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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE TIAGO PATRÍCIO 

  


conhecemos alguém


que nos dirigiu a palavra de outra mesa
e nos estendeu a mão
depois de enrolar o cabelo
preso acima da nuca

nos breves segundos a que temos direito
fazemos um esforço por nos
reconhecermos num livro comum
ou na marca de uma cerveja

pode ser também nalguma citação
ou nome de cidade onde estivemos para ir

trocamos os números de telefone
e outros endereços com o nosso nome
e combinamos escrever em tempo útil

meio ano depois recebemos uma carta
a pedir um poema nosso para ser publicado
numa revista estrangeira

enviamos um poema à confiança
que será encaminhado para uma tradutora oficial
e voltamos a encontrar-nos no lançamento dessa revista
para nunca mais discutirmos poesia ao vivo

da próxima vez serei eu a saldar a dívida
e a fazer o convite para uma colectânea
posso até participar na tradução
para tornar o poema aceitável na antologia
mas numa próxima oportunidade
irei repetir a encomenda

é preciso ganhar créditos
no mercado dos favores literários
por isso coloco sempre uma citação
e uma dedicatória em cada poema
duas cunhas valem sempre mais
do que um pseudónimo certificado


Inédito


you come across someone


who addressed you from another table
and shook your hand
after having tied up her hair
above the neck

in the brief moments we could manage
we make an effort to acquaint
ourselves in a shared book
or in the brand of a beer

or perhaps some quote
or the name of a city we nearly went to

we exchange phone numbers
and other named means of contact
and agree to write in due course

half a year later you get a letter
requesting a poem to be published
in a foreign magazine

you send a poem in good faith
which is to be directed to an official translator
and once more we meet at that magazine’s launch
never to discuss poetry in person again

I pay my debt and in turn
invite her to take part in an anthology
I can even play a part in the translation
but in a future opportunity
I’ll commission her again

it’s necessary to gain credits
in the market of literary favours
and so I write a quote
and a dedication in each poem
pulling two strings is always worth more
than a certified pseudonym


© Translated by Ana Hudson, 2012 Unpublished
in Poems from the Portuguese 

 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE TIAGO PATRÍCIO

  


A caligrafia das aves


As aves marcam o relevo da maré
e a estenografia das horas
Mudam de estação como de idioma
e ondulam pela areia de uma seara

Emergem de vírgulas interiores
e anunciam uma ortografia madura
entre as linhas de continentes decalcados
a tinta impermanente

Têm uma caligrafia acidental em frente ao mar
e uma forma nasalada de dizer
meu pé, minha mãe, meu pão

Escrevem uma carta com sotaque de despedida,
uma interrogação quando podia ser a travessia


in O Livro das Aves, 2009 


Birds’ caligraphy


Birds register the movement of tides
and the stenography of words
They swap seasons like they swap languages
and undulate over the wheat fields’ swaying sands

They emerge from inner comas
and announce a ripe orthography
between the lines of continents
copied in erasable ink

They have an accidental calligraphy at the seafront
and a nasal way of saying
my foot, my mother, my bread

They write letters with a farewell accent,
a question mark on the journey’s prospect


© Translated by Ana Hudson, 2012
in Poems from the Portuguese