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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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BREVE EVOCAÇÃO DO CENTENÁRIO DE MÁRIO BRAGA

 

O teatro português tem o mérito de comportar, na sua relativa dispersão, valores literários e criacionais, esquecidos alguns deles, mas, em qualquer caso, relevantes na qualidade e na expressão e integração no conjunto histórico envolvente. O que constitui de certo modo um paradoxo. Pois o teatro português, independentemente da obvia qualidade, atualidade ou sobrevivência técnico-cultural respetiva, merece destaque na memorização de numerosos criadores dramatúrgicos hoje mais ou menos esquecidos… E esse, até certo ponto será o caso de Mário Braga, cujo centenário merece destaque e aqui se assinala. 


Mário Braga, nascido em 1921, portanto há um século e falecido em 2016, é hoje um autor de certo modo esquecido, o que em rigor a sua biografia e sobretudo a sua obra nem de longe justificam. Pelo contrário: e no entanto, insiste-se, está esquecido, pelo menos como dramaturgo!...


Pois a sua obra dramatúrgica merece um destaque que hoje não será o mais relevante, longe disso. E no entanto, desde 1949, ano que em produz a peça “O Pedido”, a sua obra literária comporta um conjunto de peças de teatro que, insiste-se, merecem o devido destaque, impendentemente dos conteúdos e técnicas de espetáculo envolvidas.


Para além de “O Pedido”, peça iniciática, Mário Braga escreveu mais duas peças de teatro, num conjunto muito vasto de produções literárias, que abrangem cerca de 29 livros de contos, ensaios, novelas, crónicas, romances e textos diversos, o que lhe conferiu na época e de certo modo, sempre pela qualidade e em muitos casos pela atualidade, uma projeção que se mantém.


Em 1965 escreve “A Ponte Sobre a Vida” e em 1966 escreve outra comédia intitulada “Café Amargo”.


Ora, tal como tivemos ensejo de desenvolver na “História do Teatro Português”, e citamos, “O Pedido” é uma comédia em ato único, passada numa sala de estar no final da guerra de 1939-1945, envolvendo uma filha de pai rico apaixonada. Mas acaba mal, quando se percebe, e cito o texto, “nem ao menos uma mesada” garantirá “o futuro de Raul, a sua obra… nesse sentido irá também, num quadro e num estilo diferente, a comédia intitulada “Café Amargo”.


E quanto a estas duas peças, citamos então o que escrevemos na “História do Teatro Português”.


Assim “O Pedido”, passada “numa sala de estar moderna” no ano do final da guerra, irónica e engraçada sem outras pretensões, numa cena, como dissemos, de filha de pai rico apaixonada por um poeta.


Em 1966 o autor escreveria outra comédia breve (“Café Amargo”).


Mas a peça mais significativa e mais próxima do Neo-Realismo é “A Ponte Sobre a Vida” (1964) adaptação do conto do autor “Corpo Ausente“. Num ambiente bem retratado da cidade de província da época, a morte de Luís, num desastre de automóvel, precipita o irmão, José Alberto, e a cunhada, Gabriela, numa amarga meditação precisamente sobre a morte, que Luís, romancista de sucesso, já vinha desenvolvendo. O comércio, a burocracia e o ritual das cerimónias fúnebres acentuam a profunda frustração existencial do romancista, que só sai dela para preencher a ação política, clandestina   e arriscada, que o acidente interrompe”… (“História do Teatro Português” págs.271/272).


E fazemos, a terminar, uma referência breve mas significativa de Luis Francisco Rebello no estudo intitulado “100 Anos do Teatro Português”. Aí cita Mário Braga evocando contos e novelas que se situam na órbita do neo-realismo e também cita as três peças (“O Pedido”, “Café Amargo” e “A Ponte Sobre a Vida”).


A referência é pois em si mesma relevante e acresce o prestígio que esta dramaturgia em si mesma merece!...

DUARTE IVO CRUZ 

AS PRÉ-ORIGENS DO TEATRO PORTUGUÊS


Fazemos hoje uma breve alusão a Henrique da Mota, autor de uma conjunto de textos para-dramáticos, que podem ser considerados como origem ou pré-origem histórica do teatro português, isto porque, em rigor e sublinhando que pouco se sabe da atividade de Henrique da Mota como dramaturgo, não haverá dúvidas no que respeita à pré-produção de obras que, no que toca ao teatro, são menos inovadoras e muito menos significativas do que as pecas de Gil Vicente, este tradicionalmente consagrado como o iniciador, digamos assim, da dramaturgia portuguesa... Na verdade, basta lermos a obra vicentina para confirmar a existência mais do que provada e consagrada de textos dramáticos e espetáculos anteriores. Mas não e este o tema que hoje nos ocupa…

No entanto, a própria consagração da qualidade da obra vicentina em si mesma justificaria esta consagração iniciática de Gil Vicente, o que não significa, insista-se, que não haja antecedentes históricos e/ou estéticos. Basta nesse sentido evocar a potencialidade cénica de textos e espetáculos que estão sobretudo devidamente documentados pelo menos desde finais do século XII.

Recorda-se uma vez mais, designadamente, a doação, em 1193, de D. Sancho I aos histriões Bonamis e Acompaniado, de terrenos em Canelas de Poiares do Douro e da quitação que ambos agradeceram com um chamado arremedillho, texto-espetáculo que à época era consagrado e consagrador.
Diz Santa Rosa de Viterbo que os dois beneficiários da doação régia escreveram como uma espécie de documento de quitação: “Nós, mimos acima referidos, / devemos ao Senhor nosso Rei / um arremedilho para efeito / de compensação”

E citamos agora Teófilo Braga na sua consagrada, mas hoje algo “esquecida”, História do Teatro Português:
“(...) começaria o teatro português pelas pantomimas rudes, e não conheceria nunca o nosso povo outra forma, por isso que a única designação dramática inventada por ele foi a palavra bonifrate (nome puramente português dos espetáculos a que os espanhóis chamara títeres e os franceses “marionetes”.
Aliás, em rigor, essa constatação remete para muito antes do tantas vezes chamado “fundador” do nosso teatro (digamos assim) Gil Vicente, cujo iniciático “Monólogo do Vaqueiro” data de 1502.

E remete-se para a “História do Teatro Português” de Luciana Stegagno Picchio, para quem “o Arremedilum, longe de ser urn sinónimo de entremez ou farsa e de provar a vetusta existência de um género típico dramático português equivalia, pelo contrário, no documento de 1193, a imitação burlesca prometida ao soberano por jograis remedadores, isto é, bobos cuja especialidade consistia em ridicularizar o próximo, macaqueando-lhe o semblante” nada menos!

E cito novamente, para por agora terminar, o comentário que faço na minha “História do Teatro Português”:
“Tenhamos presente que o documento em causa qualifica o autor-ator de histrião ou bobo. A perspetiva abre caminho para duas grandes manifestações paradramáticas, onde, tal como certamente nos arremedilhos de Bonamis e Acompaniato, a criação de texto se misturava com a improvisação de espetáculo: fórmula aliás perene e essencial ao longo de toda a História do Teatro”.

Mais haveria a dizer, e outros autores devem ser citados: e é o que faremos em outro artigo.

DUARTE IVO CRUZ