Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
O pequeno Teatro Luís de Camões, na Calçada da Ajuda em Lisboa, datado de finais do século XIX e em fase de recuperação, constitui exemplo de certo modo percursor dos chamados Teatros de Bolso que hoje marcam numerosas cidades e vilas por esse país: e é interessante desde já referir o caráter, insista-se, percursor desta iniciativa, que, curiosamente, se ficou a dever a um comerciante local, João Açucar de nome.
A inauguração oficial do Teatro Luís de Camões ocorre em 10 de junho de 1880, no quadro das comemorações do tricentenário da morte do poeta. A peça foi “Camões e o Jau” de Casimiro de Abreu. Em qualquer caso, insistimos, surge percursor, dos pequenos teatros (e hoje até cineteatros) que existem um pouco por todo o país. Só que este, particularmente pela reduzida dimensão e lotação, é percursor de o que chamamos hoje, bem ou mal, Teatros de Bolso, não obstante constituir um edifício autónomo.
José Augusto França, ao historiar a construção do palácio da Ajuda, esclarece que “nenhuma igreja (só uma capela), nenhum grande teatro estava previsto no plano: o complexo arquitetónico tradicional cedia lugar a uma definição mais civil ou mais cívica, e portanto mais moderna, de residência régia” (cfr. “Arte em Portugal no Século XIX, vol. I Bertrand ed. pág.95 e segs.)
E no entanto, o Teatro Luís de Camões da Ajuda marcou, ao longo destes 137 anos, com os altos e baixos inerentes, uma certa “política” cultural na época fortemente descentralizada, até no ponto de vista administrativo. Belém era na época concelho. E não obstante a relevância óbvia que decorria inclusive da proximidade do Palácio, a construção e exploração de um pequeno Teatro aberto ao público assumiu um significado específico, sendo certo entretanto que o Teatro do Palácio da Ajuda ou Casa da Ópera de Belém foi inaugurado em 4 de novembro de 1737 segundo projeto de Bibiena, que seria autor também do Teatro da Ópera do Tejo, este destruído pelo terramoto de 1755.
Muito diferente é desde a origem o Teatro Luís de Camões. A sala reproduzia, na sua dimensão de pequeno teatro, sobretudo pequeno para a época, a estrutura sócio-económica de exploração de espetáculo da época de fundação: plateia, frisas, camarotes, tribuna, num dimensionamento adequado à dimensão percursora, insista-se, de um teatro de bolso, nesse aspeto também percursor.
Em 1899, o Teatro Luís de Camões passa a servir de sede ao Belém Clube. E entretanto, ao longo destes mais de 100 anos, o historial do Teatro assinala uma tradição de iniciativas culturais e de intervenções artísticas dignas de registo histórico.
Lá se estreou e lá se despediu do público Adelina Abranches. Lá atuaram nomes históricos do teatro luso/brasileiro, como Rafael Alves, João Villaret. Auzenda de Oliveira, Sales Ribeiro, Mirita Casimiro, Procópio Ferreira, Bibi Ferreira…
E lá se estreou o grande cantor e encenador de ópera Tomás Alcaide, evocado, entre outros numa placa inaugurada em 1953.
Deve-se a Raul Solnado a construção e direção artística do primeiro chamado teatro de bolso do país, Teatro Villaret de seu nome, homenagem ao grande ator João Villaret (1913-1961) que ao longo de dezenas de anos desenvolveu uma longa e prestigiosa carreira de ator e encenador.
Mas, mais do que a homenagem em si, importa enfatizar a iniciativa: nos anos 60, investir num teatro que não fosse (ao menos!) cineteatro, constituía um atrevimento no ponto de vista socio-económico e até, de certo modo, no ponto de vista artístico e da própria exploração teatral, ainda extremamente condicionada na época. Não se põe em dúvida, note-se bem, o prestígio e a recetividade de Solnado.
Mas o teatro e os Teatros, na época, ainda envolviam um certo distanciamento junto do grande público, para quem a “ida ao teatro” representava não só uma abordagem do espetáculo em si, como uma expressão social. E sendo assim, a constituição, em 1963, de uma sociedade precisamente e rigorosamente denominada TEBO – Teatros de Bolso, e a sua concretização num espaço construído e vocacionado para garagem na cave de um prédio no centro de Lisboa, representa na época um ato de lúcida coragem artística e económica, digamos assim e dizemos bem…
A verdade é que, a partir dessa iniciativa, construíram-se ou adaptaram-se espaços para cinemas e teatros, incrustados nas caves de numerosos edifícios um pouco por todo o país.
O Teatro Villaret constitui assim um percursor/renovador da atividade de espetáculos em Portugal. O teatro e mesmo o cinema, na época exigiam uma tradição de larga escala, de forma a permitir, inclusive, uma exploração diferenciada no ponto de vista socio-económico. Basta lembrar a estrutura dos edifícios, inclusive os que não vinham da transição do século - mesmo os construídos já para o cinema: integrados no centro das cidades, estruturados com áreas bem distintas de acesso interno e espetáculo: plateia, 1º balcão, 2º balcão – e isto, insiste-se, mesmo nos que foram já projetados e construídos como cinema. Porque, se formos veros edifícios mais antigos - e citamos entre numerosos exemplos, o São Luis, o Politeama, o Eden, o Odeon – ainda encontrávamos estruturas das salas respetivas com camarotes e mesmo frisas. E sendo assim – e assim era ainda nos anos 50/60! – a adaptação de um espaço “de garagem” a teatro, constituiu, insista-se, um percurso de relevante inovação arquitetónica e cultural.
Recorde-se que o Cinema São Jorge, inaugurado em 1950 mas projetado pelo menos desde 1946,/1947 segundo projeto de Fernando Silva e inaugurado em 1950, tinha quatro zonas de publico e de acesso – plateia, balcão de luxo, balcão central e balcão superior - devidamente estruturadas e exploradas, mesmo que ligadas entre si. E Não obstante, tal como refere Margarida Acciaiuoli, “com o cinema São Jorge a natureza das funções do recinto especifica-se e a sua estrutura é moldada pelas exigências do espetáculo e pela notoriedade da artéria onde se erigia.” (cfr. Margarida Acciuoli “Os Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano do Século XX” Bizâncio ed. 2002 pag.182). E havemos de ver que também se fez teatro no Cinema Império, este inaugurado em 1952.
Em qualquer caso, até pela sua implementação nas caves de um prédio, o Teatro Villaret foi um percursor de novas formas de espetáculo/publico, pela estrutura da sala, que aqui nos ocupa, mas também pela qualidade e inovação do programa desenvolvido por Raul Solnado, em peças que alternavam a comédia com expressões dramáticas muito diversas. O projeto arquitetónico é de Trindade Chagas, a decoração de Daciano Costa, e refere-se também um estudo económico de Carlos Faustino.
Estreou com “O Impostor Geral”, grande espetáculo musicado por Jorge Costa Pinto a partir do “Impostor Geral”, clássico do Nicolau Gogol. Para alem da inovação estrutural – teatro “concentrado” numa plateia, no rés do chão de um edifício - o Villaret marcou desde início pela pela qualidade dos espetáculos e pela modernidade dos repertórios.
Leonor Xavier recorda essa programação original: “Além das comédias e dos musicais a apresentar nas duas sessões da noite pela companhia titular dirigida por Raul Solnado, terá peças de teatro declamado feitas por outra companhia dirigida por Jacinto Ramos, às seis e meia da tarde nos dias de semana. Esta companhia de Teatro do Nosso Tempo, a estrear também em janeiro, criou expectativa designadamente pelo regresso da atriz Maria Barroso, depois de dezasseis anos de ausência do palco”. (cfr. Leonor Xavier - “Raul Solnado – A Vida não se Perdeu” ed. Difusão Cultural,1991 pag.116).
Foi realmente um “regresso” inesperado e muito justamente aplaudido: e na mesma temporada, seria a notável estreia, em Portugal, da “Antígona” de Jean Anouilh.
E em boa hora, o Teatro Villaret continua em plena atividade!