Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

De 3 a 9 de dezembro de 2018.

 

A “Suma Oriental” de Tomé Pires (c. 1465-1540) é uma preciosa obra escrita em 1515 a pedido de Afonso de Albuquerque e destinada a ser lida pelo Rei D. Manuel sobre a presença portuguesa na Malásia, no Índico e na Ásia. Merece ser lembrada, a propósito da Exposição do Museu do Oriente sobre “Três Embaixadas Europeias à China” coordenada por Jorge Santos Alves.

 

 

 

AS TRÊS EMBAIXADAS
A Exposição do Museu do Oriente sobre “Três Embaixadas Europeias à China” é um dos repositórios históricos mais importantes no nosso panorama expositivo atual, documentado de modo exemplar – permitindo a compreensão de um relacionamento pioneiro dos portugueses com o Grande Império do Meio. E permito-me destacar o excelente trabalho do Comissário Jorge Santos Alves – bem como a justíssima dedicatória ao Embaixador João de Deus Ramos, diplomata e estudioso, que há pouco nos deixou, e que certamente teria o maior gosto em ver documentados três momentos fundamentais da nossa História. De facto, para quem tenha interesse em conhecer melhor a nossa presença no grande continente asiático, torna-se indispensável ir ao Museu do Oriente – pelo rigor e requinte da exposição aí patente. De que Embaixadas falamos? Da missão papal dirigida por Frei Lourenço de Portugal, embaixador do Papa Inocêncio IV, nomeado em 1245, para ir aos Mongóis e à Ásia, passando pelo próximo e médio Oriente. Infelizmente, não chegou a partir, mas contribuiu decisivamente para a importante Pax Mongólica. Os mongóis tinham chegado a Viena e se é verdade que Genghis Khan morrera em 1227, o certo é que as conquistas dos seus descendentes continuaram, ameaçadoras e imprevisíveis. O que conseguiria essa gente? Havia, pois, que dominar os acontecimentos, prevenindo males maiores. Lembre-se que a partida de Marco Polo só se verificaria em 1271. Contudo, havia na Respublica Christiana a consciência de que haveria que contrariar o expansionismo asiático dos Mongóis. A segunda Embaixada é a de Tomé Pires, em 1517, realizada por esse boticário, quadro administrativo e diplomata – autor célebre da “Suma Oriental” e que se tornaria o primeiro Embaixador de um Estado europeu à dinastia Ming, que governava a China desde 1368. A “Suma Oriental” é uma descrição de tudo o que existia de relevante em política, geoestratégia, religião, antropologia e etnografia. Afonso de Albuquerque enviou essa informação preciosa ao Rei de Portugal. Afinal, Tomé Pires fora enviado para Malaca para fiscalizar os gastos do Erário Público – e por isso vai ocupar-se de um grande inquérito que tem como resultado a “Suma”. Depois é chamado a Goa e informam-no que foi escolhido para formar uma embaixada ao Imperador da China, que leva presentes, como capacetes, espadas, armaduras, mas também coral encarnado… As referências à importância de Malaca e o lançamento de um entendimento duradouro no extremo oriente são elementos fundamentais desse encontro.

 

AQUÉM DAS EXPECTATIVAS
Diz-se muitas vezes que a Embaixada não teve o resultado esperado. Diz-se que teria sido cometido um erro diplomático. D. Manuel trataria o Imperador como seu irmão. Ora, o Imperador da China não tem irmãos, muito menos de um povo distante e bárbaro. O certo, porém, é que a Embaixada de Tomé Pires permitiu uma aproximação entre culturas e contribuiu decisivamente para um melhor conhecimento mútuo. Por fim, falamos da embaixada de Francisco Pacheco de Sampaio, em pleno século XVIII no reinado de D. José, num mundo muito diferente dos dois primeiros, em que a América começa a ser relevante e a África tem de ser referida, nas rotas marítimas para o Índico. Os elementos que encontramos ao longo da exposição são muitas vezes surpreendentes – obrigando a uma visita atenta e circunstanciada. Como disse o saudoso Embaixador João de Deus Ramos no belo catálogo. “Frei Lourenço de Portugal merecia ser melhor conhecido e estudado por ter vivido numa época de profundas convulsões sócio-políticas e por ter estado envolvido em alguns acontecimentos que as determinaram”. O conflito entre o Papa e o Sacro-Império, as tensões entre a Cristandade ocidental e oriental, o fim da dinastia e do califado Abássida em Bagdad – eis o pano de fundo de um momento rico e multifacetado. Apesar de Freio Lourenço de Portugal não ter partido, a verdade é que contribuiu decisivamente para a aproximação em relação à Ásia, e em especial à China. Para Inocêncio IV haveria que compreender as potencialidades de novas culturas e novos povos, para a expansão da mensagem de Cristo.

 

UMA CARTA EXTRAORDINÁRIA
As peças expostas são todas de grande interesse histórico e documental, permitindo-me referir a célebre carta, nunca antes mostrada ao público, do Imperador da China Quianlong para o Rei D. José e que se encontra na Biblioteca da Ajuda. É de 1763 e está escrita sobre seda amarela com decoração polícroma em três línguas: manchu, chinês e português. A carta diz-nos que o Imperador interpreta o gesto cortês do embaixador do Rei de Portugal como uma prova de que há monarcas em terras distantes desejosos de prestar vassalagem periódica a Imperadores do Centro do Mundo. O Embaixador lera tudo o que havia no arquivo real sobre a China. De facto, a Livraria de Mafra estava muito bem apetrechada nesse domínio. A embaixada era composta por 70 pessoas – e foi recebida pelo Imperador três vezes, o que é absolutamente excecional. O Imperador simpatizou, de facto, com Pacheco de Sampaio e pediu que ficasse mais tempo. A carta de seda amarela é um marco extraordinário. Há ainda outros presentes como tecidos, porcelanas, chás e objetos de laca… É verdade que D. José não teria ficado muito agradado ao ser tratado como vassalo, no entanto, o reconhecimento, nos termos em que ocorreu, significa um ato de respeito, que permitiria desenvolver uma relação pacífica. Em suma a Exposição sobre as três embaixadas é uma oportunidade única, para compreendermos a importância do relacionamento pioneiro de Portugal com o Império do Meio. A História faz-se no contacto com a vida quotidiana e com o espírito de aventura!    

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença