Expressões de tradição e modernidade em Coimbra
A tradição urbana, universitária e cultural de Coimbra abrange a arquitetura de espetáculo e prolonga-se até hoje com expressões de grande valia e modernidade: designadamente mas não só em dois edifícios monumentais e atuais, no sentido mais abrangente de ambos os termos, e isto, sem embargo de um deles ter origem, ainda bem expressa, no século XVI – e referimo-nos, aí, ao antigo Colégio das Artes, onde se iria instalar nada menos do que o Tribunal da Inquisição… mas hoje vemos lá instalado o Centro de Artes Visuais, que enquadrou a companhia teatral denominada “A Escola da Noite”.
E muito próximo, em edifício inaugurado em 2006, temos o Teatro da Cerca de São Bernardo - TCSB. Refira-se aliás desde já que A Escola da Noite atuou nos dois edifícios, fixando-se no TCSB desde 2008.
Recorde-se entretanto que a tradição teatral de Coimbra é registada pelo menos desde o século XVI, com referências a espetáculos e textos alusivos, por exemplo no breviário do Mosteiro de Santa Cruz ou na chamada “Divisa da Cidade de Coimbra” de Gil Vicente (1527), para culminar na “Castro” de António Ferreira (cerca de 1560).
Em 1893 é, entretanto, inaugurado um Teatro Circo Príncipe Real depois chamado Teatro República e depois ainda Teatro Avenida, com camarotes, frisas e balcão, como era próprio da época, e que foi demolido em 1990 para ser substituído por um supermercado… E em 1961, por iniciativa da Universidade, é inaugurado o Teatro Académico Gil Vicente, projeto do arquiteto Alberto José Pessoa, com frescos de João Abel Manta.
Vejamos então o Teatro da Cerca de São Bernardo. Trata-se de um projeto do Arquiteto Paulo Ramos: a inovação não colide com a tradição arquitetónica que subsiste próxima aliás tal como ocorre no Centro de Artes Visuais. Isto, insista-se, não obstante a modernidade do edifício do Teatro, marcado por uma fachada quadrangular amarela, sobreposta em cor contratante com o enquadramento retangular.
O interior comporta duas salas de espetáculo unidas para efeitos de circulação por uma série de pequenos “viadutos”. O projeto do edifício é dominado por um paralelepípedo ligado em arco, e integra-se harmoniosamente na área urbana, beneficiando aliás (e vice-versa…) com a proximidade do Centro de Artes Visuais.
E referimos então essa proximidade com o Centro de Artes Visuais, independentemente da expressão arquitetónica epocal e da tradição funcional do edifício, que domina também a zona urbana e reforça a sua tradição histórica e artística, pelo menos desde 1548 quando por ali também funcionou, como já vimos, o Colégio das Artes.
O contraste arquitetónico, estilístico, funcional destes dois monumentos teatrais, chamemos-lhes assim, marca bem a adequação e a intemporalidade, no que refere também a atividade do espetáculo.
Pois, tal como escreveu Guilherme d’Oliveira Martins, no Prefácio de um nosso estudo:
“Os Teatros são lugares da vida. Foram-no desde sempre. E se o teatro como arte e atividade humana permite, desde a antiguidade, um melhor conhecimento da pessoa humana (ou não fosse a palavra pessoa derivada do grego prosopon, que significa personagem dramática no sentido de máscara teatral) a verdade é que estamos perante um domínio em que a memória e o património, a história e a cultura, o ser e a representação, a liberdade e a necessidade se ligam intimamente. Estes lugares de vida permitem, desse modo, compreender melhor a essência do património cultural e da sua importância fundamental”. (in “Teatros em Portugal - Espaços e Arquitetura”, Ed. Mediatexto e Centro Nacional de Cultura, 2004).
DUARTE IVO CRUZ
BIBLIOGRAFIA BASICA SELECIONADA
"Habitar Portugal - 2003/2005" - ed. Ordem dos Arquitetos - 2006
Revista "Monumentos" ed. DGEM Setembro 2006
A.C. Borges de Figueiredo - "Coimbra Antiga e Moderna" ed. Almedina - 2006
Duarte Ivo Cruz - "Teatros em Portugal - Espaços e Arquitetura" Prefácio de Guilherme d'Oliveira Martins - ed. Mediatexto e Centro Nacional de Cultura, 2008