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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

Há que aprender a liberdade


Averiguar por nós próprios o que incapacita os porquês é saber o que pode ser alcançável.

O que cada um de nós pode e deve fazer para que se concretize a liberdade, é em si um movimento histórico ao bem-estar humano.

Os tempos destituídos de opções reúnem homens com as mesmas desvantagens, os mesmos ressentimentos subjacentes à infelicidade e à cegueira interior, e permitem o acesso ao poder dos que cavalgam as suas injustiças e guilhotinam aspirações.

Aprender a liberdade, é detetar o reaparecer das bolorentas ordens com pessoas diferentes e desigualdades iguais.

Afinal, tão só ligeiras variações, e o escalar das grandes mentiras pode continuar a ter sucesso.

Então, é a mesma vida submetida que persiste, é aquela que nunca assume o comando do sonho. Aprender a liberdade é uma jornada de vida fecunda: uma defesa apaixonada da humanidade.

Numa era de profunda incerteza dos próprios recursos dos homens, e aqui chegados, queremos que nos controlem ou desejamos algo melhor?

Pensar, e a liberdade de poder transmitir o pensar, poderá ser a melhor definição do «indivíduo ligado em rede».

 

Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  


«Quais as hipóteses de encontrarmos aves-do-paraíso? Eu tinha a esperança de conseguir filmar uma das suas danças de acasalamento. Há muitos anos que planeio esta viagem, mas só agora tive as ajudas que necessitava para filmar.

Ele escutou-me em silêncio. Depois tirou um mapa de uma caixa e abriu-me em cima da secretária.

Terão de procurar numa zona não controlada pois as tribos fazem-lhe esperas. Até já houve emboscadas com feridos e mortos nestes encontros pelo desejo de arrancar as penas das aves. Vão ter de levar uma escolta. Tenho um homem que irá convosco por troca de sal e não quer saber da passarada. É uma caminhada de dois dias e com trilhos muito difíceis. Filmar as danças de acasalamento?»

«Sim, claro», respondi.

De repente, sorriu.

Três dias depois aproximávamo-nos do topo de um desfiladeiro. Estávamos a uma altitude superior a dois mil e quinhentos metros. Estávamos cansados e com frio, os pés feridos do esforço da lama e dos pedregulhos que pareciam perpassar as botas com facilidade. De repente, o terreno começou a descer e eu corri muito ansioso por espreitar o vale.»

David Attenborough

E

Pegue-se numa alma de face escarlate

Calcule-se o peso de a pousar no ar

Alongue-se tudo o que se eleva acima do espírito

E sigam-se os toucados de plumas e os cantares dos anuíres

Depois, quase impercetivelmente

A ave-do-paraíso levanta voo e afasta-se pelo vale abaixo

Do centro do meu coração

Escutei-a

As folhas que lhe conhecem as épocas

Abrigaram-na

Que das exposições totais

Bastante

É o esboço nupcial

 

Bendito


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

TEMPO LIVRE


Recuperar o gosto pelo tempo livre; libertá-lo da economia; dar-lhe um sentido de existência, de cultura, de arte, de contemplação, de atividade de descanso, é recuperar o ócio criativo.


Assaltados pelos computadores, pelas redes e pela própria IA, ouvir música, é uma libertação face aos monopólios de atividades supostamente criativas que nos propõem.


Hoje a interligação entre as pessoas e factos via redes, constitui o modo de usar o tempo livre, por força das forças que facilmente vencem a capacidade do próprio escolher para si, o que o faz feliz.


Deixar que o tempo se subtraia na vida de cada um, e não cuidar que o tempo livre equivale à possibilidade de aumento de vida qualitativa, equivalendo mesmo, a uma aberta ao desenvolvimento não atrofiado do indivíduo a um advir provável da felicidade de cada um, é realidade bastante à visão de presente no futuro.


De realçar que existe ainda um horário mínimo a utilizar dentro do tempo livre, e que nos oferece um rendimento pluridimensional de substância que é constituído por tudo quanto a natureza nos oferece, se dela não nos esquecermos.


Registe-se ainda que, no fazer tudo para nos salvarmos, surpreender-nos-á o saber do tempo livre, qual testemunho que cada geração nos deixou e que nós, quais recifes!, deveríamos preservar e transmitir.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

Martin Amis: um gigante na pele funda dos livros do mundo 

  

 

Foi em maio que MA nos deixou.

O nosso profundo lamento mantém-se corpóreo, difícil mesmo de atravessar.

Martin Amis, um estilista da língua, um talento como escritor de uma astúcia diferente, de uma ironia mordaz na captação dos excessos da cultura moderna.

Possuía MA uma inigualável e impiedosa lente na interpretação das nossas vidas. Nada lhe era fosco à porta do perceber. Desafiou convenções, foi incisivo no ataque às hipocrisias. A sua escrita elegante bebeu uma água férrea que esclareceu o poder da sua visão e deixou-nos, sim, a possibilidade que uma força fértil nos revisitasse se assim consentíssemos.

Escritor, cronista, sempre controverso, de Grana a Zona de interesse, de A Seta do Tempo a Sucesso, nada lhe é invisível no seu pensar manufaturado de acutilância e registo aceso, nomeadamente face à descarada indiferença humana.

Saul Bellow, um dos escritores que mais o inspiraram, Nobel da Literatura em 1976, que percorreu o poder, a riqueza, o egoísmo, a massificação social e a falência cultural a fim de que se lutasse por um humanismo sem mentira, inspirou MA, a escavar e a expor um subsolo que sobrevivesse à total perda da terra-ser, e com humor satírico quanto baste, diríamos: pois que se reguem agora os seres com um novo adubo que impeça o seu crescimento para baixo.

Martin Amis, hoje rejubilo por poder falar de ti. O teu dom literário, ou uma nova seriedade nesta tua escrita que nos deixaste, entrando no nosso espaço, pessoa a pessoa.

Bem Hajas

 

Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

E AGOSTO SOSSEGAVA


As festas nas aldeias de então eram festas noivas, e deixavam no ar o acolher das uniões futuras, que seriam marcadas depois das vindimas.

A certeza das uvas compreendia as consequências dos seus encantos, mais relevantes do que nunca, a cada apanha.

O Douro, uma ideia de visual vivo, tinha a sua teoria: o caminho não se explica.

A magnífica obra da odisseia de cada um, imaginava um futuro que podia emigrar para qualquer mundo, movendo-se ou não.

Neste extraordinário cenário, também havia o cesto com o pão e o chouriço, e às vezes, o queijo, que chegavam para dar força aos músculos das costas que carregavam o grande peso dos cestos das uvas, encosta acima, e tinha de chegar, este conduto, até à memória dos dias e noites de frio de inverno e de doridas fomes que teriam lugar.

Também os beijos de agosto e de um setembro a iniciar-se, descobriam detalhes-maravilha que se não contavam, mas que acordavam o coração.

Chamem-lhes o que quiserem que nada muda: são beijos, quando ali, naqueles momentos, nunca nada mais morrerá.

Entre agosto e setembro que espreita, os sonhadores saem da vigília e cumprem-se. É tudo.

Era sempre assim: instantes que se preparavam; instantes que se seguiam, mundos nunca parados, horas, passos, abraços, vozes, inexaustas energias, cada um no seu instante de começo

ou de abandono ao fogo.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  

 

A importância dos megassítios de imponência arguta é a de constituir cenário certeiro de onde se comanda e influencia com facilidade as gentes, de onde se observa o seu grau de submissão, seduzindo, manipulando, ostentando força e mando com toda a mestria da expressão física do empoderamento, de acordo com as necessidades de capitanear o domínio das massas.

Os megassítios, os megapalcos, têm normalmente formatos semiabertos a gigantescas assembleias, não para meras demonstrações simbólicas de circunstâncias festivas, antes para disfarçar algo perverso: o domínio total das fragilidades.

São normalmente construções perturbadoras que ajudam a influenciar as governações físicas e espirituais das gentes que a elas acodem, procurando uma panóplia indiferenciada de respostas que lhes recrute a vida.

Os filhos e as filhas dos megassítios assistem a estas poderosas assembleias confinados à área onde tudo acontece naquele momento e se prolongará nas suas memórias prisioneiras dos “megatudo”, quais representantes de todos os interesses, de todos os períodos do mundo, e conhecedores de que escavando assim a vontade moral dos povos se lhes cobra a submissão.

Os homens lutam pela sua subserviência como se assim lutassem pela sua salvação, fornecendo até às lágrimas os sinais, logo captados, pelos membros do júri das chefias - cozinheiros profissionais de uma qualquer governação - , para que estes os conduzam e lhes autorizem a eventual felicidade.

E assim, um tudo, se continua a reduzir a uma afirmação sem risco de ser suplantada:

tu pertences-me

 

Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  

 

A minha telefonia: uma fala-fada com o mundo.

 

Lugar de destaque e encanto na minha memória e no meu dia a dia estará sempre o ouvir rádio.

Os anos de ouro em que me iniciei nesta dependência, mantêm-se firmes.

Desde criança que o meu gosto por ligar o radio constituía o início dos meus dias em alegria e, mais tarde, na minha adolescência, este veículo de comunicação tão rico, trouxe-me as Cartas de Goeth, no início da noite.

Escutava a leitura destas Cartas com o ouvido fincado ao pano que tapava o altifalante do radio a fim de tentar não perder sequer o final ou início de uma palavra que aquele mundo de Goeth me trazia.

O papel da divulgação da cultura nos anos 60, aportado pelas estações de radio em torno de temáticas que a censura concluía não ter necessidade de intervir, criaram a rara possibilidade de se obter diferentes leituras do mundo, nas entrelinhas dos ouvires que tanto, mas tanto despertava os meus desejos e aspirações ao entender.

Os meus olhos sempre conheceram os sons do radio e são-lhe o lado do mar.

Ouvir Procol Harum no agosto de Whiter Shade of Pale em 1967, ou fazer o inverno seguinte segurando Rain and Tears porque o programa Em Órbita o não esquecia, era tempo de vida que irrompia mais fluido, mais pássaro.

A vida do estar com o radio é uma vida de emoções, de conexões com o mundo, de bem reconhecer o timbre das vozes que se ouvem e as notícias dos inícios e dos aconteceres, das recordações, tudo afinal entre a chave e a porta.

Hoje, a companhia do escutar radio continua atemporal, algo que me chega sempre de um íntimo da Terra em trânsito, sempre em trânsito como no recomeço das eras, aquelas mesmas que confirmam o agora.

 

Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  


Havia uma esperança diferente quando as pessoas cuidavam umas das outras num respeito pelos mais idosos, à proeza do seu interpretar e no transmitir dessa interpretação.

O medo e a incerteza do viver era atenuado pela rocha que constituía a solidariedade do amor, e por ele, o dever de ajuda.

Agora, as pessoas receiam o morrer antes da morte, num fogo cruzado das gentes vivas que os marginalizam desfocando deles a atenção.

Muitas vezes já se entrou na bancarrota dos afetos, e na suposição de que os velhos, são vestígios do passado que devem aceitar o sem futuro, no futuro que lhes propõem.

Muitos dos lares onde as pessoas são colocadas, passaram a favelas que contam estórias de esquecimento dos sobreviventes que por lá negoceiam, como podem, as novas conformidades.

A depressão e a insegurança de uma maioria que deu à vida o seu melhor, afinal, para se candidatarem a pagar o preço altíssimo de um rap cruel, nunca esteve verdadeiramente pendente como problema nas assunções do Estado.

A infelicidade governa olhar e corpo, num lugar que rompe ou vai rompendo, esgaçando a esperança.

Será que já se viu e compreendeu onde chegámos?

Será que novos e velhos se vão recusar a que as vidas se façam em subcave?

Uma vez, naquele dia, todos começaram a fazer pelo melhor: ouvi dizer.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

  


As liberdades não são verdadeiras liberdades se ninguém ou poucos as aplicarem.

Acreditar que se vive em sociedades livres quando, em grande medida, a realidade é a das liberdades formais, conduz ao profundo equívoco de se pensar que se se tem direito à habitação, consequentemente se tem dinheiro suficiente para a adquirir.

Esta inverdade deveria conduzir à reflexão acerca das liberdades substantivas.

Questionarmos o pendor teatral a que ficam confinadas as liberdades em sociedades ditas mais desenvolvidas, quer em termos políticos quer sociais, e aferir o quanto podemos ser livres para reivindicarmos, mas que, se afinal, ninguém nos escutar as vindícias, qual a relevância da liberdade da queixa? até onde a ilusão de que assim muito ainda se pode mudar?

Registe-se também que mesmo hoje, o acesso diferenciado às mulheres em muitas profissões tem passado pelo menosprezo que se atribui às suas necessidades de independências pessoais, estas, base de toda a libertação.

Todavia, é grande a percentagem de mulheres que utilizam a não-liberdade para usarem com eventual humildade o grande poder de educar os filhos, de manipular presumidos estados de inocência ancestrais a seu favor, numa conceção de mando encapotado, o que, em última análise lhes seca a liberdade substantiva a que nos referíamos, e estagna o curso da história.

Sem sombra de dúvida que o raciocínio sedentário não questiona, em realidade, nenhuma situação no seu âmago, e se nos considerarmos pessoas livres nas sociedades contemporâneas porque não temos tiranos políticos, não surpreende então o muito que falta fazer para que se esclareçam as deficientes interpretações entre o que se vive e o que se poderá viver.

As liberdades não são verdadeiras liberdades se ninguém ou poucos as aplicarem, mas certamente, esta visão ainda parece bizarra.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

A geografia fator-chave


Mares, rios, montanhas e betão condicionam as escolhas do poder e limitam o que a humanidade pode ou não fazer.

As características geográficas de uma região definem passado e presente e futuro, no exato momento em que o campo de batalha também se trava na atmosfera da terra.

Se nos lembrarmos que o Irão tem duas grandes características geográficas: as montanhas e os desertos de sal, eis uma fortaleza!

Se nos aproximarmos, o caminho por qualquer angulo é de terreno ascendente e em muitos locais, intransponível. As terras interiores são na sua maioria ermas.

O deserto de Cavir ou o Dasht-e-Kavir é o Grande Deserto de Sal que possui aproximadamente 800km de comprimento e 320km de largura o que se pode afirmar ser o tamanho dos Países Baixos e da Bélgica juntos e, em muitas áreas, o sal à superfície esconde lama tão funda que nela nos podemos afogar.

Deste modo as características geográficas deste país que raramente sai dos noticiários, criam cerco protetor ao regime repressivo e ligado ao terror.

Como se sabe todo o Irão era a Pérsia, sendo que a forma nan-e-barbari (forma do pão persa) tem constituído a sua figura geométrica de base.

Neste país, são também os montes e montanhas que ajudam a descrever curvas, o que significa que poderes que queiram invadir estes territórios, terão de lutar com pântanos, desertos e montanhas que constituem formidáveis obstáculos de preços inimagináveis a pagar.

Contudo, a geografia deste país também o confrange a ficar contido no seu território.

Os grupos étnicos agarram-se à sua identidade e resistem ao estado moderno, e a escassez de água é um dos muitos fatores de atraso económico do Irão, onde apenas um terço do cultivado é irrigado.

Enfim, um início do não esquecer o quanto o espaço geográfico possui carater histórico e engloba as ações humanas sobre o ambiente em que vive.


Teresa Bracinha Vieira