Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE TIAGO ARAÚJO 

  


os números


este é o livro da minha descendência:
adelino gerou armindo que gerou adão que gerou
tiago que gerou três. dois deles correm agora pela sala em
perseguições alternadas. o terceiro cresce sem que o
vejamos ainda. somos cada vez mais, embora insuficientes
para substituir os mortos que coleccionamos em álbuns de
família, e por motivos práticos vivemos quase isolados na nossa
felicidade domestica, um sentimento mal recebido pela crítica.
durante a infância ninguém morreu. os corpos
eram retirados do olhar das crianças de forma subtil e
eficaz. chegou por fim o momento de consultar
a conta-corrente, de avaliar os ganhos e as perdas.
um nome por cada nome, numa família em que o
que passou é quase tão desconhecido como o futuro.
fomos trazidos até aqui por uma paixão
quase constante entre os sexos, ao longo de séculos.
e agora, na idade adulta, é a cada dia
que nos vamos aproximando do passado.
pode ter sido muito diferente em outras épocas, mas
hoje é saturno que é devorado pelos filhos enquanto vê
televisão, numa tarde de sábado.


in Respirar debaixo de água, 2013


the numbers


this is the book of my lineage:
adelino begot armindo who begot adão who begot
tiago who begot three. of these, two are now running around the room
chasing each other. the third is growing
still unseen. we are numerous, though not enough
to replace the dead we collect in family photo
albums and, due to practical reasons, we live almost in isolation within
our domestic bliss, a feeling which is not well received by the critics.
no one died during our childhood. corpses
used to be averted from children’s eyes in subtle and effective
ways. the time has now come to look into
the current account, to assess losses and gains.
name by name of a family in which the past
is about as unknown as the future.
we have been brought here by almost constant passion
between the sexes throughout the centuries.
and now, in adulthood, each day
gets us closer to the past.
it may well have been different in previous times but
today it is saturn who is devoured by his children while
watching television on a saturday afternoon.


© Translated by Ana Hudson, 2014
in Poems from the Portuguese 

 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE TIAGO ARAÚJO

  


o lugar do morto


ao teu lado, no lugar do morto, enquanto
conduzes a conversa a uma frase sem
preparação. chegámos tarde à praia,
como a quase tudo. o vento levanta o
pó do parque de estacionamento e não
saímos do carro. não sei a resposta certa
e por isso represento mal o meu papel secundário.
limito-me a ficar em silêncio, onde
sempre me senti mais confortável.
um lugar sombrio, discreto, abrigado
e ainda assim, segundo dizem, o mais perigoso.


in Livre Arbítrio, 2009


the passenger seat


next to you, in the exposed passenger seat, while
you drive the conversation towards a thoughtless
sentence. we arrived late at the beach,
just as for almost everything. the wind lifts
the dust in the parking lot and we don’t
leave the car. I don’t know the right answer
and therefore I perform badly in my supporting role.
I just stay in the silence, where
I’ve always felt more comfortable.
a sombre place, discreet, sheltered
and still, as they say, the most dangerous.


© Translated by Ana Hudson, 2011
in Poems from the Portuguese