Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Nesta constante evocação histórica da dramaturgia portuguesa, será hoje oportuno referir a obra de Francisco Rodrigues Lobo, nascido em 1580 e falecido em 1622, o que de certo modo justifica esta citação tendo, entretanto, em vista a relevância e qualidade da sua aliás breve intervenção criacional no teatro.
São poucas peças, como veremos a seguir, mas são em si mesmas assinaláveis na qualidade. Merece, pois, esta referência, breve que seja, como aliás é breve e curta a sua produção teatral. Mas mesmo assim, a citação é adequada pois a verdade é que, numa obra breve como a que aqui hoje referimos, a qualidade acaba por se destacar… E no entanto, insista-se, a dramaturgia de Francisco Rodrigues Lobo deve ser evocada. E isto, não obstante a escassez de títulos por ele criados e ainda a circunstancia, aliás muito própria da época da influência marcante da cultura castelhana, mais significa neste caso específico, independentemente da dimensão reduzida da obra teatral em si.
Pois importa então ter presente que o teatro de Francisco Rodrigues Lobo merece referência, independentemente da expansão reduzida e da própria qualidade das peças em si e, no entanto, desde logo se diga que essas peças são poucas.
Em rigor chegaram até nós escassas peças de Francisco Rodrigues Lobo, ainda por cima adaptadas ou reescritas. E mais: por razões históricas, o recurso ao idioma castelhano era corrente.
Rodrigues Lobo é autor, designadamente, de uma peça em castelhano, o “Auto del Nascimento de Cristo y Edito del Emperador Augusto César” publicado em 1676. No mesmo ano, publica também uma peça escrita em português: “Entremez do Poeta”. E é de assinalar então que esta peça, retintamente gongórica, assinala curiosamente uma espécie de reação ao domínio cultural (e não só) castelhano.
E tal como escrevi na “História do Teatro Português”, é de assinalar que, não obstante a qualidade dos textos, na peça redigida em português é certa a troça bem vicentina do poeta, o qual, expressamente gongórico, revela um sentido de reação ao domínio cultural e político espanhol. E nesse aspeto, assinala-se então a referência feita por Luiz Francisco Rebello ao chamado Pátio do Borratem ou da Mouraria.
Esclarece que é “aquele de que há mais remota notícia, pois que já funcionava em 1588, ano em que Filipe II conferiu ao Hospital de Todos os Santos o privilégio de concessão de licença prévia para representação de comédias mediante a recolha de uma parte das respetivas receitas. Assim se procurava atenuar os «malefícios» que de tais representações advinham para as almas cristãs”.
E cita a iniciativa de Fernão Dias de Latorre, que criou o então relevante Pátio das Arcas!
Já temos obviamente aqui feito numerosas referências ao Teatro de São Carlos, na sua historiografia como grande e referencial sala de espetáculos, mas agora na eventual inventariação do seu vasto património histórico e designadamente no projeto de inventariação desse património, a ser levantado e estudado pela Universidade Nova de Lisboa-UNL, segundo notícia divulgada na imprensa.
Não vamos aqui e agora desenvolver muito as referências ao projeto em si, mas importa de facto salientar que qualquer estudo e levantamento do historial do TNSC e do que resta desse historial/documental merece obviamente todos os projetos que completem o vasto arquivo historicista desse teatro, que em si mesmo representa e em larga margem documenta a evolução histórica da cultura portuguesa: e isto, muito para lá dos referenciais de arquitetura, de espetáculo ou até de urbanização…
Pois não será demais referir que o TNSC foi inaugurado em 1793, num modelo diretamente inspirado (até no nome…) no São Carlos de Nápoles que ardeu em 1816. E já aqui também referirmos que o projeto inicial se deve ao arquiteto Costa e Silva, que se inspirou no São Carlos de Nápoles e projetou ainda o São João do Rio de Janeiro: ambos destruídos por sucessivos incêndios.
E também já temos feito referências a alterações históricas do Teatro em si. Desde logo o Salão Nobre em 1796, as pinturas do teto da entrada suprimidas, as obras em 1886 para os festejos do casamento de Dona Amélia e D. Carlos, o aquecimento da sala e as obras de restauro de 1936-40, completadas com as comemorações dos 150 anos da fundação em 1943.
Vale pois a pena fazer aqui e agora uma evocação dessas obras de restauro iniciadas em 1936 por iniciativa de Duarte Pacheco e que tiveram certo apogeu a partir de 1943, nas comemorações já acima referidas.
Pois, como já tivemos ocasião de escrever, nesse ano de comemoração dos 150 anos da fundação do teatro, tentou-se uma recuperação da música e da ópera portuguesa, a partir da primeira audição então moderna de “O Amor Industrioso” de Sousa Carvalho, numa revisão do compositor Ivo Cruz (meu pai) seguindo-se obras de Rui Coelho, Jorge Croner de Vasconcelos, Frederico de Freitas, Artur Santos, grandes nomes de compositores da época e de hoje.
E já agora, faz-se uma breve, mas introdutória, referência ao velho Coliseu dos Recreios de Lisboa, que foi inaugurado em 14 de agosto de 1890 com um espetáculo de ópera, o “Boccacio” de Soupé. Com lotação de algo como 5 mil espetadores, é projeto de dois engenheiros franceses, Goular e Bauer, e do cenógrafo português Eduardo Machado. Tal como já noutro lado escrevemos, o Coliseu é o sucessor direto de diversas companhias alojadas em espaços mais ou menos definitivos, como o Circo Price e o chamado Coliseu da Rua da Palma.
A Câmara Municipal de Lisboa apoiou, em 1992, a remodelação do Coliseu. A ele voltaremos.
Foi divulgado o início das obras de recuperação do velho Teatro Viriato de Viseu. Vale por isso a pena recordar o historial desta sala de espetáculos, sobre a qual já tivemos ocasião de diversas vezes aqui referir e também num dos nossos livros dedicados a antigas e modernas Salas e Centros de Espetáculos em Portugal. Muitas vezes citamos estes novos livros e arquivos: e neste caso a oportunidade mais que justifica precisamente o início das obras de recuperação.
Desde logo porque o Teatro Viriato, na sua expressão histórica, surge em 1883, então denominado Theatro Boa União. Mas logo passados meros 6 anos, adota a designação atual, Teatro Viriato, numa evocação histórica que durou mais do que a atividade da sala em si: pois efetivamente, a inauguração em 1921 de um Teatro Avenida, aliás esse demolido em 1970, prejudicou a atividade do mais velho Viriato. E o edifício é transformado em armazém: isto, num período em que os velhos teatros eram ou demolidos ou adaptados...
E decorrem 25 anos até que, precisamente em 1985, segundo já oportunamente escrevemos, o velho Teatro Viriato é recuperado com um espetáculo simultaneamente cultural-nacional e regional, digamos assim - uma montagem de textos de Aquilino Ribeiro, articulados e encenados por Ricardo Paes, com a designação dramática de "Teatro de Enormidades apenas criveis à luz elétrica", nada menos.
Aquilino Ribeiro (1885-1963) era natural de Viseu. Apesar de ter dedicado diretamente à cena apenas duas peças, ainda por cima separadas por mais de vinte anos, "O Manto de Nossa Senhora" (1920) e "Como no Inferno" (1964), isso não obsta a que para alem da especificidade exemplar da linguagem a expressão de espetáculo mereça referência.
Do mesmo ano 1885 a faculdade de arquitetura da universidade do porto efetuou um conjunto de estudos acerca da possível salvação do edifício.
Até que em 1986 a Câmara Municipal de Viseu adquiriu o Teatro Viriato e efetuou obras de reestruturação. As obras prosseguiram com intermitências e o Teatro é recuperado no final do século. Mas com limitações de espaço.
Em 1999 o teatro reiniciou atividade.
E agora anunciam-se novas obras de recuperação do Teatro Viriato, previstas para durar cerca de um ano. Nesse sentido, as declarações de Paula Garcia, então diretora do Teatro, são categóricas: O Teatro Viriato será um centro de cultura e de espetáculo em Viseu e no País.
Merece referência especifica a evocação da peça “Felizmente Há Luar” de Luís de Sttau Monteiro (1926-1993) peça escrita em 1961, há exatamente 60 anos. Fazemos-lhe referência, a partir do conceito de modernidade que marca ainda hoje a obra dramatúrgica do autor. E é de assinalar designadamente que o temário histórico não afeta a atualidade da peça em si, pela expressão técnico-dramatúrgica, mas também pelas características de estrutura que a peça nos fornece: e é de assinalar, insista-se, na atualidade de técnica e de conteúdo que a peça em si mesma envolve.
E é interessante referir a concentração de elementos históricos e estilísticos de “Felizmente Há Luar”. Trata-se de uma visão/evocação histórica da conspiração e da intervenção política deviamente enquadrada na época que dramatiza, mas que não deixa de relevar uma atualidade que não perdeu impacto, nestes 60 anos ocorridos, e sobretudo nas mudanças que, entretanto, marcaram a evolução do país em si mesmo…
Portanto, uma visão historicista mas em si mesma também política de Portugal na época histórica retratada e dramatizada. E seja-nos permitida uma citação vasta que fizemos na “História do Teatro Português” (ed. Verbo 2001).
Aí escrevemos que “Felizmente Há Luar” dramatiza, com excelente técnica narrativa, a conspiração de Gomes Freire de Andrade. Entretanto, o entrecho leva ao relevo da temática grupal e problemática social em determinantes de tempo e de lugar, de ideologia e de conduta que, para o autor, explicam o devir histórico. O povo, por exemplo, é uma das forças da ação. Necessariamente abstratizado, simbolizado, a sua contraposição dialetal encarna também num jogo de personagens símbolos, aliás por vezes pormenorizadamente descritos: Beresford, Principal Sousa, D. Miguel Pereira Forjaz, Morais Sarmento e Andrade Corvo.
E acrescentamos agora que esta dramaturgia valoriza sobremaneira o recurso a uma espécie de simbolismo técnico-dramatúrgico, tornamos a dizer.
E poderíamos continuar a transcrever citações: mas apraz-nos fazer apenas mais uma, agora de José Oliveira Barata a propósito do “Felizmente Há Luar”. O que transparece é uma visão reticente da expressão dramática a partir de análises da realidade concreta. E vale por isso esta transcrição, quanto mais não seja pela análise tal como é assumida, e isto independentemente da apreciação crítica em si mesma. Diz então Oliveira Barata:
“Independentemente de continuarem a ser válidos todos os argumentos que fazem desta peça um bom exemplo de aproveitamento de um episódio da nossa história, tratado e servido por novas e inovadoras técnicas dramatúrgicas, facilmente nos apercebemos que, apostando num objetivo situado, hoje se pode eventualmente perder muito da eficácia desejada. Por outras palavras, “Felizmente há Luar” escrita e pensada para ser eficaz num determinado contexto histórico, embora não perca os valores intrínsecos da sua intensa arte dramática perde, no entanto, na eficácia didática, uma vez que se alteraram os referentes para que imediata ou mediatamente remetia.” (in “História do Teatro Português”, ed. Universidade Aberta, 1991, pág. 165).
A cronologia envolve uma referenciação de períodos e datas em si mesmas assinaláveis na perspetiva histórica.
Teremos, pois, presente que este ano de 2021 justifica a referência aos exatos 175 anos de inauguração de dois teatros em Lisboa - o Teatro Nacional D. Maria II, inaugurado em 13 de abril de 1846 com um drama esquecido, “O Magriço ou os Doze de Inglaterra” de um autor também esquecido, Jacinto de Aguiar Loureiro; e também, no mesmo ano, o então denominado Theatro do Gymnásio, este tendo herdado o nome de uma “companhia de cavalinhos”, como então se dizia.
Já temos obviamente aqui referido sobretudo o Teatro Nacional D. Maria II, mas também já aqui assinalamos a tradição memorial do Teatro do Ginásio, sendo certo que o D. Maria II sobreviveu, e o Ginásio como tal desapareceu.
Do Teatro Nacional D. Maria II temos largamente feito referências. Mas vale a pena agora novamente evocar o velho Teatro do Ginásio, que há anos aqui também referimos na perspetiva da sua muitíssimo menor projeção histórica e arquitetónica.
Com efeito, não se podem comparar e, no entanto, registam-se sucessivos Theatro(s) do Gymnasio ou pelo menos, iniciativas de espetáculo sobretudo circense a partir da tradição dispersa de espetáculos chamados à época “de cavalinhos” pelo recurso a intervenções diversas. E nesse aspeto, novamente referimos que em 1846 o Theatro do Gymnasio abre portas ao público, a partir de uma chamada “companhia de cavalinhos” no então designado “Novo Gymnsasio Lisbonense”, assim mesmo, não obstante o insólito da designação!
Já aqui recordámos as opiniões de Júlio César Machado que à época referiu o Ginásio como “um Teatrinho de cartas”. Outro interesse terá, entretanto, a descrição vasta e entusiasta que faz Sousa Bastos no “Diccionario do Theatro Portuguez” (ed. 1908) onde dedica ao “Theatro do Gymnasio” um dos maiores artigos da vastíssima referência a “Theatros e Outras casas de Espetáculos Antigas e Modernas”.
Trata-se efetivamente de um vasto texto de cerca de 4 páginas numa edição que aos teatros-edifícios dedica 98 páginas, num total de 380!
Sousa Bastos cita ainda um Theatro do Gymnasio Vilafranquense (de Vila Franca de Xira), inaugurado em 1907 “por um grupo de artistas do Theatro do Gymnasio de Lisboa de que faziam parte Bárbara Cardoso, Palmyra Torres, Telmo, Julianna Santos e outros, que representaram a comédia “O Papalegoas”, assim mesmo!
Para este Teatro Ginásio Vilafranquense temos 15 linhas, correspondendo a menos de metade de uma das duas colunas da edição, e para o Teatro do Ginásio de Lisboa temos 7 colunas e uma fotografia...
E mais: Sousa Bastos cita ainda um Novo Gymnasio Lisbonense que descreve como “um barracão de madeira que em 1853 existiu no Largo do Poço do Borratem, no local onde depois existia uma estância de madeira. Aos espetáculos compunham-se de bailados, quadros vivos, etc. O preço da superior e galerias era de 160 reis e a geral 120 reis. O Novo Gymnasio Lisbonense pouco durou”...
Finalmente, como já escrevemos, José Manuel Fernandes, no livro “Cinemas de Portugal” (ed. INAPA 1996), destaca “uma fantástica maquinaria que permitiria à plateia dividida em sucessivas placas (de betão?), móveis e transversais, rodar sobre si mesma e inverter as cadeiras fixas para se transformar em lisa sala de baile!”
Em artigos anteriores, fizemos referências aos 100 anos da fundação do atual Teatro São João do Porto, salientando então que a sala de espetáculos atual é a terceira com a mesma designação, ou quase: no século XVIII inaugura-se um Teatro que alternaria o nome entre Real Teatro, Teatro São João e Teatro Dom João.
Sousa Bastos, no hoje clássico “Diccionário do Theatro Portuguez”, publicado em 1908 e que aqui temos citado, descreve em pormenor o desaparecimento deste primeiro Teatro. Segundo refere, “na noite de 11 para 12 de Abril de 1908, um pavoroso incêndio, de que não se sabe a causa, destruiu em poucas horas o teatro de S. João”. E segue-se uma detalhadíssima informação acerca desse primitivo Teatro, da atividade cultural e do desastre que o destruiu.
O atual São João, tal como já escrevemos, data de 1920, projeto do arquiteto José Marques da Silva, mas esteve encerrado largos anos, até ser adquirido em 1992 pelo Governo, recuperado e classificado como Teatro Nacional. Entretanto, também projetou filmes a partir de 1932.
Precisamente em 1992, na sequência da aquisição pelo Governo, procedeu-se a obras de restauro, dirigidas pelo arquiteto João Carreira.
Referimos ainda que foi agora apresentado um programa de atividade cultural, a desenvolver durante um ano, para a temporada que se inicia no próximo mês de março.
Nuno Cardoso é hoje diretor artístico. A reabertura ao público ocorre em 7 de março, com uma reposição da montagem de textos pessoanos.
E anunciaram-se entretanto diversas programações de cariz eminentemente cultural, que aqui enunciamos a partir de referências diversas: textos de Shakespeare, de Molière , “A Castro” de António Ferreira, mas também peças de Jean Genet.
E mais autores clássicos portugueses e estrangeiros, em parte apresentados por companhias nacionais ou vindas do exterior, designadamente Alemanha, Itália, Inglaterra e Espanha, segundo fontes diversas que aliás ainda não confirmamos, pois será de certo modo prematura a programação definitiva e isto sem qualquer intenção ou sentido “culpabilizador”: todos bem sabemos a instabilidade do meio teatral!...
E acrescente-se que ao longo do ano estão programadas exposições e publicações, designadamente de livros sobre a produção dramática que envolve em detalhe a própria atividade do Teatro São João, e que nos propomos aqui e agora acompanhar.
Como se referiu no artigo anterior, prossegue-se aqui a referência a autores, teatros/cineteatros de Tavira, a partir da exposição sobre a vida e obra de Almada Negreiros, no Museu Municipal da cidade, numa participação da Fundação Calouste Gulbenkian. Agora alargamos as referências de mais textos sobre tradição urbana e cultural da cidade.
Assim, temos José Leite de Vasconcelos a citar “as lindas chaminés artísticas”; Raul Brandão a evocar as “armações de revés” da pesca do atum; a descrição da cidade “poupada pelo terramoto de 1755” feita por Orlando Ribeiro e por aí fora, numa seleção de textos de David Mourão Ferreira (cfr. David Morão Ferreira, “O Algarve” in “Antologia da Terra Portuguesa”, Ed. Livraria Bertrand).
Ora em Tavira, para além da mostra que decorre no Museu Municipal, e que referimos na crónica anterior, há que salientar Cineteatro António Pinheiro, num edifício cujas origens ou pelo menos a implantação urbana remonta a 1917. Nesse ano, existia efetivamente um então chamado Teatro Popular que se conservou em maior ou menor condição e atividade, até que em 1968 é reconstruído e modernizado. A Câmara adquiri-o em 2001 e mantem-no em atividade, devidamente renovado.
É de assinalar aliás a homenagem que a cidade presta a este grade ator, nascido precisamente em Tavira em 1857 e falecido em 1943, e a sua carreira de comediante não deixa de ser recordada em termo da modernização da arte cénica e como docente do Conservatório Nacional, escola que ajudou a modernizar, no que respeita ao teatro, a partir da implantação do Governo Provisório em áreas então inovadoras, como a Estética de Teatro.
Marcou também uma carreira de renovador da encenação no Teatro de Dona Maria II, mas sobretudo, antes, no chamado Teatro Livre que, nas temporadas de 1904/1905 e no Teatro Moderno, este a partir de 1911, renovaram e modernizaram o teatro então praticado em Portugal. São as primeiras iniciativas do que viria mais tarde a chamar-se de teatro experimental.
Na “História do Teatro Português”, Luiz Francisco Rebello cita com desenvolvimento estas intervenções de António Pinheiro na modernização do teatro português. Recorda designadamente as temporadas dirigidas em 1905 e 1908 no Teatro D. Amélia e em fevereiro de 1911, aqui numa comissão sobre o teatro - espetáculo em Portugal, destinada a definir as normas de “reforma e adaptação às novas estruturas sociopolíticas”. Dessa Comissão faziam parte nomes de grande destaque na época - e ainda hoje: desde logo António Pinheiro, mas também Bento Faria, Afonso Gaio, Emídio Garcia e Bento Mântua. E acrescenta Rebelo que “a 22 de maio do mesmo ano é promulgado um decreto que veio restruturar o ensino da arte dramática em termos que fizeram do nosso Conservatório um dos mais avançados estabelecimentos da Europa no seu tempo”. (Ed. Coleção Saber - Publicações Europa América, pág. 114).
Nada mais justo pois que Tavira consagre e mantenha o nome de António Pinheiro no seu Cineteatro.
A Câmara Municipal de Tavira e a Fundação Calouste Gulbenkian apresentam no Museu Municipal - Palácio da Galeria uma exposição subordinada ao tema “Mulheres Modernas Na Obra de José de Almada Negreiros”. Desde logo se saliente o interesse da iniciativa e a qualidade da mostra, que reúne um conjunto relevante de obras de Almada, aqui devidamente expostas, analisadas e documentadas num livro onde, além de estudos e documentação importante e pouco conhecida no conjunto, representa acervo notável de reproduções de numerosas obras exemplarmente documentadas por textos e escritos diversos do próprio artista evocado e homenageado.
Na introdução do livro, sobre a obra de Almada, salienta-se um conjunto de textos e estudos introdutórios de Jorge Botelho, Presidente da Câmara Municipal de Tavira, de Isabel Mota, Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, de Jorge Queiroz, Diretor do Museu Municipal de Tavira e de Mariana Pinto dos Santos.
E seguem-se centenas de reproduções de obras de Almada Negreiros, devidamente “ilustradas” e enquadradas por textos do próprio Almada.
Porque Almada Negreiros é como bem sabemos um extraordinário artista plástico, um excecional dramaturgo, um notabilíssimo escritor: e tudo isto surge devidamente documentado neste vasto e notável livro-catálogo da exposição.
Evidentemente, o que mais sobressai na exposição e no livro é a reprodução do conjunto das pinturas e desenhos de Almada. Mas aqui, queremos sublinhar também os textos que convertem o catálogo numa verdadeira antologia da obra escrita de Almada Negreiros.
Salientamos então algumas referências a peças, a teatro e a cinema, a espetáculos, feitas pelo próprio Almada Negreiros e reproduzidas no livro:
«Deixa-me passar! Tira-te da minha vida! Já viram isto? Sentinela à vista! Toda a vida sentinela à vista! O meu íntimo devassado!» (in “Deseja-se Mulher”)
«De uma vez num passeio, o arco-íris foi quadrado até ao fundo dos raios x para lá do cavalo transparente numa continuidade cinematográfica contornando a apologia feminina sagradamente epiléptica em SS de cio todo realce e posse de reflexos.» (in “K4 O Quadrado Azul”).
«Uma noite encontrou-a num cine. Ela não devia tê-lo visto. Seria uma boa ocasião de observá-la desprevenida. Ela porém era invariável.» (in “Vera”)
«Um dia “La Argentinita” entra em cena pelo mesmo lado que as outras, faz o mesmo que as outras fazem, dá as mesmas voltas, o sapateado, as castanholas, os couplets, e tudo é diferente, saudável, genial. Nós ficamos com a opinião de que a Espanha artista tem estado mal representada até à chegada triunfante de “La Argentinita”» (in DL- 17.02.1925).
E muitas mais são as citações, e muitíssimas mais as reproduções que tanto valorizam este livro, notável “catálogo” da exposição do Palácio da Galeria de Tavira.
Temos visto nesta série de artigos a relevância que a arquitetura teatral e de espetáculo assumiu ao longo dos séculos XIX/XX: e é de louvar as politicas, recentes, a nível nacional e local, de recuperação de edifícios que, pelo dimensionamento e pela implantação em zonas urbanas centrais, antes menos conservadas do que hoje, representam uma fortíssima capacidade de investimento, na transformação e modernização de tantas cidades.
Hoje, efetivamente verifica-se um muito maior sentido de conservação e restauro de edifícios e áreas urbanas centrais. E nesse sentido, como aqui temos visto, há que elogiar as autarquias que conservam, muitas vezes adquirem e recuperam esse património urbano e imobiliário de edifícios de espetáculo, sem o deteriorar ou destruir. E aí incluem-se teatros e cineteatros. No caso que hoje nos ocupa, a construção e sobrevivência do Teatro Gil Vicente de Barcelos é um belo exemplo.
No final dos anos 90 do século XIX, um grupo de cidadãos regressados do Brasil lança a iniciativa de construção de um teatro. Não foi fácil: a iniciativa ganha expressão e consagração empresarial em agosto de 1893, mas o Teatro Gil Vicente, que apesar de sucessivas paralisações e transformações, dura até hoje, só foi inaugurado em 1902, com uma revista local, precisamente intitulada “Barcelos por Dentro”.
E é meritório que este espetáculo inaugural tenha sido escrito e executado por amadores locais, da mesma forma que o próprio processo de construção do teatro tenha surgido por iniciativa de empresários e individualidades ligadas ao Conselho de Barcelos. Mas é de assinalar que a cidade tem certa tradição teatral: são numerosos os tais grupos de amadores que, a partir de finais do século XIX a de certo modo até hoje, marcaram a atividade.
O que não obstou a que o Teatro Gil Vicente tivesse travessado períodos mais ou menos longos de paralisação e de negociações no sentido da sua demolição para investimento imobiliário. Nada que não seja habitual, mesmo depois das sucessivas transformações e adaptações do edifício, que aliás exibiu atividade cinematográfica quase desde a inauguração.
É pois interessante registar que o Teatro Gil Vicente tenha beneficiado desde sempre de apoio dos poderes locais, acabando a Câmara por o municipalizar em 1994, e o renovar, em sucessivas intervenções no exterior e no interior.
Mas mantém-se o estilo clássico, num modelo muito praticado na época de inauguração: o projeto inicial deve-se a um Engenheiro Civil local, António José de Lima. E acabou por prevalecer esta “obra neoclássica revivalista” tal como a caracterizou Carlos Alberto Ferreira de Almeida num estudo editado pela Câmara Municipal.
A tradição urbana, universitária e cultural de Coimbra abrange a arquitetura de espetáculo e prolonga-se até hoje com expressões de grande valia e modernidade: designadamente mas não só em dois edifícios monumentais e atuais, no sentido mais abrangente de ambos os termos, e isto, sem embargo de um deles ter origem, ainda bem expressa, no século XVI – e referimo-nos, aí, ao antigo Colégio das Artes, onde se iria instalar nada menos do que o Tribunal da Inquisição… mas hoje vemos lá instalado o Centro de Artes Visuais, que enquadrou a companhia teatral denominada “A Escola da Noite”.
E muito próximo, em edifício inaugurado em 2006, temos o Teatro da Cerca de São Bernardo - TCSB. Refira-se aliás desde já que A Escola da Noite atuou nos dois edifícios, fixando-se no TCSB desde 2008.
Recorde-se entretanto que a tradição teatral de Coimbra é registada pelo menos desde o século XVI, com referências a espetáculos e textos alusivos, por exemplo no breviário do Mosteiro de Santa Cruz ou na chamada “Divisa da Cidade de Coimbra” de Gil Vicente (1527), para culminar na “Castro” de António Ferreira (cerca de 1560).
Em 1893 é, entretanto, inaugurado um Teatro Circo Príncipe Real depois chamado Teatro República e depois ainda Teatro Avenida, com camarotes, frisas e balcão, como era próprio da época, e que foi demolido em 1990 para ser substituído por um supermercado… E em 1961, por iniciativa da Universidade, é inaugurado o Teatro Académico Gil Vicente, projeto do arquiteto Alberto José Pessoa, com frescos de João Abel Manta.
Vejamos então o Teatro da Cerca de São Bernardo. Trata-se de um projeto do Arquiteto Paulo Ramos: a inovação não colide com a tradição arquitetónica que subsiste próxima aliás tal como ocorre no Centro de Artes Visuais. Isto, insista-se, não obstante a modernidade do edifício do Teatro, marcado por uma fachada quadrangular amarela, sobreposta em cor contratante com o enquadramento retangular.
O interior comporta duas salas de espetáculo unidas para efeitos de circulação por uma série de pequenos “viadutos”. O projeto do edifício é dominado por um paralelepípedo ligado em arco, e integra-se harmoniosamente na área urbana, beneficiando aliás (e vice-versa…) com a proximidade do Centro de Artes Visuais.
E referimos então essa proximidade com o Centro de Artes Visuais, independentemente da expressão arquitetónica epocal e da tradição funcional do edifício, que domina também a zona urbana e reforça a sua tradição histórica e artística, pelo menos desde 1548 quando por ali também funcionou, como já vimos, o Colégio das Artes.
O contraste arquitetónico, estilístico, funcional destes dois monumentos teatrais, chamemos-lhes assim, marca bem a adequação e a intemporalidade, no que refere também a atividade do espetáculo.
Pois, tal como escreveu Guilherme d’Oliveira Martins, no Prefácio de um nosso estudo:
“Os Teatros são lugares da vida. Foram-no desde sempre. E se o teatro como arte e atividade humana permite, desde a antiguidade, um melhor conhecimento da pessoa humana (ou não fosse a palavra pessoa derivada do grego prosopon, que significa personagem dramática no sentido de máscara teatral) a verdade é que estamos perante um domínio em que a memória e o património, a história e a cultura, o ser e a representação, a liberdade e a necessidade se ligam intimamente. Estes lugares de vida permitem, desse modo, compreender melhor a essência do património cultural e da sua importância fundamental”. (in “Teatros em Portugal - Espaços e Arquitetura”, Ed. Mediatexto e Centro Nacional de Cultura, 2004).
DUARTE IVO CRUZ
BIBLIOGRAFIA BASICA SELECIONADA "Habitar Portugal - 2003/2005" - ed. Ordem dos Arquitetos - 2006 Revista "Monumentos" ed. DGEM Setembro 2006 A.C. Borges de Figueiredo - "Coimbra Antiga e Moderna" ed. Almedina - 2006 Duarte Ivo Cruz - "Teatros em Portugal - Espaços e Arquitetura" Prefácio de Guilherme d'Oliveira Martins - ed. Mediatexto e Centro Nacional de Cultura, 2008