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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


178. VÍTIMAS “INDIGNAS” E “DIGNAS”


Há pessoas que têm opiniões cruéis sobre as vítimas de países cujas políticas ou líderes não aprovam, distinguindo entre vítimas “dignas” e “indignas”.       


As “indignas” são as que “estavam a pedir isso”. Ou que “estavam a jeito”. 


É inaceitável que alguém não tenha empatia e haja ausência de solidariedade, por exemplo, pelas vítimas dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, dos atos de terrorismo e crimes de guerra cometidos na Ucrânia e Médio Oriente, pelo atentado extremista contra civis, em Moscovo, em 22 de março de 2024.   


Aquando do ataque de Nova Iorque, com milhares de mortos, houve quem fosse a favor, aceitando a vingança muçulmana, pois os Estados Unidos “estavam a pedi-lo”, o que foi tido como uma resposta a guerras de um intruso poder dominante em várias zonas do globo, agora atacado no seu solo.


Também há quem pense que os assassinatos de civis em Bucha, Mariupol e outras regiões da Ucrânia, são um mal menor ou “vítimas indignas” de um conflito entre a Ucrânia e a Federação Russa, em que não há agressor nem invasão, ou se desculpa quem agrediu, porque outros também agrediram.


De igual modo não há equidistância quando não se expressa a mesma dor ou preocupação perante vítimas civis israelitas, cristãs, árabes, palestinianas, ou quaisquer outras, assassinadas em igualdade de circunstâncias, apenas para nos vingarmos, por razões meramente ideológicas ou preconceitos, do antiamericanismo, do alegado imperialismo americano, da russofobia, do falado imperialismo russo (ou outro), por antissemitismo e sionismo em relação aos judeus, por indiferença ou ódio pelos mais fracos. Ou mesmo por simples simpatia, por convicção ou não, de que os mais pobres ou oprimidos (eternos bons selvagens?) têm sempre razão sendo, nessa perspetiva, mais “dignos”.


Há que saber distinguir os momentos em que se impõe exprimir condoimento, consternação, humanidade, misericórdia e solidariedade para com todas as vítimas, iguais na sua dignidade, dos momentos em que é necessário contextualizar para tentar explicar.


Há ocasiões em que é insensível atribuir a morte desumana daquelas pessoas à mera política externa dos Estados Unidos, da Rússia, da Ucrânia, de Israel, dos países árabes, ou a quem quer que seja, no seu sentido mais lato e abstrato, e não aos seus autores e perpetradores, sob pena de agravarmos a mágoa e o ressentimento, desculpabilizarmos o terrorismo e fazermos a apologia, mesmo que inconscientemente, da existência de vítimas “indignas” e “dignas”.     


Tem que haver lugar para a neutralidade quando se justifica, não podendo haver vítimas “dignas” e “indignas”, dado que não pode haver precedentes morais para o horror, a violência pela violência e porque os outros fizeram igual ou pior. 


07.06.24
Joaquim M. M. Patrício

LONDON LETTERS

 

The Salisbury Incident, Traitors and, A New Emperor, 2018

 

Um insólito evento médico em tarde domingueira numa pacata cidade de Wilshire suscita inquérito sobre eventual malfeitoria, O ato de rotina identifica sucessivas baixas.

Com um ex espião russo e a sua filha caem o polícia que os socorre mais 21 pessoas, todos entrados no hospital com sintomatologia de envenenamento por toxina letal. O caso torna-se numa mega investigação criminal conduzida pela National Counter Terrorism Policing Network, escalando com envolvimento militar na descontaminação do centro histórico. Uma semana depois, na House of Commons, a Prime Minister aponta responsabilidades ao Kremlin. — Chérie! À l'œuvre on reconnaît l'ouvrier. Westminster agita-se com alegações de débil etiqueta parlamentar. Entre os visados por “bullying” estão o próprio Speaker RH John Bercow e membros do gabinete do Labour Leader RH Jeremy Corbyn. — Oh-oh. A word once spoken is past recalling. Além mares, o US President Donald J Trump acede a encontro com Mr Kim Jong Un para negociar a desnuclearização da Korean Peninsula e isenta de tarifas aduaneiras “the friendly nations.” China denomina Mr Xi Jinping como novo imperador comunista. Russia vai a votos para a presidência. Os franceses debatem a liquidação do Parti Socialiste na Macronie. Aos 90, parte para a eternidade o gentil comediante Mr Ken Dodd.

Very better weather at Central London. Com o Springtime around the corner e os ilhéus especialmente ocupados a nutrir a passarada após a tempestade de neve, vivem-se cenas extraordinárias nas Houses of Parliament. O ensaiado homicídio do antigo coronel do KGB eclipsa quer a Brexit, quer temas quentes na esteira da visita do Crown Prince Mohammed bin Salman como a guerra no Yemen, o abuso dos direitos humanos e o alegado financiamento do extremismo pelos sauditas. Mesmo a murmuração em torno dos bully boys passa para segundo plano. As palavras hoje proferidas por Mrs Theresa May extravasam o Palace of Westminster: "This attempted murder using a weapons-grade nerve agent in a British town was not just a crime against the Skripals, but an indiscriminate and reckless act against the United Kingdom, putting the lives of innocent civilians at risk. We will not tolerate such a brazen attempt to murder innocent civilians on our soil.” Em tom thatcheriano e estilo que relembra abrasivo Lord Salisbury nos idos de 1890 face às pretensões africanas de Portugal, a Prime Minister faz um ultimato a Moscow para, em 24 horas, explicar como é que um gás produzido nos seus laboratórios estatais aparece no reino: “There are, therefore, only two plausible explanations for what happened in Salisbury on 4 March: either this was a direct act by the Russian state against our country; or the Russian Government lost control of their potentially catastrophically damaging nerve agent and allowed it to get into the hands of others.” Donde: “On Wednesday, we will consider in detail the response from the Russian state. Should there be no credible response, we will conclude that this action amounts to an unlawful use of force by the Russian state against the United Kingdom, and I will come back to this House to set out the full range of measures that we will take in response.”

 

O envenenamento do agente duplo em Wilshire compele interessantes comportamentos em volta. Há um exercício nacional de especulação em tríade tipológica whodunit, why him and why here, em cruzamento entre o arguto paroquialismo da Miss Marple e o hábil jogo de raposas de Mister George Smiley. “Based on the positive identification of this chemical agent by world-leading experts at the Defence Science and Technology Laboratory at Porton Down, our knowledge that Russia has previously produced this agent and would still be capable of doing so, Russia’s record of conducting state-sponsored assassinations and our assessment that Russia views some defectors as legitimate targets for assassinations, the Government have concluded that it is highly likely that Russia was responsible for the act against Sergei and Yulia Skripal,” declara a senhora do No. 10. O caso oficialmente classificado nas páginas do Hansard como “Salisbury Incident” parece mesmo saído dos clássicos mundos ficcionados de Dame Agatha Christie e de Mr John Le Carrè. Os ingredientes literários estão cá todos, desde a receita de subtil crime em paisagem bucólica cujo desnudamento revela fantasmas de um mundo de sombras até ao dilemático questionamento sobre o justo destino dos traidores – ainda que comprometidos pelo MI6 e em tempo oportuno colocados ao serviço de Her Majesty. À memória vem a série longa das estranhas mortes que ocorrem na rota britânica do Federal Security Service of the Russian Federation, a agência que sucede ao famigerado KGB no quartel general de Lubyanka Square.

 

Mas no mais sério incidente diplomático do pós Cold War há também audíveis vozes em Britain a sustentar conspiração ocidental para comprometer Mr Vladimir Putin em véspera de eleições de nula competitividade. Aqui os anais registam Mr Anthony Blunt, espião britânico que nos 50s trai a favor dos soviéticos em nome da ideologia: “Well, it’s given me great pleasure to pass on the names of every MI5 officer to the Russians!”

 

A testar as fronteiras morais no globo estão mais que mortíferas substâncias químicas concebidas nas provetas secretas. A usança do “state lab nerve gas” vai agora inflamar as tensões East-West. A Russian Federation nega tudo, of course. O prazo de London extingue-se dentro de momentos. Os Skripals lutam pela vida em câmaras de cuidados intensivos enquanto os demais recuperam. Com contornos que impõem o envolvimento da NATO na defesa de um dos seus membros, London examina já um leque de medidas retaliatórias que previsivelmente irão de novas sanções económicas e cativação de capitais à expulsão do embaixador até a potencial retirada simbólica do World Cup agendado para terras russa neste Summer. Downing Street promete resposta robusta, requerer o apoio ativo dos Allies e colocará o assunto no UN Security Council. Por apurar está, porém, a real mira nos alvejados Skripal e Salisbury.  — Yet. Even Master Will put the assassin agonizing over the temptation to kill King Duncan in Macbeth: — “If it were done when ’tis done, then ’twere well / It were done quickly: if the assassination / Could trammel up the consequence, and catch / With his surcease success; that but this blow / Might be the be-all and end-all here, / But here, upon this bank and shoal of time, / We’d jump the life to come. But in these cases / We still have judgment here; that we but teach / Bloody instructions, which, being taught, return / To plague the inventor: this even-handed justice / Commends the ingredients of our poison’d chalice / To our own lips...."

 

St James, 12th March 2018

Very sincerely yours,

V.

LONDON LETTERS

 

The hand of God, 2017

 

A mão de Deus passou por Parsons Green Station. Há um bombista incompetente e uma bomba que não mata em mais um ataque terrorista em London. À explosão no metropolitano sucedem gritos e rostos lívidos, pânico e estupefação.

As pessoas abandonam os haveres e perdem até os sapatos ao correr para fora das carruagens apinhadas. Surgem os gestos que ajudam e os que atropelam. O divino desce ali sob a forma dos bons samaritanos. E há ainda aquele British spirit do keep calm and carry on. Um 18th years' old é capturado em Dover.  —  Chérie! Les jours se suivent et ne se ressemblent pas. A Great Repeal Bill passa com confortável maioria na House of Commons, em nova etapa legislativa rumo à separação continental. O Foreign Secretary RH Boris Johnson agita as àguas com um artigo no Daily Telegraph ao recordar causas, formas e finalidades da saída do UK da European Union A Prime Minister Theresa May igualmente prepara memorável intervenção sobre a Brexit, esta semana, em Florence (It)  — Well. Actions speak louder than words. O furacão Maria gira nas Caribbeans. O US President DJ Trump discursa nas United Nations e exorta o Secretary General António Guterres "to make changes.". Em Brussels, o EU Commission President Jean-Claude Juncker reafirma que o reino unido "will regret leaving" enquanto traça uma utópica visão federalista do superestado europeu.

 

Light blue clouds at Great London. O senhor louro puxa da pena e é sempre um imenso alvoroço. Bastam pouco mais de 4,000 palavras espalhadas pela primeira página do Telegraph e eis fresco recentrar do debate em torno do Brexiting. Esta é a primeira intervenção pública de RH B Johnson depois do histórico voto no euroreferendo e um recatado silêncio nas funções do Foreign Office. Ora, Boris escreve a 2017 UK Declaration of Independence. E é o splash quando a direção das negociações eurobritânicas parece rumar para um forçadíssimo consenso balizado por indefinido período de transição com acesso ao mercado único e indeterminado cheque do Treasury pela trela. A dias da Prime Minister May fazer “a major Brexit speech” na cidade italiana filha da Old Rome, ao que se sabe, para detalhar as linhas orientadoras do seu definidor discurso em Lancaster House, o campeão dos Leavers retoma as ideais centrais do argumento que persudiu 17,4 milhões de britânicos a optarem por futuro soberano. Apenas dois sublinhados em peça de leitura obrigatória. O dinheiro dos contribuintes hoje enviado para o orçamento bruxelense será bem melhor aplicado segundo prioridades domesticamente definidas. A permanência do país nas estruturas comerciais ou aduaneiras da Europen Union, seja qual seja o molde formal, fará do voto democrático de 2016 "a complete mockery."

 

As reações às palavras escritas de Boris são tempestuosas. Uns veem na tinta um movimento para publicamente condicionar o Her Majesty Government nas negociações da retirada continental e outros antes aqui vislumbram pé de candidatura à liderança dos Tories. Destaque para a resposta da Home Secretary RH Amber Rudd, e possível rival pelo leme conservador, de o colega intentar a "back-seat driving." Ineludível é a surpreendente vinda a terreiro do ex Mayor of London revelar que a Prime Minister tem tarefa difícil na condução do seu Cabinet. Tal qual inequívoco é, dias depois do incendiário discurso federalista de Mr Juncker no European Parliament, já com trono imperial e exército a 27, Mr Johnson ter injetado um sopro de oxigénio no debate político interno, com uma positiva visão de Britain pós Brexit de novo erguida no meio dos espantalhos semeados pelo omnipresente Project Fear. Ele é o rosto otimista da autonomia, o qual muitos querem apagar num país que há muitos séculos experiencia a vida em liberdade.

 

A semana fica também marcada pela perda de um dos grandes. Parte da existência Mr Peter Hall (1930-2017), o empreendedor que funda a Royal Shakespeare Company em Stratford-Upon-Avon e encenador que dirige o National Theatre em London. O seu nome está indissociavelmente ligado às artes e ao que de melhor há décadas roda nos palcos britânicos, entre Camino Real e Amadeus, da voz de Mr Laurence Olivier, John Gielgud ou Anthony Hopkins ao estilo de Dames Maggy Smith, Peggy Ashcroft ou Judi Dench. Deixa legado valioso e inspirador. — Farewell, gentle Sir. Go by the sun and see Master Will remembering his deep poetry: — “You and I will meet again, When we're least expecting it, One day in some far off place, I will recognize your face, I won't say goodbye my friend, For you and I will meet again."

 

St James, 18th September 2017

Very sincerely yours,

V.

LONDON LETTERS

 

The United Kingdom’s spirit, May 2017

 

Após dias dramáticos de severo alerta terrorista e ainda a processar o massacre dos inocentes em Manchester perpretrado por um jihadista, o reino carry on. Um jovem Brit, de 22 anos, fruto de refugiados do regime líbio de Gadaffi generosamente cá

acolhidos e dado ao consumo de drogas, ruma para o delírio das ‘70 virgens’ enquanto assassina adolescentes e crianças que sorriem no final de um concerto pop na Arena. Entre as vítimas deste “evil loser”, como o reputa o President Donald J Trump, está a pequena Sophie de 8 anos. — Chérie. Qui sème le vent, récolte la tempête. A campanha eleitoral pára por momentos. A apresentação dos manifestos partidários revela a deslocação à esquerda. O Corbynism ganha tração com um líder em Father Christmas mood e radical programa de re-nacionalizações, vasto investimento público e altos salários. — Shocking days, indeed. O French President Emmanuel Macron viaja a Berlin e Moscow para a enésima jura de reforma continental. O POUS faz um périplo ao Middle East e Europe, com paragem em Jerusalem e no Vatican, discursando sobre o Islam e a contabilidade da NATO. A Bundeskanzelrin Frau Angela Merkel anuncia o fim da aliança ocidental e conclui que Europe “must take destiny in its hands.”

 

 

Dark days in the Realm. O ambiente em volta é de alta tensão, entre o choque e a fúria face à matança dos inocentes. O alerta da segurança nacional sobe de crítico a severo, regressando à atual categoria de existir forte probabilidade mas não estar eminente um novo atentado terrorista. Forças especiais capturam uma dúzia de jihadistas em várias paragens, à mistura com detonações controladas em catedrais, casas e centros comerciais. Soldados e polícias protegem áreas sensíveis. Mal refeitos da cadeia de acontecimentos, com um tigre à solta num zoológico de Cambridgeshire e o caos informático a suspender os voos da British Airways em Heathrow e Gatwick, a honorável Press revela a presença de 23,000 extremistas islâmicos na watch list. O número do terror assusta e o clamor popular pede medidas. Afinal, a rede de controlo 24 h+7x7 é perfurada em Manchester, berço do jihadista e geografia aparentemente inclinada a produzir extremistas entre os assíduos da Mosque sem que haja mão nos hate preachers. As ondas de choque face ao Homegrown Jihadism e ao ataque de May 22th continuam a evoluir. O reino reage com as velas e as vigílias, mas há mais. Na internet, de rosto tapado e familiar sotaque, o Isis faz ameaças de morte aos filhos do infidel. Nas ruas questiona-se o… até quando?

 

Já hoje à noite sopra vento de normalidade. A Sky News apresenta o grande debate político das #2017 General Elections. Em estúdio, red-looking, estão Mrs Theresa May e Mr Jeremy Corbyn. É a Battle for Number 10. A segurança é um entre vários temas quentes abordadas num TV show formatado a dois tempos: um após outro, os líderes do Labour e do Conservative Party respondem a questões da audiência (em modalidade Townhall) para depois se submeterem a entrevista com o (not so) temível Mr Jeremy Paxman. Ambos vão bem no geral, mas chegam aqui a diferentes velocidades. Os Tories estão em queda nas sondagens, com a vantagem inicial a cair dos 20% para os 5-8%, após lançarem um manifesto incluindo exigente reforma na segurança social, no meio de cortes nos benefícios e apelos à responsabilidade individual. Os contornos da proposta central são tais que, logo etiquetada pelas oposições de “dementia tax,“ a reação do espetador imparcial é de perplexidade: What are they thinking! Se os Red Tories ousam ir longe de mais na distribuição das libras orçamentais, já o Populist JC Labour tem vento pela popa à custa de querer taxar os ricos. RH Jezza promete agir “for the many, not the few.” Nacionalizará combóios, telecomunicações, correios, água e eletricidade ― mas não bancos. Aonde vai buscar o dinheiro para pagar a fatura? Aos impostos e ao crédito internacional, que o paraíso chaveznista não teme as dívidas soberanas. Só as simpatias de Mr Corbyn &co para com os movimentos revolucionários armados causam inquietação, entre o apoio ao IRA ou a amizade com o Hamas. Faltam 10 dias para a 2 horses race e 21 para o início das negociações da Brexit.

Estes são também dias da partida de Mr Roger Moore, o suave “James Bond” que se aventurou em Portugal. É ainda tempo para um dos meus eventos favoritos na capital: o Chelsea Flower Show. A mostra é sempre uma inspiração para quantos amam o English Garden. Na abertura por lá passam HM Queen Elizabeth II ou Dame Judy Dench. A recreação natural corresponde às expetativas do mais rigoroso dos jardineiros locais. E os Iris Louvois nos London living displays da Royal Horticultural Society apresentam-se gloriosamente surpreendentes em nova coloração. Para a semana, de 7 a 11 June, é a vez do RHS Chatsworth Flower Show em Derbyshire e da tradicional visita à glasshouse com que Mr Joseph Paxton MP em 1836 induz a traça dos Crystal Palaces no meridiano atlântico. — Well. Keep in mind those floral wording of Master Will in A Midsummer Night's Dream: — “I know a bank where the wild thyme blows, / Where oxlips and the nodding violet grows, / Quite over-canopied with luscious woodbine, / With sweet musk-roses and with eglantine: / There sleeps Titania sometime of the night, / Lull'd in these flowers with dances and delight.."

 

St James, 29th May 2017

Very sincerely yours,

V.

LONDON LETTERS

 

Britishness, The Scottish Question and, a black wolf, 27-22 March 2017

 

RH Theresa May atravessa o Hadrian Wall. As tropas do SNP perfilam-se no topo das montanhas.

Está a 72 horas de acionar o Article 50 que abre à saída do UK da European Union. Há dias atrás fala a um reino unido após ataque jihadista às Houses of Parliament. Bastam 82 segundos para semear a morte dos agnelos e a perplexidade face ao mal. —  Chérie. L'intention fait l'action. Os líderes religiosos rezam a um só céu pelos caídos: PC Keith Palmer, Mr Kurt Cochran, Mrs Aysha Frade e Mr Leslie Rhodes. Um português sobrevive ao atentado com ferimentos ligeiros. — Hmm. Where God builds a church, the devil will make a chapel. Northern Ireland vive problemática formação do governo sob encruzilhada constitucional: o consenso DUP-Sinn Féin, a terceira eleição num ano ou a London rule. Já a EU comemora os 60 anos do Treaty of Rome, Capitol Hill declina o Obamacare Repeal do Presidente DJ Trump e Madame Le Pen visita o Kremlin. O Prince George of Cambridge prepara-se para frequentar a Thomas's Battersea School em London. O Ukip perde o seu único MP, com o abandono do partido de RH Douglas Carswell MP sem ida a votos.


Sunny break after the terrible dark clouds at Central London
. O pandemónio vem e vai,  inopinado, deixando um rasto de devastação cujos efeitos silentes ainda germinam. Hoje são as barreiras de segurança erguidas até ao  Windsor Castle. Ontem foi a assombração. Os corpos, o sangue, os disparos, o pânico, os polícias e o selar do perímetro, a reação armada, carros e helicópteros, ambulâncias, angélicos paramédicos no auxílio às vítimas e ao vilão, os heróis acidentais. Destacam-se RHs Tobias Ellwood e Ben Wallace MPs, reconhecidos, celebrados e entrados no Her Majesty’s Most Honourable Privy Council. O ataque terrorista de 22 March no coração de Westminster é  uma voragem do mal e do bem. O black wolf logo é abatido, mas sobejam intermináveis horas de um misto de perturbação nas almas ao olhar o abismo. A expressão da Right Honourable Theresa May tudo compõe, porém, na insigne House of Commons:


“Mr Speaker, yesterday an act of terrorism tried to silence our democracy. But today we meet as normal.” E é a urbana normalidade que abate o fantasma jihadista. O assalto falha tão redondamente que de novo sobrevém desconcerto. Com uniformes a esquadrinhar o país de lés-a-lés em lide da ameaça severa, eis eurófila manifestação de amor na mesmíssima praça onde o demónio, por momentos, andou à solta. A insólita tela diz também algo dos labirintos humanos. Nos portões do palácio, olhando as estátuas dos santos locais, mora uma rosa branca.

Dos valores comuns da Britishness, ”the values we share in our family of nations,” fala Mrs May quando hoje ruma às Highlands. A visita antecede a notificação oficial a Brussels da retirada do euroclube e materializa sensível etapa diplomática para concertar posições entre os quatro povos do reino. Se no plano europeu há que aguardar pelas 12H30 de 29 March 2017, hora e dia apontados para a entrega de carta primoministerial ao EC President Donald Tusk, em simultâneo com a presença da PM nos Commons para informar o país e responder aos MPs pelo ato, na frente interna acaba o 10 de obter imprevista trégua. Por acaso do destino, os trágicos acontecimentos em London congelam o voto do segundo referendo à independência em Holyrood. O compasso de tempo não durará, todavia. Os ecos do encontro com a First Minister Nicola Sturgeon pouco revelam, nomeadamente quanto a devolução dos poderes a repatriar, além de um esfíngico sorriso das duas ladies na foto de família. Em público, discursando no UK’s Department for International Development em East Kilbride, deixa a English Tory mensagem para Scots ouvirem: "[T]his is not – in any sense – the moment that Britain steps back from the world. Indeed, we are going to take this opportunity to forge a more Global Britain. The closest friend and ally with Europe, but also a country that looks beyond Europe to build relationships with old friends and new allies alike. (…) So as Britain leaves the European Union, and we forge a new role for ourselves in the world, the strength and stability of our Union will become even more important "

 

Em momentos pela maioria classificados com um modern hino à Union Jack e aos “shared values of freedom of speech, democracy, respect for human rights, the rule of law,” soberana nota final. Às mãos dos Brits chega a high-tech £1 coin, cunhada pelo Royal Mint em Llantrisant (South Wales) com o quinto perfil de HM The Queen.


A nova libra esterlina apresenta-se inovadora, diferente, com bordo de 12 ângulos, dourada e prateada, mais leve, fina e larga que a good old pound. Às características do design único soma especial minúcia ótica de defesa contra falsários. — Well. After an appalling week, even surrounded by gold and silver, bear in mind that thing of darkness that Master Will talks in The Tempest by the voice of Ariel: — Not a soul / But felt a fever of the mad and played / Some tricks of desperation. All but mariners / Plunged in the foaming brine and quit the vessel, / Then all afire with me. The king’s son, Ferdinand, / With hair up-staring—then, like reeds, not hair / — Was the first man that leaped, cried, “Hell is empty / And all the devils are here."

 

St James, 27th March 2017

Very sincerely yours,

V.

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

 

Hassan Khader

 

   Minha Princesa de mim:

 

   Cheguei ao fim da minha carta anterior a falar-te de noosfera e Teilhard de Chardin. Mas não era o que tinha para te dizer, nem é disso que te quero falar nesta carta. Tampouco irei repetir as minhas considerações acerca da consolidação de poderios financeiros concentrados, a nível mundial, não controlados politicamente, face oculta de um capitalismo que regula os nossos hábitos... Antes te vou referir, Princesa de mim, um artigo publicado no Shaffaf, centro de informação árabe que está na rede, em francês e inglês, com orientação independente. A tese do autor, Hassan Khader, é, em resumo, a seguinte: o terrorismo islâmico não resulta do ressentimento árabe contra o ocidente, antes é consequência do poderio petrolífero. Traduzo alguns trechos do artigo sobre o contágio do homem doente:

 

   Omar Mateen, o assassino de Orlando, que se reclama do Daesh, poderá trazer um número incalculável de votos ao candidato à presidência americana Donald Trump, mas também a candidatos da extrema-direita em vários países europeus. Assim, o Daesh contribui para remodelar o nosso mundo no sentido de inaudita selvajaria, sem fim à vista. E já sabemos que democracia e liberdade, tal como os conceitos de cidadania, igualdade e direitos humanos, adquiridos depois do inferno da 2ª Guerra Mundial, não são irrevogáveis. É certo que há mais de uma matriz do pensamento do Daesh, e podemos mesmo ir buscar as suas raízes a séculos atrás. Mas tal não nos fará desistir da resolução de dizer que o Daesh é, antes do mais, um problema árabe. É um produto do mundo árabe, desse mundo que se tornou no homem doente do nosso planeta. A sua doença afeta a Terra inteira. O fenómeno Daesh não pode ser compreendido se não levarmos em conta, e à cabeça, o súbito sentimento de poderio que os Árabes tiveram com os rendimentos do surto petrolífero (em meados dos anos 70), sentimento que tinham esquecido há séculos. A riqueza petrolífera foi uma viragem. Foi ela que pôs na ordem do dia deles o projeto de islamizar o mundo à força de biliões de dólares e com a colaboração de bancos, empresas, associações, reuniões e conferências, sempre com carácter transfronteiriço.

 

 

   Antes de regressar ao Shaffaf, deixa-me que te diga que tampouco podemos esquecer o ressentimento histórico, não só, nem tanto, o desgosto ou saudade dos passados impérios árabes e do otomano, mas sobretudo o que resulta das ocupações europeias de terras muçulmanas, no século XIX / XX, e, já no XXI, das agressões bélicas nelas movidas pelo Ocidente. Antes deste ter metido o nariz no Iraque, Afeganistão ou Síria, por exemplo, não havia ataques terroristas. Mas tal lembrança não invalida a tese de Hassan Khader que, depois de observar que não houve Daesh durante a guerra da Argélia, nem aquando da ocupação israelita de Jerusalém oriental ou da mesquita Al-Aqsa, nessa cidade, que tanto humilhou o Islão, conclui que isso se deveu a não ser ainda omnipotente o petróleo. Observa ainda como o projeto de islamização do mundo não se afirmou na sequência da derrota na Guerra dos Seis Dias (em 1967), mas depois da "vitória" árabe na guerra de outubro (Guerra do Kippour, em 1973). Os fatores determinantes foram a renúncia do Egipto ao seu papel de líder do mundo árabe, aceitando apenas um lugar secundário, a reboque da Arábia Saudita. E o artigo prossegue assim:

 

   Os iniciadores do projeto de islamização não tinham certamente previsto criar o Daesh tal como este nos aparece hoje. Por isso os seus financiadores e orientadores se viraram contra ele, tal como ele contra aqueles. Isto simplesmente confirma que qualquer projeto de engenharia política e social comporta riscos, a saber, pode escapar aos seus criadores...  

[...] Assim, se o Daesh é um dos resultados do projeto de islamização fomentado pelas monarquias do Golfo, também podemos refletir sobre as razões do seu êxito ideológico e a sua capacidade de recrutar e levar jovens, na flor da idade, a fazem-se explodir no meio de uma multidão. Há, primeiro, a ideia de que o Al-Qaeda e os talibãs derrotaram a União Soviética no Afeganistão (em 1989). Isso concorda com o mito do islão das origens, o tal que derrotou os impérios persa e bizantino. Esta parelha da ilusão afegã e do mito das origens vai inscrever os jiadistas numa história sagrada, que anda a par com a convicção de que se aproxima o fim dos tempos. É o carburante sentimental e simbólico que alimenta todos os movimentos messiânicos. Podemos também atribuir o surto do Daesh à teoria do investigador francês Olivier Roy, segundo a qual a nossa época está marcada pela «santa ignorância», a saber, religiões despojadas do seu contexto cultural e da sua história, conservando apenas uma fé divorciada da cultura.

 

 

Para consultares diretamente o Shaffaf, visita metransparent.com.

 

 

   Camilo Maria

 


Camilo Martins de Oliveira

 

LONDON LETTERS

 

 

Decision Time, 2016 June 23

 

Bandeiras a meio mastro nas Houses of Parliament, flores em Westminster Square e lágrimas nas bancadas dos Commons. Uma branca e outra vermelha, duas rosas assinalam o lugar vazio de RH Jo Cox MP, 42. O choque une as hostes partidárias também num Remembrance Service na St Margaret’s Church, em tributo 

à deputada trabalhista assassinada numa rua de pacata town village de West Yorkshire. A decent, warm and joly person, dizem quantos a conheceram. Também uma defensora da estada do UK na European Union, da liberdade de movimentos e da política de portas abertas. Desconhecida ainda a exata configuração da tragédia, às mãos de um tonto local algures salpicado de fanatismo, cedo há quem não resista a triste, divisiva e oportunisticamente politizar a perda de uma vida na campanha euroreferendária. — Chérie. Avez vous l’esprit de l’escalier? O trovão e a fúria da batalha entre o In or Out baixam de tom. Mas o ar ainda crepita. — Hmm! The choice is ours. As operações antiterroristas, o alarme e o medo sucedem-se no menu mediático. Estado de alerta zune em Brussels e nos estádios do Euro2016. Nos US, um britânico é detido por atentar contra o aspirante republicano na White House Race. Já Mr Donald Trump visita o reino e o NYT faz contas à sua candidatura: dispõe de $1.3 milhões face aos $42m de Mrs Hillary Clinton.

 

 

Wonderful nights and very fine days at Central London. A atmosfera húmida do veraneio assiste à dramática descida da temperatura política, após espessa bomba de fumo lançada por imaginativo Chancellor of Exchequer ocupado em guess £30b work em orçamento post-Brexit. Ora, desde May 11, 1812 que o sangue não perspassa tão intensamente o Palace of Wesminster. A violência é por definição alheia ao regime, mas aqui e ali até as sociedades abertas atemoriza. A competição de visões tem procedimento retórico e protocolo eleitoral do princípio ao fim. Ontem, porém, um negociante ensandece e alveja o Prime Minister RH Spencer Perceval em pleno Lobby da House of Commons. Hoje é uma jovem e ativa deputada, eleita em 2015 pelo Labour Party, a perder a vida às mãos de insanidade assassina. Muito se supôs, diz e escreverá sobre o homicídio executado em Birstall, logo depois da MP open surgery na biblioteca local. No atordoado dia seguinte, entre testemunhos de perturbações e de elos a organizações nazis, um tabloide dispara premeditada bala política na primeira página: “MP dead after attack by Brexit gunman.” A Yorkshire Police dispensa suposições sobre a mente assassina, que guarda atrás das grades. Seja como seja, loucura do presente ou agravo do passado, começa público trabalho das emoções na reta final para o voto que decidirá o abandono ou a permanência do reino na European Union. A tendência altista do Leave cessa de bater nas sondagens e até os mercados acalmam.

 

Imagem perfeita do estado do British public é RH Jeremy Corbyn. O líder do enlutado Labour Party está hoje no primetime da Sky News e todo ele, da voz aos gestos e atitude, denota um desconfortável reluctant Remainer. O próprio admite o que tantos lhe criticam pela quase ausência do debate referendário. As memórias ainda pesam. Também nas Sunday politics, um agora calmo Prime Minister RH David Cameron vivera cena terrífica ao seu EU deal ser comparado no BBC Special Question Time a nenhum outro senão o Munich agreement de RH Neville Chamberlain em 1939. Jez enfrenta exigente audiência de jovens e o mínimo a dizer do teste é ser honesto desempenho. Declara não ser “an lover of the European Union,” antes um internacionalista que equaciona o Yes, Brussels como mal menor - numa “EU that must dramatically change.” Facto incontornável é que, até chegar à red leadership, o senhor era um assumido eurocético. Aliás, a private joke tem lugar no novo blogue do CNC: os dois lados do argumento In/Out vêem Comrade Corbyn como a double agent, dada a tardia mobilização do voto trabalhista. Quando tal pergunta soa, ouve-se mesmo o suave destrunfar - “I’m not going to take blame for people’s decisions - there will be a decision on Thursday.” No mais do espinhoso voto de 23rd June: Only 72 hours to go…

 

 

Uma breve nota sobre a fantástica missão espacial do Major Tom Peake a fechar esta missiva. A garotada, e não só, explode já em curiosidade cosmológica. Oficial do Army Air Corps colocado no ESA’s Centre de Cologne (Germany), o astronauta de Chichester regressa to Earth após seis meses na International Space Station. Desde December que observa o planeta à altura média de 248 milhas e a velocidade tal que completa a circunferência terreal a cada 90 minutos. Com os pés no solo, cedo regista saudades da visão orbitral. O seu rosto denota algo da beleza colhida ao sobrevoar mares e continentes a ritmo diário do ir à lua e voltar. Sorri, em contínuo. — Well! In the sonnet of Lucrece says Master Will something about that heavenly effect: Beauty itself doth of itself persuade, The eyes of men without an orator.

 

St James, 20th June
Very sincerely yours,
V.