Figueiredo, Maria Lalande, Mariana Vilar, Lígia Teles, Cecília Guimarães e Francis Graça.


Os espetáculos eram dirigidos ou por elementos do elenco ou pelos próprios diretores da companhia, com destaque para Orlando Vitorino.


Na reposição de 1960-61 e nos espetáculos dessa temporada  surge no TdAL como que uma renovação também de  grande qualidade: alem de muitos dos citados, temos então no Trindade Carlos José Teixeira, Carlos Wallenstein, Fernando Gusmão e o brasileiro Lusi Tito, numa das primeiras “integrações” de elenco que depois seriam habituais. E mais para o final, outra geração: Ivone de Moura, Carlos Duarte e outros.


Orlando Vitorino
Imagem do blog http://liceu-aristotelico.blogspot.pt


Duarte Ivo Cruz

 

Obs: Reposição de texto publicado em 04.03.15 neste blogue.

ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (XII)
DESCENTRALIZAÇÃO TEATRAL - O ÚLTIMO ESPETÁCULO DE AMÉLIA REY COLAÇO
por Duarte Ivo Cruz


Há uma certa simbologia, perdoe-se o eventual exagero da expressão, na despedida de cena de Amélia Rey Colaço. Pensemos da sua vasta e exemplar carreira, e particularmente, nas dezenas de anos em que dirigiu a companhia do Teatro Nacional no D. Maria II, no Avenida, e episodicamente noutras salas, além de tournées que incluíram o Brasil. A sua obra e a sua ação em termos de renovação da cena nacional é indiscutível, para lá de oscilações e opiniões, que também não faltaram. E a sua versatilidade como atriz não confirma uma crítica na época habitual – a de que fazia papeis de alta sociedade… lembro ao calhar, para o desmentir, a formidável ama no “Romeu e Julieta” de Shakespeare.


Mas aqui, quero evocar a insólita despedida de cena de Amélia Rey Colaço.


Foi em 1985, tinha 87 anos. E foi num teatro “marginal”, hoje desativado para não dizer desaparecido para a atividade teatral – e aproveitamos também para o evocar – que pela ultima vez Amélia subiu à cena: no Teatro Portalegrense, no papel da Rainha D. Catarina em “El Rei Sebastião” de José Régio.


Este Teatro Portalegrense, projeto do arquiteto José de Sousa Larcher datado de 1856, manteve-se em atividade durante mais de um século, com significativos momentos de expressão literária e artística. Lembre-se que em Portalegre vivia e lecionava José Régio. Lá se estreou em 1935 o “Sonho de uma Véspera de Exame”, de Régio em récita de finalistas do ensino liceal – e um desses alunos era o futuro ator Artur Semedo. E lá voltaria Régio, o Dr. José Maria dos Reis Pereira professor do Liceu de Portalegre, a ser episodicamente representado.


O Portalegrense deixou de funcionar com regularidade como teatro. Mas ficou o edifico, sucessivamente “aproveitado” em atividades insólitas para um teatro do seculo XIX: templo religioso e até ringue de patinagem!


Evoquemos então atores e atrizes nascidos e relacionados em termos pessoais e profissionais com Portalegre. 


Sousa Bastos, na sua prosa peculiar, cita em particular Beatriz Rente: “nasceu em Portalegre em 1859 esta rapariga de olhos grandes que todos achavam bonita (…) Aos 15 anos de idade estreou-se no Teatro D. Maria “e depois passou para o Ginásio “fazendo sempre primeiros papéis com bastante agrado”. O pior é que “saindo deste teatro começou a sua decadência no Teatro da Rua dos Condes; apesar do que foi classificada em primeira classe para o teatro de D. Maria até que a morte a roubou em 1906” assim mesmo, numa prosa “teatral” muito típica do “Diccionário do Theatro Português”… 


O outro ator de Portalegre, que acima referi, é Artur Semedo (1925-2001). Grande Prémio do Conservatório Nacional e Prémio de Revelação da Crítica, estreou-se no Teatro Ginásio em 1949 num dramalhão de Cristiano Lima, “O Preço da Honestidade”. Estudou em Itália e prosseguiu uma vastíssima carreira no teatro e sobretudo no cinema, como ator e realizador em Portugal, Espanha e Brasil.


Mas tudo isto veio a propósito do último espetáculo de Amélia Rey Colaço, ocorrido como vimos em Portalegre: homenagem ao portalegrense por opção que foi José Régio, mas também homenagem a uma sala oitocentista de teatro que há muito deixou de o ser.


E referência a uma política de património e de descentralização teatral e cultural que é essencial manter e desenvolver.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 25.02.15 neste blogue.

ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (XI)
HOMENAGENS A UM GRANDE ATOR E A UMA GRANDE ATRIZ
por Duarte Ivo Cruz  


Nos anos 60, inauguraram-se em Lisboa dois teatros em homenagem a dois grandes nomes do teatro português. O que está longe de ser inédito, mas merece destaque pela quase simultaneidade mas sobretudo pela referenciação dos artistas homenageados. Referimo-nos ao Teatro Villaret, iniciativa de Raul Solnado, que o fundou em 1964, e ao Teatro Maria Matos, este de 1969, num conjunto que envolve ainda um cinema e um hotel.


Vejamos um e outro caso.


O Teatro Villaret foi inovador pela rentabilização do espaço. Projetado pelo arquiteto Trindade Chagas com decoração de Daciano Costa, é o primeiro teatro de bolso, digamos assim, construído em Portugal: ocupa a cave de um prédio. O próprio Solnado o dirigiu durante alguns anos e desde logo marcou o espetáculo inaugural com uma adaptação modernizante do “Inspetor Geral” de Gogol. 


Falaremos de Raul Solnado noutro artigo. Mas esta evocação permite referenciar outras manifestações de espetáculo, no sentido mais abrangente do termo, conduzidas por Solnado no próprio Teatro Villaret. E citamos designadamente a partir de 1969 a realização e transmissão pela RTP do celebérrimo programa ZIP-ZIP e desde logo, na estreia, a entrevista com Almada Negreiros, que constituiu uma verdadeira lição televisiva: inesquecível, na verdade, o dialogo com Almada e a comunicabilidade da entrevista, numa época em que tais tipos de “espetáculo” no mais nobre sentido do termo, não eram comuns na televisão - e sobretudo naquele registo profundo mas extremamente acessível…E também no Teatro Villaret se efetuou, em 1965, a ultima intervenção de Maria Barroso como atriz (“Antígona” de Anouilh).


O Teatro foi depois dirigido por Artur Ramos, por Vasco Morgado e incidentalmente em desdobramento do Teatro Nacional de D. Maria II. De 1965 a 1968 recebeu a Companhia Portuguesa de Comediantes, que encenou peças de Tennessee Williams e outros autores sobretudo norte-americanos, mas também o “António Marinheiro - o Édipo de Alfama” de Bernardo Santareno.


O Teatro Villaret continua, até hoje, em plena atividade, numa linha eclética quase sempre de qualidade.


Ora, nestes termos, nada mais justo do que a homenagem a João Villaret (1913-1961), notável tanto no teatro declamado como na revista e na televisão – aí, mantendo durante longo período um programa de declamação de poetas portugueses contemporâneos.


Fica na história do espetáculo em Portugal o seu talento e sobretudo a adaptabilidade a géneros e estilos diversos. Cita-se particularmente o seu envolvimento nos Comediantes de Lisboa, companhia que, de 1944 a 1950, renovou o repertório e o espetáculo teatral, sob a direção de Francisco Ribeiro: lembra-se, sobretudo o personagem Tatinho do “Baton” de Alfredo Cortez.


Esteve no teatro de revista desde o final dos anos 30 até 1959 e integrou em 1952 o elenco da primeira revista do Teatro Monumental - “Lisboa Nova” de Fernando Santos, Almeida Amaral de Frederico Valério: são espetáculos ainda hoje evocados pela qualidade, e pelo elenco que reunia a jovem Laura Alves, Eugénio Salvador, Aida Batista, Teresa Gomes…   


E recorda-se, no cinema, a curiosíssima intervenção de um personagem mudo em “O Pai Tirano” de Lopes Ribeiro ou o D. João III do “Camões” de Leitão de Barros, ou ainda no “Frei Luís de Sousa” e em “O Primo Basílio” de António Lopes Ribeiro, esta em 1959.


Mas vejamos agora o Teatro Maria Matos. Inaugurado em 1969, Teatro Municipal, segundo projeto dos arquitetos Aníbal Barros da Fonseca e Adriano Simões Tiago, integrando um cinema e um hotel, estreou-se com o “Tombo no Inferno” de Aquilino Ribeiro. Viria depois a funcionar, dirigido por Artur Ramos, como uma espécie de desdobramento de companhias ligadas à RTP.


Em 1974, designadamente, encenou-se lá a ultima peça de Bernardo Santareno “Português, Escritor, 45 Anos de Idade”, a que se seguiu uma série de textos dramáticos de autores portugueses, que antes não seria possível encenar: por exemplo “Legenda do Cidadão Miguel Lino” de Miguel Franco, “O Encoberto” de Natália Correia, e adaptações de Eça (“A Relíquia”) ou de Manuel da Fonseca (“Seara de Vento”).


Maria Matos (1890-1952) merece bem a evocação. Foi atriz desde 1907 e a partir de 1913 fundou com o ator Mendonça de Carvalho, seu marido, uma companhia que na época marcou uma renovação de qualidade no teatro português. Foi professora do Conservatório desde 1940, nas cadeiras de Arte de Dizer e de Estética Teatral – e como tal antecessora de Gino Saviotti, o qual, nessa qualidade, foi já aqui foi evocado. Fez cinema, mas sobretudo, repita-se, marcou gerações de artistas e espetadores, ao longo de uma longa e qualificada carreira teatral.


E foi também dramaturga acidental, com três comédias: “Direitos do Coração”, “A Tia Engrácia” 81936) e “Escola de Mulheres” (1937).

  
Foto do arquivo de Osório Mateus

Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 18.02.15 neste blogue.