Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Em diversos artigos, e designadamente no anterior, evocamos Ventura Terra (1866-1919) como arquiteto de edifícios vocacionados para o espetáculo teatral. Nesta celebração do centenário da sua morte, é oportuno pois referir o Tetro Politeama, e por diversas e óbvias razões.
Desde logo, por se tratar de projeto arquitetónico de excecional qualidade, como aliás são todos os que Ventura Terra criou. Mas neste caso concreto, é um teatro que, em boa hora, se mantém em plena atividade, marcando desde a origem a vida cultural de espetáculo de Lisboa: é teatro, como tal foi concebido, mas durante décadas funcionou como cinema, e conciliou essas atividades alternadamente dominantes com toda a abordagem das expressões de cultura e de arte. Quantas vezes lá se realizaram concertos e outros espetáculos musicais!
Mas mais: inaugurado em 1912, este Teatro-Cinema Politeama, não obstante as alterações no interior, desde logo se impôs pela imponência da fachada e pela harmonia da sala de espetáculos Sendo certo que aí se registaram alterações: e aqui evocamos as frisas.
Mas no conjunto, a sala tal como hoje se encontra, permite a justíssima evocação da sua qualidade, notável desde a origem. E nesse aspeto, justifica-se a referência à decoração do teto e da própria sala, projetos de Veloso Salgado e de Benvindo Seia.
Vale a pena recordar alguns dados históricos do Politeama e a tradição cultural que trouxe até hoje. Basta enumerar os autores que lá foram representados, e os atores que os representaram: e reportamo-nos apenas e tão só a nomes que hoje constituem património “histórico”...
Pois, sem querer entrar em notícias mais recentes, aqui lembramos que pelo Teatro Politeama passaram, trabalharam e fora aplaudidos artistas como Amélia Rey Colaço, Ângela Pinto, Adelina Abranches, Aura Abranches, Palmira Bastos, Chaby Pinheiro, Vasco Santana, Laura Alves...
E foram representados textos de D. João da Câmara, Raul Brandão, Alfredo Cortez, Ramada Curto... e aqui só evocamos, propositadamente, nomes que são “históricos” no teatro português!
Já tivemos aqui ocasião de referir o Teatro Politeama, obra referencial do arquiteto Ventura Terra no que toca a edifícios de teatro. Importa agora, no âmbito das comemorações dos 150 anos do seu nascimento, recordar outros projetos e edifícios relacionados com o espetáculo teatral.
Realça-se então a própria estrutura e vocação arquitetónica em si, mesmo nos casos em que os projetos e edifícios de Ventura Terra foram, ou alterados (caso do Politeama) ou pura e simplesmente reaproveitados para outras atividades: e menos mal quando se matem a vocação cultural e patrimonial respetiva.
Veja-se então o Teatro Clube de Esposende. O projeto de Ventura Terra é de 1908, mas só decorridos alguns anos o teatro entrou em funcionamento. Vale a pena recordar que a esplendorosa fachada do Politeama data de 1912/13. E é interessante o cotejo entre os dois edifícios. Muito mais pequeno o de Esposende, ainda assim a fachada em arco de janelas, independentemente da dimensão indicia, nos arcos e varandas, uma expressão arquitetónica semelhante. Mas a função cultural - social de ambas as salas converge: e assumiu obvia maior representação urbana no Teatro Clube, pois é o único na cidade.
E importa ainda salientar a convergência estilística de ambas as fachadas, independentemente das dimensões de cada um dos edifícios e da função cultural que na origem desempenharam. Isto, sem querer obviamente comparar a relevância de cada uma das cidades… Mas é notável, isso sim, a iniciativa arquitetónica e, repita-se, cultural convergente: e grande diferença obviamente marcava o cotejo socioeconómico de Lisboa e de Esposende no início do século.
Tenha-se no entanto presente uma curiosa tradição de edifícios de espetáculo teatral na então vila piscatória de Esposende, anteriores portanto ao Teatro Clube de Ventura Terra. Com efeito, assinala-se a existência de um Teatro de Santo António, destruído por um incêndio em 1899.
E mais: segundo recorda Manuel Albino Penteado Neiva, há registo de atividades para-dramáticas na então vila piscatória de Esposende desde pelo menos o século XVIII (in “Esposende- Paginas de Memórias” – ed. CM Esposende - 1991). E por seu lado, Ivone Batista de Magalhães realça a decoração arte-nova da fachada, referindo em particular os balcões sobrepostos e as mísulas que suportam expressões de máscaras tradicionais na arte do teatro (in “Um Programa de Conservação Preventiva para o Museu Municipal de Esposende” – Universidade do Porto - 2002).
O Teatro Clube de Esposende teve um destino no mínimo insólito. No início dos anos 80 do século passado funcionava como armazém de uma empresa de têxteis e confeções: mas houve o mérito de conservar a fachada e os frisos de azulejos que Ventura Terra instalou no interior. Entretanto a Câmara Municipal adquiriu o edifício e instalou lá Museu Municipal, segundo projeto do arquiteto Bernardo Ferrão, garantindo assim a vocação cultural, e salvaguardando a traça exterior de Ventura Terra.
E esclareça-se ainda que a intervenção de Ventura Terra no património de salas de espetáculo não ficou por aqui. Para além do Politeama, há que registar a colaboração na recuperação do Teatro de São Carlos, como aliás também já vimos nesta série. E mais: participou nas Comissões que avaliaram os projetos do Teatro Circo de Braga e do Teatro São João do Porto.
E finalmente: é-lhe atribuída a recuperação do chamado Teatrinho do Palácio da Brejoeira, em Monção, imponente edifício contruído entre 1806 e 1834, segundo a traça de Carlos Amarante, e posteriormente restaurado e valorizado pela inclusão do Teatro.
Cito, a terminar, o que escrevi sobre este pequeno teatro, atribuído, repita-se, a trabalhos de Ventura Terra.
“O Teatrinho, algo como 50 lugares em suave declive, além de mostrar os interesses culturais do proprietário, revela ainda hoje, por conta de um restauro e conservação exemplares, uma harmonia e uma ambiência que se concilia com a funcionalidade do palco, não obstante as reduzidas dimensões. E acresce, a reprodução em telão da própria fachada do palácio” (in “Teatros em Portugal – Espaços e Arquitetura” ed. Mediatexto e Centro Nacional de Cultura – 2008).
Um comentário final de enquadramento histórico:
José Augusto França refere “uma invenção mais parisiense” no “ecletismo” da obra e do estilo de Ventura Terra (e de Norte Jr., que já referimos nesta série – cfr. José Augusto França – “O Modernismo na Arte Portuguesa” ed. ICLP). No contexto do que acima se descreveu, essa intervenção modernista marca e valoriza sobremaneira, até hoje, o estilo urbano de tantas e tantas cidades, como, neste caso, Esposende.