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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

O TEATRO DO ABSURDO EM PORTUGAL

 

Nesta conjuntura torna-se coerente a evocação de situações de criação ou de representação artística, e designadamente cénica, em épocas passadas. Aqui temos pois evocado sucessivas criações de espetáculo e simultaneamente sucessivas evocações de espaços/edifícios, históricos ou não, onde os mesmos espetáculos se concretizam: isto, tendo em vista que teatro é texto, sem dúvida, mas é texto/espetáculo ou espetáculo/texto.


E nessa medida, faz-se agora uma breve mas significativa evocação do chamado teatro do absurdo, tal como foi criado ou adaptado em Portugal e aqui representado: e isto porque a expressão, mais ou menos hoje consagrada, constituiu nos anos 50 do século passado uma característica esparsa mas relevante em si mesma da dramaturgia e do espetáculo em Portugal. E a ele voltaremos.


Neste momento, entretanto, apraz recordar o dramaturgo Carlos Montanha, no centenário do seu nascimento, ocorrido pois em 1921. Virá a falecer em 1972, marcando entretanto uma relevante modernização da criação dramática em Portugal, num conjunto de obras hoje na verdade esquecidas ou quase.


E é justo fazer aqui referência a um estudo de uma autora também esquecida, Sebastiana Fadda, que em 1998 publica um livro referencial, intitulado “O Teatro do Absurdo em Portugal”, o qual já temos citado e que aborda, precisamente o que na época representava um movimente de inovação feito entre nós por autores que hoje estão em parte esquecidos…


E nesse aspeto, aqui recordamos que ao Teatro Estúdio do Salitre se deveu a estreia em público da peça escrita por dois irmãos, Carlos Montanha e Pedro Bom intitulado “Um Banco ao Ar Livre”. Ora, recorde-se que Carlos Montanha (1921-1972) nasceu pois há exatamente 100 anos e como tal merece pelo menos uma referência histórica…


Recorde-se pois que Carlos Montanha é autor de peças de que se destacam “Fábula do Ouro” e “Para Lá da Máscara”, ambas de 1948 sendo esta, precisamente, o último espetáculo do Teatro Estúdio do Salitre. Podemos lembrar aliás que importa destacar por um lado a sua criatividade como dramaturgo, mas por outro lado a relevância que o Teatro Estúdio do Salitre alcançou numa época de pouca recetividade a este teor de criação de espetáculos então “experimentais” – mas não, note-se quando na criação de outros textos dramáticos representados! Aliás podemos lembrar que desde 1782 existiu em Lisboa um chamado Teatro do Salitre que desaparece com a obra de abertura da Avenida da Liberdade. 


E é ainda de assinalar que Pedro Bom manteve colaboração expressa e implícita com as iniciativas e criações teatrais, designadamente no Grupo de Teatro Experimental que viria a consagrar a estreia como dramaturgo de Tomás Ribas (1918-1999) o qual, como bem sabemos, viria a desenvolver uma carreira interessante nas artes ligadas ao espetáculo, como veremos.

 

DUARTE IVO CRUZ

MEMÓRIA DO TEATRO DO SALITRE

 

O programa de visitas organizado pelo Centro Nacional de Cultura no eixo da Avenida da Liberdade justifica esta evocação do setecentista Teatro do Salitre, a certa altura (1858) também chamado Teatro das Variedades, o que desde logo define o seu âmbito de programação, mas também documenta a antecipação urbana e cultural que a sua construção e atividade representa relativamente ao eixo central urbano da Avenida da Liberdade e ao próprio Parque Mayer.

 

É interessante e oportuno por isso referir que o Teatro do Salitre, inaugurado em 27 de novembro de 1782 e demolido em 1879, logo no início das obras de implantação da Avenida, representou durante um século como que a antevisão do que viria a ser, ali mesmo, o Parque Mayer: curiosa antevisão,  insista-se,  de funções urbanas e culturais desta zona da cidade!

 

O Teatro do Salitre foi edificado por iniciativa de um negociante, de nome João Gomes Varela, que encomenda o projeto ao arquiteto Simão Caetano Nunes. Varela terá sido pois o primeiro empresário, diríamos hoje, do Parque Mayer. E para o espetáculo de estreia, é também contratado um equilibrista na altura muito prestigiado, Tersi de seu nome.

 

Mas quem mais marcou o Teatro do Salitre como cena referencial foi o ator António José de Paula que a partir de 1794 explorou o Teatro com um repertório notável para a época: inclusive, estreou em Portugal duas peças adaptadas de textos de Voltaire. E anos mais tarde, lá se instalaria uma companhia dirigida por Emile Doux, nome referencial no seu tempo e de certo modo ainda hoje.

 

Mas em 1840 o Teatro do Salitre estava em fase de decadência. Teófilo Braga, no seu estudo intitulado “Garrett e os Drama Românticos” (1905) transcreve um artigo onde se traça uma visão muito negativa do Teatro nessa época:

 

“O Teatro do Salitre era o único regular de Lisboa, e este mesmo, que mais se assemelhava a uma baiuca do que a um lugar de recreio público, só era frequentado pela classe ínfima da sociedade: ali, as graças mais obscenas eram unicamente aplaudidas, os ditos mais desonestos eram os que melhor soavam aquela plateia”…!

 

E mais adiante, na mesma obra, mas reportado a 1806: “o Teatro da Salitre tornou-se um asilo para os literatos pobres, assalariados para trucidarem a arte e a língua com traduções de dramas franceses”… (pág. 135).

 

A crise vinha pois de trás. E nesse sentido, Ana Isabel de Vasconcelos assinala agora   que “o Teatro do Salitre tem desde sempre sido referido como um parente pobre da arte dramática. (…) Já no fim do século XVIII, quando não havia atores em número suficiente, este teatro é preterido relativamente ao Condes, que se apropria da designação de teatro nacional”.  Mais refere ainda que “o Salitre tinha uma boa lotação – 900 espetadores em plateia, frisas e camarotes” (in “O Teatro em Lisboa no Tempo de Almeida Garrett” ed. MNT  2003 págs 30-31).

 

E é interessante recordar que quando Garrett, em 1836, elabora a sua reforma estrutural do teatro português, as duas salas dominantes de Lisboa – e do país inteiro,  em rigor -  eram precisamente o Teatro do Salitre e o Teatro da Rua dos Condes, sem referir, claro, o Real Teatro de São Carlos, esse inaugurado em 30 de junho de 1793 e vocacionado, como bem sabemos, para a música, para a ópera.

 

O teatro de D. Maria II seria inaugurado em 13 de abril de 1846. Pode referir-se também o pequeno Teatro das Laranjeiras, do Conde de Farrobo, inaugurado em 1825 e restaurado em 1842. O Teatro do Gymnasio data do mesmo ano de 1846. O Teatro da Trindade é de 1867, o Teatro Gil Vicente de Cascais de 1869, o Teatro Taborda de 1870... 

 

Mas recorde-se então que o Teatro São João do Porto é inaugurado em 13 de maio de 1798, e antes dele existiram Teatros em Lisboa, no Porto e um pouco por todo o país: de muitos deles temos falado aqui, e  desses e de outros voltaremos aqui a falar.

 

DUARTE IVO CRUZ