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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (X)
EVOCAÇÃO DO CINQUENTENÁRIO DO TEATRO MODERNO DE LISBOA
por Duarte Ivo Cruz


O Teatro Moderno de Lisboa representou uma inovação da atividade teatral no ponto de vista simultâneo de repertório, de elenco, mas também de organização dos espetáculos, de espaço e de acesso a um público de certo modo específico e menos habitual na época e na cidade. Tratou-se com efeito de uma experiência de espetáculos em horário menos habitual, para não dizer inovador entre nós, num espaço difícil para a produção teatral – nada menos do que o então Cinema Império - a partir de um repertório algo exigente e difícil – mas sobretudo assente num grupo de atores verdadeiramente excecional da época.


A aventura, por que de uma aventura se tratou, durou ainda assim cerca de cinco anos, de 1960 a 1965: e precisamente, foi em 1965, que a companhia cessou atividades, e com uma estreia essa então muito difícil para a época – “O Render dos Heróis” de José Cardoso Pires.


E bem se entende a dificuldade. Em primeiro lugar, no que se refere ao texto em si mesmo. A peça data de 1960 e constitui, de certo modo com o “Felizmente Há Luar” de Luis de Sttau Monteiro, esta de 1961, como que uma espécie de “introdução” do teatro épico-narrativo de raiz e temática histórica na dramaturgia portuguesa. Com talvez maior “exigência” para a peça de Cardoso Pires, pois representa, ainda hoje, uma difícil conciliação da raiz histórica do temário com uma imensa complexidade e modernidade de espetáculo – e tudo isto numa transposição teatralmente muito feliz.


Espetáculo, sublinhe-se agora, extremamente complexo. Trata-se em primeiro lugar de uma “narrativa dramática em três partes, um epílogo e uma apoteose grotesca” das guerras entre absolutistas e liberais, num envolvimento histórico e político necessariamente muito vasto. E essa complexidade conduz direta e necessariamente a uma abordagem espetacularmente difícil. Basta ter presente que o elenco envolve nada menos do que 27 personagens, para além de figurantes que se possa e queira acrescentar.


Tudo isto numa ação extremamente exigente na perspetiva épico-narrativa: as cenas sucedem-se e alternam num encadeado de conflitos, personagens, situações.


E tudo isto num envolvimento de espetáculo e de interpretação ele próprio, repita-se, também muito exigente, sobretudo a partir da complexidade história e psicológica. Nesse aspeto, a técnica épico-narrativa é extremamente feliz e adequada ao fresco histórico mas também ao envolvimento político, esse então claramente moderno – e como tal, repita-se, muito complexo para a época em que o espetáculo foi encenado…


Ora, é interessante perceber, no contexto do espetáculo, a conciliação do sentido teatral com a técnica do romance, nos textos de ligação, nas falas do narrador e no pormenor e qualidade das notas de cena: uma relação muito feliz entre o teatro e o descritivo de situações, que alternam e constituem um dos grandes fatores essenciais do teatro épico-narrativo.


Passados estes 50 anos, o espetáculo tal como o recordamos, não teria perdido atualidade, por o texto obviamente a não perdeu!


Recorde-se finalmente que a encenação foi de Fernando Gusmão e entre o numeroso elenco destacaram-se Rui de Carvalho, Carmen Dolores, Rui Mendes, Morais e Castro, Fernanda Alves, Fernando Gusmão e tantos mais.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 11.02.15 neste blogue.

NOVA REFERÊNCIA AO TEATRO MODERNO DE LISBOA

 

Em tempos fizemos referências ao antigo Teatro Moderno de Lisboa (TML) que, de 1961 a 1965, funcionou no então muito relevante Cinema Império.


Desde logo há a assinalar que o TML fazia sessões conciliatórias, em termos de horário, com o Império, que mantinha, como era próprio da época, as primeiras matinées às 15h30 e as sessões noturnas às 21h30.


Achava-se então que o TML teria espetáculos e público às 18h30 e aos domingos às 11h: convenhamos que era no mínimo insólito, mesmo para uma camada de público teatral que, na época, correspondia a um meio sócio-cultural muito menor do que hoje, e com hábitos de espetáculo muito mais rotineiros do que hoje!...


E acresce que em tempos  já escrevemos, o TML  em 1963 obteve uma apoio específico da Fundação Calouste Gulbenkian, o que não prejudica em nada o mérito da iniciativa do grupo de artistas que o fundaram e conduziram: e nesse grupo se destacaram os grandes nomes de teatro como Carmen Dolores, Armando Cortez, Rogério Paulo ou Fernando Gusmão. Constituíam uma sociedade artística e conduziram, numa época difícil, o TMN com a qualidade que as respetivas carreiras amplamente exigiam e justificavam.


Tratou-se de uma forma inovadora, corajosa e insólita na época e de certo modo ainda hoje de produção cultural. E como então escrevemos, o mais relevante foi a qualidade dos espetáculos e algo inesperadamente o apoio que recebeu do público, principal sustento da atividade artística e de exploração do espetáculo e da criação teatral.


Sendo certo que o Cinema (então Cineteatro) Império sempre marcou pela qualidade dos programas: mas mesmo assim, fazer teatro todos os dias às 18-30h e aos domingos às 11h, se hoje não é fácil, na época era dificílimo!...


Ora bem: a peça de estreia do TML, “O Tinteiro” de Carlos Muñiz foi um sucesso e a peça merece-o pela qualidade do texto e, no caso, pela excelência da encenação/interpretação.


Na altura, assinalamos que Alfonso Sastre realça no texto “um certo expressionismo que significa uma correção crítica com relação ao expressionismo propriamente dito” (in “História del Teatro Español” ed.2003).


E estavam programadas peças de autores que cobriram com qualidade a história do teatro:  Shakespeare, Steinbeck, Fedeau, Strindberg, Adamov, Mihura, Luis Francisco Rebello, entre outros mais.


Porém, a peça de estreia foi retirada de cena pela censura teatral, que aliás a tinha aprovado! ...


E aí acabou o Teatro Moderno de Lisboa!

 

DUARTE IVO CRUZ