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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

O TEATRO DE SÃO CARLOS EM 1875 VISTO POR JÚLIO CÉSAR MACHADO

 

Há anos, referimos um livro publicado em 1875, programaticamente intitulado “Os Theatros de Lisboa”. É seu autor Júlio César Machado, figura marcante na época e de certo modo ainda hoje. E, como então escrevemos, a edição é valorizada por cerca de 250 ilustrações de Rafael Bordalo Pinheiro. Fica tudo dito quanto à relevância cultural e editorial.

O livro concentra-se na evocação histórica mas sobretudo da época em foi escrito, aí como na flagrante atualidade e na abrangência cultural e documental, não obstante a seletividade das salas e dos artistas referidos. E isto porque Júlio César Machado concentra a sua evocação no Teatro de São Carlos, no Teatro de D. Maria II e no Teatro da Trindade.

São ainda hoje como bem sabemos, grandes referenciais da arquitetura e da arte do espetáculo em Lisboa e no país inteiro: mas obviamente não eram os únicos “teatros de Lisboa”, longe disso. Efetivamente, pela mesma época e mais ano menos ano, funcionavam outros teatros. Citamos não exaustivamente o Teatro Taborda, o Teatro da Rua dos Condes, Salão do Conservatório, o Teatro D. Augusto, o Teatro do Ginásio, o Teatro-Recreio Wittone, o Teatro Avenida, o Teatro das Laranjeiras e mais salas de maior ou menor relevância e durabilidade.

Mas muito embora: os três Teatros referidos no livro de Júlio César Machado eram na época os mais relevantes.

E como já escrevemos, acresce que as 250 ilustrações de Rafael Bordalo Pinheiro, que consagra na capa a grafia da época (Raphael) obviamente valorizam e de que maneira a edição. E isto porque as ilustrações são extremamente variadas, constituindo no seu conjunto uma ampla documentação do próprio teatro e dos teatros em geral.

Com efeito, no conjunto da escrita e das gravuras, o livro mostra-nos o que era o Teatro em Lisboa na sua perspetiva global e abrangente, mas com um distanciamento irónico. Vemos lá cenas de peças, mas também inúmeras evocações do público dos autores, dos atores.

E tudo com um distanciamento descritivo e gráfico e uma visão irónica da vida teatral da época, mas sem de modo algum menosprezar, em crítica direta ou implícita, as virtudes e as lacunas, as qualidades e os defeitos, do meio teatral, cultural, profissional e mesmo social da vida de Lisboa, representada e concentrada nos três principais Teatros.

No que respeita aos Teatros, tem-se em vista sobretudo as programações, mas também, um sentido crítico da função cultural respetiva.

Veremos agora as referências ao Teatro de São Carlos. E não haverá exemplo mais flagrante do que a primeira frase do livro, que abre a longa análise crítica ao Teatro, ao público aos artistas do São Carlos.

Diz com efeito, logo no início, Júlio César Machado:

“Serve só de inverno, como os capotes. E em se espalhando por todos os lados a melancolia do inverno aí abre ele! (…) soberbo, magnífico, e ao mesmo tempo sem cerimónia (…)

 É o teatro da corte mas pode, quem quiser, ir vestido para ali como para o quintal.

 Bom edifício.

Sala magnífica.

Artistas que têm, entre outras, uma prenda muito agradável para quem não é empresário, serem caríssimos.

Nos camarotes, na plateia, tudo gente conhecida”…

E segue-se uma descrição detalhada e irónica da atividade operística do Teatro de São Carlos, ilustrada com cerca de 45 gravuras de cenas, de público e de artistas, de elementos de apoio, desde maestros e compositores, cantores, mas também filas de espetadores, entusiasmados ou nitidamente aborrecidos…!

Reconheça-se que entretanto muito mudou: mas não tanto como seria desejável!

E voltaremos ao assunto.

DUARTE IVO CRUZ 

UM LIVRO RECENTE SOBRE ÓPERA E TEATROS DE ÓPERA

 

Recentemente chega-nos um estudo de Antero Palma-Carlos, intitulado “Os Médicos, a Ópera e a História” que precisamente evoca e descreve o relacionamento temático, literário e musical da ciência e da atividade médica e clínica com a criação e o espetáculo de ópera: livro e tema de facto abrangente e em tantos aspetos original, num meio de certo modo restrito como é o meio operístico, em Portugal.

 

E no entanto, desde logo se refira a formação e atividade médica do autor, mas também do prefaciador Álvaro Malta, ele também médico e com uma notável carreira nacional e internacional de cantor, sobretudo mas não só de ópera, como ao longo de anos tivemos ocasião de acompanhar.

 

Mas o autor e o prefaciador não são os únicos profissionais ou estudantes de medicina ligados à ópera e ao canto clássico/operístico em Portugal. Entre outros, o livro cita Mário Moreau, historiador e diretor do Teatro de São Carlos, Machado Macedo, Presidente da Fundação São Carlos, Maurício Bensaúde, Tomás Alcaide, Kátia Guerreiro e ainda Matos Ferreira, Aires Gonçalves, Silva Santos e ainda outros mais.

 

Recordo em particular e a título pessoal Tomaz Alcaide, pois durante anos tive ocasião de assistir, no Teatro da Trindade, aos ensaios e espetáculos da Companhia Portuguesa de Ópera, onde Alcaide desempenhou, com qualidade e brilho inesquecíveis, funções de diretor e encenador. Os ensaios eram efetivamente verdadeiras lições de arte musical e cénica, num testemunho vivo, direto e pedagógico da carreira ímpar de Tomaz Alcaide como cantor, durante décadas em toda a Europa.

 

Na perspetiva de análise histórica, o livro de Antero Palma-Carlos  contém referências desenvolvidas e evocações selecionadas de óperas, portuguesas ou não, relacionadas com temários, situações e personagens ligados à  história de Portugal ou à sociedade portuguesa: “D. Branca” de Alfredo Keil, “Vasco da Gama - L Africaine” de Meyerber, “Jessonda” de Spohr, “Il Guarany” de António Carlos Gomes, “D. Sebastien Roi du Portugal” de Donizetti, “LHotellerie Portugaise”  de Cherubini, “Blimunda” de Corghi, “Les Diamands de la Courone” de Auber.

 

Mas acrescenta mais uma larga dezena de títulos de obras de compositores portugueses e estrangeiros também apresentadas no Teatro de São Carlos e no Coliseu dos Recreios, de temário português, independentemente da nacionalidade do compositor. E essas, curiosamente, tanto englobam óperas como cantatas e composições diversas de música e cena, cobrindo os séculos de História e a variedade imensa de compositores e escritores, desde os citados mas também por exemplo escritores e compositores como Rui Coelho, Azio Corghi e José Saramago, Alfredo Keil, Marcos Portugal, Afonso Lopes Vieira, João Arroio, Auber, Barahona Fragoso e tantos mais!...

 

Antero Palma-Carlos remete para uma bibliografia abrangente, com destaque, no que se refere ao Teatro de São Carlos e ao Coliseu, para pesquisas de Mário Moreau. Faremos pois, em crónicas futuras, referência a estudos de Moreau e de outros autores que deste assunto se ocuparam.

DUARTE IVO CRUZ

VISITA DO CNC A DOIS TEATROS DO CHIADO

 

O TEATRO DE SÃO CARLOS E O TEATRO DA TRINDADE

 

Tive o gosto de colaborar nas visitas que, em dias sucessivos, o Centro Nacional de Cultura organizou aos dois Teatros históricos do Chiado: o Teatro Nacional de São Carlos e o Teatro da Trindade.

 

Sabemos bem que nesta zona da cidade, onde aliás se situa o CNC, existe e em parte subsiste uma óbvia tradição de salas de espetáculo, designadamente os dois agora (re)visitados: e é desde já de realçar que um deles, o São Carlos, vem do século XVIII, e o outro, o Trindade, vem do século XIX.

 

E nesta perspetiva epocal poderemos aqui lembrar, como aliás fizemos durante a visita, outras grandes salas de espetáculo que ainda marcam, ou marcaram ao longo do seculo passado, esta zona da cidade. Foram várias: mas, para alem das citadas e visitadas, resta apenas, em plena atividade, o São Luis, a que haveremos de voltar. Infelizmente desapareceu o Cinema e Teatro Ginásio, que pelo menos, em boa hora, mantem a fachada: e também, noutro plano, desapareceu o Chiado Terrasse, onde ocasionalmente se fez teatro.

 

Quem desce o Chiado e sobe a Avenida da Liberdade, escontra o edifício, ou pelo menos a memória de salas de espetáculo de grande tradição, algumas ainda hoje de qualidade arquitetónica. Desde logo o Teatro de D. Maria II, seguindo-se na proximidade o Coliseu, o Teatro e Cinema Politeama, o desaparecido Odeon e os sucessivos Teatro(s) e Cinema(s) Condes: e também o edifício e a memória do Eden Teatro e Cinema.

 

Para baixo, ficariam os bem antigos Animatógrafo do Rossio e Olimpia, e mais para cima o Tivoli, o São Jorge e o conjunto em parte recuperado dos velhos Teatros do Parque Mayer, a que voltaremos: Capitólio, Variedades, Maria Vitória, ABC, esse desaparecido. E em zonas urbanas mais recentes, o Teatro Villaret e o Cinema e Teatro Monumental e alguns cinemas em áreas adjacentes.

 

Mas fixemo-nos então na visita que o CNC organizou nos passados dias 20 e 21 de maio ao Teatro de São Carlos e ao Teatro da Trindade.

 

Quanto ao Trindade, muito recentemente aqui o temos evocado. Destacou-se entretanto a visita detalhada ao palco e camarins, zonas menos conhecidas e que proporcionam, além de tudo, uma visão menos habitual da sala, quando olhada a partir do palco.

 

E quanto ao São Carlos? Desde logo há que referir a notável qualidade, até porque excecional mesmo em temos europeus: e dizemos “europeus” porque não faltam casos e memória de teatros da época que arderam ou, alguns até, que foram demolidos por essa Europa fora.

 

Ora o São Carlos é inaugurado em 30 de junho de 1793 com a ópera “La Ballerina Amante” de Domenico Cimarosa. Trata-se de um exemplo curioso de intervenção privada, com o distanciamento que a época impõe. Na verdade, o Teatro foi iniciativa de Joaquim Pedro Quintela, Barão de Quintela e pai do Conde de Farrobo, este por sua vez ligado à exploração do então chamado Teatro da Rua dos Condes e também à construção do D. Maria II.

 

A sua elegante traça terá sido, ao que parece, inspirada no antigo Teatro Real São Carlos de Nápoles, destruído por incêndio (como habitualmente) em 13 de fevereiro de 1816. Familiar dos teatros italianos, José da Costa e Silva não copiou, como correntemente se diz, o São Carlos de Nápoles... Nesse tempo, todos os teatros se construíam de forma semelhante. (in "O Teatro Nacional de São Carlos" de Manuel Ivo Cruz, Edições Lello & Irmão, 1992, pág. 15-16)

 

Muito há a dizer sobre o Teatro de São Carlos. Mas por agora refira-se que o Teatro beneficiou de sucessivas alterações estruturais, desde logo aliás em 1796, três anos após a inauguração, com a construção do chamado salão nobre. Em 1897, procedeu-se a uma extensão da plateia.

 

No capítulo XIII de “O Primo Basílio” Eça refere figuras desenhadas do o charuto nas paredes à entrada da plateia. Em 1921 estreou-se lá a “Zilda” de Alfredo Cortez e em 1922 o “Mar Alto” de António Ferro. E podíamos multiplicar as evocações no teatro declamado mas sobretudo na ópera: recordo como mero exemplo o que foi a estreia em Portugal de Maria Calas!

 

O Teatro foi recuperado nos anos 40. E até hoje, é um dos mais belos teatros a nível europeu. A ele voltaremos.

 

 

DUARTE IVO CRUZ