Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
A décima quarta edição de “Bibliotecando em Tomar” constituiu mais uma vez uma excelente oportunidade para um debate sobre ideias bem como sobre livros e leitura no tema “Hospitalidade e Hostilidade”.
Maio traz-nos “Bibliotecando em Tomar”. É sempre uma emoção regressarmos às ideias que os livros nos trazem. Este ano ocorreu a décima quarta edição do certame e sentimos intensamente a força da língua portuguesa como expressão viva da comunicação entre culturas que partilham um mesmo idioma. A escritora homenageada este ano foi Ana Paula Tavares e sentimos o calor da sua palavra e do seu afeto, lendo e relendo os seus textos, desde a poesia de Ritos de Passagem até às crónicas amargas e doces de O Sangue da Buganvília, onde sentimos que “somos cada vez mais como as buganvílias a florir em sangue no meio da tempestade”. O tema escolhido para esta edição não poderia ser mais apropriado: “Da hostilidade à hospitalidade – Um Caminho de Paz”. A proposta definida há um ano e anunciada por Agripina Carriço Vieira revelou-se de uma atualidade perturbante. As incertezas, os medos, a violência e o ressentimento assaltam o mundo a cada passo, com uma intensidade inequívoca. O étimo comum das duas palavras, de origem indo-europeia, serviu de mote a uma reflexão séria que obriga a pensarmo-nos como seres humanos com sentimentos contraditórios na relação com os outros. O hóspede e o hospedeiro (host) encontram-se a natural tensão entre quem é recebido e quem recebe, num contexto de surpresa e perplexidade. Com afirma a escritora angolana: “A guerra, o abandono e a fome são o pano de fundo de seres que a terra mãe nem sempre adotou como devia. (…) O rosto mais visível da devastação e da guerra tem olhos de criança, tão grandes e espantados como os símbolos solares das pinturas rupestres mais antigas”. E a presença de Ana Paula Tavares permitiu demonstrar a importância do humanismo no diálogo entre culturas diferentes que se confrontam e completam.
Carmen Tindó Secco e Tania Macedo trouxeram-nos, nesta perspetiva, uma leitura da obra de Ana Paula Tavares assente no apelo permanente a uma fecunda e complexa diversidade, incompatível com qualquer simplificação, desde a arqueologia da vida e da palavra até a um rico universalismo angolanamente sentido. E, na roda do oleiro, a argila amassada simboliza o húmus donde deriva a humanidade. Assim, a reflexão filosófica de José Gil colocou-nos perante o que Derrida considera ser a tensão permanente entre a hospitalidade incondicional e a hospitalidade absoluta, quando entra no nosso desejo o desejo do outro ou quando convertemos o desejo da morte (e da destruição) em desejo de convívio. De facto, a relação entre o hóspede e o hospedeiro é sempre ambígua – porque o estrangeiro é recebido como hóspede ou como inimigo, mercê da desconfiança perante a chegada do outro. E o certo é que a paz perpétua de Kant torna-se irrealizável, abrindo caminho à necessidade de repensar o sistema de relações entre pessoas e culturas, no que podemos designar como reforma profunda da democracia, que permita respeitar as diferenças. Afinal, o outro ao chegar a um novo lugar muda o seu desejo. O hóspede (guest) é refém de quem o convida, tornando-se convidador do convidador, ou seja, o hóspede (host) torna-se o hospedeiro do hospedeiro. E o estrangeiro cristaliza a simbolização o outro. Afinal, todos os homens e mulheres tornam-se estrangeiros, e somos levados a agir perante os outros segundo essa consideração hipotética. Ser amável para com o estrangeiro será assim ser amável para com qualquer pessoa com a qual podemos encontrar-nos. E a hospitalidade revela-se vital como remédio eficaz contra a hostilidade. Estaremos sempre em dívida para com o outro quando o encontramos e a hospitalidade comum jamais é suficiente, tendo de ser analisada na perspetiva da hospitalidade absoluta e da hospitalidade incondicional. E José Gil põe-nos perante o dilema permanente entre os dois termos da situação. Eis como uma aparente contradição assume a naturalidade da imperfeição humana, num contexto de imanência que obriga a cuidar da vontade e da determinação na recusa da indiferença e no compromisso sempre incompleto entre seres humanos livres e iguais em dignidade e direitos.
E ao longo das reflexões que nos foram oferecidas em Tomar em dias de intensa reflexão foi possível afirmar o que José Carlos Seabra Pereira, neste ano de Camões, generosamente, voltou a considerar sobre A Cultura como Enigma, colocando os livros e as bibliotecas na encruzilhada entre as diferentes gerações da humanidade, numa comunicação mágica entre nós e os autores que lemos e ouvimos, que se projeta para além da passagem momentânea do tempo. E poderíamos ouvir, de novo, Ana Paula Tavares a dizer “Não posso escorregar na emoção fácil que a saudade e a distância criam”. De facto, o grande enigma desse grande caleidoscópio que é a cultura e a arte exprime-o Dante no termo da jornada paradisíaca: “ânsias e vontades era a movê-las, já como roda por igual movida, / o amor que move o sol e as mais estrelas”… E celebrar Camões significa compreender a nossa cultura antiga, cujas raízes nos conduzem à atualização permanente e a uma noção de património vivo. E nada melhor do que o prolífero autor de uma lírica inesgotável e atualíssima, duma dramaturgia bem presente e de uma épica que nos faz reviver uma aventura coletiva que ombreia com Homero e Virgílio, com Ulisses e Eneias, para podermos entender o cerne desse enigma inconfessável da cultura. Centrado no triângulo essencial Educação, Ciência, Cultura, “Bibliotecando” pôde ouvir ainda em diálogo vivo os testemunhos de Eduardo Barroso, Pedro Simas e Sandra Barão Nobre pondo a tónica na experiência inesperada de uma humanidade que se confrontou num tempo relativamente curto com uma crise financeira, a ilusão de uma riqueza aparente, e uma inesperada pandemia, com um confinamento longo e angustiante e o surgimento de vacinas eficazes, tudo isso seguido da ocorrência de uma guerra que parece multiplicar-se e da emergência de um populismo que ameaça a racionalidade, a ponderação e a reflexão. Todavia, se a paz perpétua de Kant parece distante – o diálogo entre as culturas revela-se urgente, como bem deixaram evidente, num rico encontro sobre o primado da humanidade, Ana Paula Tavares, João de Melo e Alice Neto de Sousa. E correndo as palavras como as cerejas Ricardo Cruz, Álvaro Laborinho Lúcio, Alexandre Castro Caldas interrogaram-se oportunamente sobre a Inteligência Artificial e o progresso científico. Graça Capinha e Joaquim Arena falaram sobre a Língua como espaço necessário de encontro da Humanidade; além da participação de Marco Daniel Duarte, Rita Gaspar Vieira, Afonso Seixas-Nunes, Isabel Baltazar e Vasco Becker-Weinberg numa convergência da sensibilidade, da arte e da espiritualidade, na vivência da ideia que a Biblioteca mais intensamente nos traz – a conexão entre criatividade e a capacidade de compreender.
Uma biblioteca é a melhor metáfora do mundo. É um labirinto cujos caminhos se fazem de perguntas e respostas. E há um misterioso fio de Ariadne que nos leva em cada estante, em cada livro, em cada palavra à descoberta dos enigmas que nos permitem vislumbrar os contornos dos sentidos que a humanidade reveste. O meu saudoso amigo António Pinto da França telefonou-me um dia a fazer um desafio para um projeto aliciante, que estava em curso e tinha como epicentro Tomar, com o título quase mágico de “Bibliotecando”. Em duas palavras, falou-me com entusiasmo de professores, alunos e comunidade, que colocavam na relação com os livros a raiz de um diálogo entre as escolas e a vida. Embarquei logo, com gosto, nessa nave que continua a fazer o seu caminho, graças a uma equipa denodada e à reflexão sobre os temas mais atuais e pertinentes. Entretanto, o António partiu, mas nunca esqueci as suas palavras de alegria e a sua lição de vida, tão presentes na sua ação e na sua obra histórica, em que os acontecimentos e a sua compreensão funcionam como um modo de ir ao encontro das culturas enquanto expressão plural da dignidade humana. Com Agripina Carriço Vieira, António Godinho ou Célio Gonçalo Marques e uma equipa incansável, os anos foram-se sucedendo com os temas e a preocupação de pôr a diversidade, a complexidade e a incerteza no centro das “leituras em diálogo”. No próximo fim-de-semana, terá lugar a 12ª edição do “Bibliotecando em Tomar” e o tema, escolhido, antes que se pudessem adivinhar os desenvolvimentos de uma guerra absurda como a da Ucrânia foi “Presença e Exílio”. E Alberto Manguel lembrou, invocando Dante, como o exílio de Florença constituiu matéria-prima inesgotável para a criação e para a circulação das ideias. A distância aguça o talento, a lembrança dá densidade aos acontecimentos e a memória revela o sentido das existências.
Muitos argumentos podem ser utilizados para demonstrar a importância da leitura e da relação amorosa com os livros, mas nenhum é tão forte como a compreensão da vida pela sua representação e pela narrativa da existência humana. Somos nós que nos encontramos no relato do combate entre Aquiles e Heitor, na rebelião de Antígona, na armadilha de Ulisses ou na viagem de regresso a Ítaca, além da linhagem de Abraão, Isaac e Jacob, da lição de José do Egipto, da libertação de Moisés ou da dúvida de S. Tomé. Aí está a raiz da literatura, projetada no ciclo bretão do rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda, na “Divina Comédia”, na “Peregrinação”, em “D. Quixote”, mas também em Camões, Shakespeare, Stendhal, Tolstoi, Dostoievski ou Virgínia Woolf ou Thomas Mann… Jorge Luís Borges falou-nos, assim, das “literaturas que honram as línguas dos homens, as filosofias que procurei penetrar, os entardeceres, os ócios, as solitárias orlas da minha cidade, a minha cidade, a minha estranha vida cuja possível justificação está nestas páginas, os sonhos esquecidos e recuperados, o tempo”… O “Bibliotecando em Tomar”, à sombra da história intensa da cidade, faz-nos reviver a justificação das estranhas vidas, dos sonhos, das interrogações e do indefinível tempo. A pandemia, que nos tolheu, revelou a companhia insubstituível dos livros. A guerra, os refugiados, a violência bárbara apelam à importância da leitura, do entrecruzar das culturas e das suas diferenças, que levam a vermo-nos no olhar dos outros. Este ano o “Bibliotecando” homenageia Lídia Jorge e a sua obra, pela riqueza do testemunho e pelo exemplo da relação entre a literatura e o mundo, entre as pessoas concretas e a sua dignidade. Só compreendendo-nos poderemos partilhar a ética da convicção e a ética da responsabilidade. Uma sociedade melhor depende da misteriosa capacidade para dialogarmos com os mortos e com os vivos, em nome do respeito dos vivos, para entender o futuro como fecunda espera.
Temos aqui referido com destaque a politica de descentralização cultural e de património, na conjugação destas duas componentes que convergem mas não implicam obviamente uma comum dimensão temporal, pois o património histórico em si mesmo comporta um significado cultural, mas a cultura tantas vezes se assume e desenvolve à margem de patrimónios específicos.
E isto mais se acentua na ponderação da cultura de espetáculo e dos espaços, modernos ou clássicos que a sua concretização necessariamente envolve.
Nesse sentido, demos aqui notícia do Cine-Teatro Paraíso de Tomar, “herdeiro” de um Teatro Nabantino do século XIX, sucessivamente remodelado em 1920 e em 1948, projeto de Francisco Korrodi, municipalizado em 1997 e reaberto em 2002.
Hoje referiremos o Auditório Fernando Lopes Graça, também situado em Tomar.
E começamos por frisar que o Auditório Fernando Lopes Graça representa, na arquitetura, na evocação e na função, essa convergência modernizante da simbologia e da atividade cultural.
Desde logo pelo património histórico-urbano em que se implanta e na conciliação da sua modernidade arquitetónica com a tradição monumental da cidade. Mas também pela evocação de um nome e de uma obra referencial da cultura portuguesa moderna, o compositor Fernando Lopes Graça (1906-1994), natural de Tomar e figura destacadíssima no meio musical.
Trata-se de um edifício de notável qualidade na modernidade do projeto mas também da abrangência das atividades culturais e pedagógicas desenvolvidas. Na origem encontramos um grupo coral criado em 1980 na Sociedade Banda Nabantina que se constitui em 1982 como Associação Cultural autónoma com a designação programática de Canto Firme de Tomar. Foi reconhecida como Associação Cultural de Utilidade Publica em 1992. Mas vinha de muito antes a sua ação e projeção regional e nacional no plano das artes do espetáculo e da respetiva docência e formação.
Recordemos então os antecedentes culturais da cidade.
Como vimos em crónica anterior, mas é oportuno novamente referir, existe desde os anos 60 do seculo XIX uma tradição de edifícios teatrais em Tomar. Por essa época foi efetivamente inaugurado o Teatro Nabantino com 30 camarotes de 1ª e 2ª ordem, 12 frisas e 126 lugares de plateia. Trata-se então de uma assinalável iniciativa local, que se foi prolongado ao longo do século passado e que agora se reforça no notável edifício do Auditório Fernando Lopes Graça.
E efetivamente, este Auditório Fernando Lopes Graça – Canto Firme , assim conhecido, constitui um conjunto de valências de cultura e de espetáculo, desde logo a partir da sala principal com lotação de 250 lugares e com palco devidamente dimensionado e equipado.
Mas não só: o edifício comportou ainda uma Escola de Música e áreas de atividades diversas de complementação de cultura e convívio especialmente vocacionadas para formação didática e de juventude.
E com destaque para a produção de espetáculos teatrais.
Temos aqui referido com destaque a politica de descentralização cultural e de património, na conjugação destas duas componentes que convergem mas não implicam obviamente uma comum dimensão temporal, pois o património histórico em si mesmo comporta um significado cultural, mas a cultura tantas vezes se assume e desenvolve à margem de patrimónios específicos.
E isto mais se acentua na ponderação da cultura de espetáculo e dos espaços, modernos ou clássicos que a sua concretização necessariamente envolve.
Nesse sentido, demos aqui notícia do Cine-Teatro Paraíso de Tomar, “herdeiro” de um Teatro Nabantino do século XIX, sucessivamente remodelado em 1920 e em 1948, projeto de Francisco Korrodi, municipalizado em 1997 e reaberto em 2002.
Hoje referiremos o Auditório Fernando Lopes Graça, também situado em Tomar.
E começamos por frisar que o Auditório Fernando Lopes Graça representa, na arquitetura, na evocação e na função, essa convergência modernizante da simbologia e da atividade cultural.
Desde logo pelo património histórico-urbano em que se implanta e na conciliação da sua modernidade arquitetónica com a tradição monumental da cidade. Mas também pela evocação de um nome e de uma obra referencial da cultura portuguesa moderna, o compositor Fernando Lopes Graça (1906-1994), natural de Tomar e figura destacadíssima no meio musical.
Trata-se de um edifício de notável qualidade na modernidade do projeto mas também da abrangência das atividades culturais e pedagógicas desenvolvidas. Na origem encontramos um grupo coral criado em 1980 na Sociedade Banda Nabantina que se constitui em 1982 como Associação Cultural autónoma com a designação programática de Canto Firme de Tomar. Foi reconhecida como Associação Cultural de Utilidade Publica em 1992. Mas vinha de muito antes a sua ação e projeção regional e nacional no plano das artes do espetáculo e da respetiva docência e formação.
Recordemos então os antecedentes culturais da cidade.
Como vimos em crónica anterior, mas é oportuno novamente referir, existe desde os anos 60 do seculo XIX uma tradição de edifícios teatrais em Tomar. Por essa época foi efetivamente inaugurado o Teatro Nabantino com 30 camarotes de 1ª e 2ª ordem, 12 frisas e 126 lugares de plateia. Trata-se então de uma assinalável iniciativa local, que se foi prolongado ao longo do século passado e que agora se reforça no notável edifício do Auditório Fernando Lopes Graça.
E efetivamente, este Auditório Fernando Lopes Graça – Canto Firme , assim conhecido, constitui um conjunto de valências de cultura e de espetáculo, desde logo a partir da sala principal com lotação de 250 lugares e com palco devidamente dimensionado e equipado.
Mas não só: o edifício comportou ainda uma Escola de Música e áreas de atividades diversas de complementação de cultura e convívio especialmente vocacionadas para formação didática e de juventude.
E com destaque para a produção de espetáculos teatrais.
Nesta série de evocações e descrições do património arquitetónico de espetáculo, tivemos já ensejo de referir diversos teatros e cineteatros do Ribatejo, utilizando a designação geográfica, urbana, cultural e administrativa tradicional.
Trata-se, bem o sabemos, de uma região com fortes tradições culturais e com significativas expressões históricas e atuais na infraestrutura cultural e de espetáculo, que aqui nos ocupa.
E nesse aspeto, tem interesse registar que na região se registam Teatros, Cine-Teatros, Centros Culturais, edifícios de função e/ou atividade de espetáculo, muitos deles em plena atividade: cite-se, entre edifícios antigos e modernos, os situados em Constância, Entroncamento, Ferreira do Zêzere, Golegã, Mação, Ourem, Rio Maior, Sardoal, Torres Novas, Tomar, alem obviamente da cidade de Santarém.
E muitos deles já foram evocados e descritos nesta série de artigos.
Nesse sentido, tivemos ocasião de referir a renovação empreendida pela Câmara Municipal de Santarém no antigo Teatro Sá da Bandeira, inaugurado em 1924 sobre as ruínas do velho Hospital João Afonso, entanto desativado. A Câmara adquiriu-o e restaurou-o a partir do ano 2000, segundo um critério interessante no ponto de vista arquitetónico e funcional. E efetivamente, renovou-se por completo o interior, alargando, tal como aqui escrevemos, a adequação e diversificação das atividades de espetáculo: a sala propriamente dita, mais uma sala estúdio, mais um piano-bar, mais uma galeria e mais uma sala de convívio. E esta vasta obra de recuperação recuperou ainda o que resta do antigo claustro.
Mas referimos agora outra sala de espetáculos muito mais recente na região. Trata-se do Cine-Teatro Paraíso de Tomar, que recentemente tornamos a visitar e que se mantêm em atividade. O projeto inicial, datado de 1920, é do Arquiteto Deolindo Vieira. “Herdou” a atividade de um então chamado Teatro Nabantino que vinha do seculo XIX. E entretanto existiu uma sala de cinema, desde os primeiros anos do século passado.
O Teatro Nabantino entra em obras em 1920 e dá origem ao Teatro Paraíso, inaugurado 4 anos depois. E este edifício, por sua vez foi remodelado em 1948, agora segundo projeto do Arquiteto Ernesto Korrodi. Funcionou até aos anos 90 e seria municipalizado em 1997: a Câmara reinaugura-o em 2002.
E desde aí está em atividade a contento: e na imponente fachada com varanda e na bela sala, de plateia e dois balcões, valoriza o património e a vida cultural de Tomar.
Em todos os aspetos, é pois mais um execelente exemplo de descentralização.
«A Armadilha Diabólica» de E.P.Jacobs (1962), obra inspirada em «A Máquina do Tempo» (1895) de H.G.Wells, é uma ilustração viva da interrogação eterna da humanidade sobre as utopias e as distopias, que este ano animaram o «Bibliotecando em Tomar», que decorreu entre o MAAT de Lisboa e a Biblioteca Municipal de Tomar e constituiu, na sua oitava edição, de novo um assinalável êxito, graças ao entusiasmo da equipa de António Godinho.
A PAIXÃO DE VIAJAR A ideia de viagem é apaixonante sempre, ainda que a concebamos de um modo que se vai modificando consoante as circunstâncias concretas. Ora ao encontro de outros lugares e outros povos, ora na procura de paragens e tempos misteriosos e exóticos, do que se trata é de compreender a humanidade como realidade multifacetada e inesperada. Viaja-se na procura dos outros e na busca de nós próprios – desde o quarto de De Maistre às fantasias de Mandeville, desde as aventuras reais de Fernão Mendes Pinto ou das imaginárias de D. Quixote, aos périplos de Marco Polo. Quando Thomas Morus nos relatou o testemunho do português Rafael Hitlodeu e da ilha que encontrou, onde a sociedade humana procurava aproximar-se da perfeição, fê-lo menos para apresentar um modelo ou uma construção fechada, mas como a proposta de um horizonte de exigência a considerar pela humanidade. O escritor chamou a essa ilha, propositadamente, Utopia, buscando na etimologia grega a noção do que não tinha lugar – do mesmo modo que nos punha de sobreaviso perante a imaginação certamente fértil do marinheiro. E houve quem tenha contraposto a essa proposta de sociedade porventura ideal o texto do grande amigo de Morus, e também próximo do nosso Damião de Goes, Erasmo de Roterdão «O Elogio da Loucura» (publicado em 1511), cinco anos antes da obra do britânico. Afinal, perante a crítica direta à sociedade em que viviam, Morus optou por fazer a descrição de uma organização que estava nos antípodas da que na prática existia. E, ao ler a «Utopia» lembramo-nos de «A República» de Platão, onde o filósofo grego tinha em mente a conceção de uma sociedade que pudesse obedecer ao domínio das ideias. E invocamos ainda «Timeu» e «Critias», onde o mito é lembrado, como lugar mítico de referência e modelo. E se caminhamos para trás até à antiguidade grega, poderemos ainda andar para diante até 1602 para encontrarmos a proposta de Campanella da «Cidade do Sol», nitidamente inspirada pela mesma ideia de «Utopia». Fazendo a crítica relativamente à sociedade humana, plena de contradições e de imperfeições, podemos ainda dar o exemplo de Jonathan Swift com as viagens de Gulliver (1726-1735), nas quais há uma forte e severa ironia relativamente à sociedade britânica do início do século XVIII. Do mesmo passo, a obra do contemporâneo Daniel Defoe põe o viajante Robinson Crusoe (1719) no centro da reflexão sobre a curiosidade e a adaptabilidade humanas… De facto, sempre a ideia de utopia apaixonou a humanidade, sedenta da busca da felicidade – quer no eterno retorno, como na Atlântida de Sólon e de Platão, quer num lugar distante, quer na dimensão futura do tempo.
UM VIAJANTE DO TEMPO O misterioso «viajante do tempo» de Wells chega por um complexo encadeamento de cálculos matemáticos a uma nave capaz de se movimentar na quarta dimensão, a duração do tempo, até ao ano 802.601, onde à primeira vista parece encontrar-se uma sociedade pacífica e integrada – a dos Elóis, descendentes da humanidade e depositários das suas virtudes. No entanto, depressa se percebe que essa comunidade, complacente e diurna, é dominada pelos Morlocks, que vivem nas entranhas da terra, impõem a servidão e são predadores relativamente a quantos sobrevivem nessa humanidade remanescente. Ora é essa mesma influência de H.G.Wells que encontramos em «A Armadilha Diabólica» de E.P.Jacobs, banda desenhada de culto, da série de Blake e Mortimer. E ficamos sem verdadeiramente saber se o perverso Miloch programou os comandos do célebre Cronoscafo para enviar Philip Mortimer em direção a tempos especialmente perigosos (bem mais próximos de nós do que o tempo dos Elóis e dos Morlocks) ou se se limitou a sabotar o aparelho para fazer desaparecer para sempre o cientista escocês no labirinto do tempo… São as teorias da relatividade de Einstein e a complexa relação espaço / tempo que estão presentes nesta ficção, domínios em que a ciência continua muito interessada… Na pré-história, Mortimer consegue evitar ser engolido por um dinossauro; na Idade Média, em La Roche-Guyon, depara-se com o tempo da Guerra dos Cem Anos e das jacqueries, com os grandes perigos inerentes e na França do futuro encontra um segundo Dr. Fausto, explorador da pirâmide de Keops, inventor do telecefaloscópio e buscador da Atlântida – para não falar da Europa dentro de três mil anos, dominada por asiáticos… A lista de utopias e distopias é inesgotável. A imperfeição encontra a busca da felicidade.
A GRANDE METÁFORA O filme de Fritz Lang «Metropolis» (1927) está bem presente na nossa memória, apesar (ou por isso mesmo) de situado num tempo demasiado próximo de nós, o ano de 2026. É a grande metáfora do progresso e das suas desigualdades que está sobre a mesa. Por seu turno, o «Fausto» de Murnau interroga a precariedade dos desígnios e desejos humanos. A lista das obras literárias, tantas delas trazidas para o cinema, que põem a tónica na contradição entre o desejo de perfeição e a tirania do absurdo é longa e estimulante: Jack London com «Iron Heel» (Tacão de Ferro, de 1908); «Nós» de Eugueny Zamiatin (1924), que tanto influenciou George Orwell quando este nos pôs de sobreaviso em relação aos totalitarismos – em «Mil Novecentos e Oitenta e Quatro» e em «O Triunfo dos Porcos (Animal Farm); «O Processo» de Franz Kafka» (1925); «O Admirável Mundo Novo» de Aldous Huxley («The Brave New World», de 1931), cujo título é tragicamente irónico, já que a sociedade organizada segundo princípios científicos e laboratoriais se torna um pesadelo desumano; «Eu Robô» de Isaac Asimov (1950), «Farenheit 451» de Ray Bradbury (1953), pondo-nos alerta perante a desertificação da leitura e da literatura; «O Senhor das Moscas» de William Golding (1954); «A Laranja Mecânica» de Anthony Burgess (1962); ou «O Caçador de Andróides» de Philip Dick (1968), passado à tela como «The Blade Runner»; até «Neuromance» de William Gibson (1984), uma alucinação coletiva digital, e «Homem na Escuridão» de Paul Auster (2008), relato de uma trágica fragmentação de uma América em guerra consigo própria… A busca da felicidade, do respeito mútuo, do desenvolvimento, da paz estão bem presentes – num apelo constante para que nos compreendamos melhor.
Venho a escrever-te cartas afinal respeitantes à nossa experiência de uma "aventureira" visita aos monumentos dos Templários em Tomar. Sai-me tudo de lembranças que tenho e guardo, mas vou sempre procurando encontrá-las também em escritos pertinentes a outras memórias, que sustenham e sustentem as minhas. Assim me funcionou, desde há muito, o espírito: não tem relação com a realidade, que não passe pela memória. Terei de me explicar melhor - se o conseguir - sobre o que aqui quis e acabo de dizer. E do meu receio tão íntimo: será que a nossa cultura hodierna - a do esquecimento por desenfreado apego à novidade - poderá acabar connosco? Isto é: estará cada um de nós condenado a desaparecer, ou seja, a olvidar-se, a já não saber situar-se, só por ignorar o passado e ser projetado no que acaba de se inventar na história e que nunca aconteceu, e apenas calha agora imaginarmos... Estaremos, dia a dia, a criar notícias que pareçam factos? A consciência do nosso passado - ou, simplesmente, da representação dele que nos foi transmitida - também nos constitui, na cultura onde nascemos. Dá-me, por vezes, amargo riso, Princesa, ver como tanto se desautorizam tradições antigas que, se bem lidas, podem ser documentos úteis ao nosso entendimento da vida e da cultura dos nossos tempos idos e do nosso atual, e em vez delas, sofregamente se devoram narrativas sem qualquer fundamento além da sua própria fantasia, nem outro objetivo além da sua pretensão, pseudocientífica, a baralhar, confundir e destruir memórias. Pode haver passado e passado, isto é, factos ocorridos e narrativas da sua tradição. Mas estas também são passado nosso, são a nossa cultura, aquilo que os nossos antepassados, em gerações sucessivas, nos foram transmitindo. São parte do ar que respiramos. Não te quero dizer com isto que abandonemos a investigação histórica e arqueológica, isto é, a busca do apuramento possível das realidades factuais que sustentaram aquelas narrativas. Antes pelo contrário, tal demanda ajudar-nos-á a entender melhor o significado, sentido e mensagem, das tradições acolhidas. E, quiçá, a separar, na nossa cultura, o trigo do joio, ou seja, a bondade do preconceito. Recebemos uma história, que também é uma certa visão do mundo. Podemos e devemos interrogá-la, procurar-lhe os fundamentos. Mas não podemos rescrevê-la ao sabor dos nossos desejos ou fantasias.
Não se inventa a história, o passado é incorrigível. Podemos, quando muito, procurar conhecê-lo e reconhecê-lo melhor, mas não temos o direito - penso eu, com o coração, Princesa -de pôr lá o que lá não esteve. Quem, através de exercícios pretensiosamente cabalísticos, sem qualquer análise nem fundamentação, pretende substituir trabalho sério por invenção leviana, antes pensasse em escrever só pura ficção, dessa que pode ser romanesca, policial, política ou "científica". Divertir e fantasiar não é crime nem maldade, muito pelo contrário. E até pode ser uma forma de nos interrogarmos sobre o sentido e saúde mental do que, por aí, com muita distração, se vai pensando acerca da vida e do mundo, de nacionalismo, democracia, economia e justiça, por exemplo. Aliás, curiosamente, essas novelas, escritas e filmadas, que se multiplicam na suposta "revelação" de segredos e escândalos, talvez não passem, também, de manifestações da corrente idolatria do dinheiro e da fama: vendem-se...
Mas enfim, Princesa, isto talvez seja rezinga de velho relho, está despachado o desabafo. Por feitio, ou por ter chegado a idade menos paciente para certos arroubos, borbulho com o frenesi dos que, com pouco trabalho e nenhum estudo, proclamam verdades secretas, sensacionais descobertas e novidades. Tal como - várias vezes te lo disse - embirro com os chamados (erradamente, penso) fundamentalismos, na medida em que se definem por uma obsessão com os limites de um campo de consciência. Porque, afinal, me faz pena que uma geração não saiba usufruir de uma imensa riqueza cultural, saborear as diversas versões de factos históricos, ideias concordantes e discordantes, debates e discussões, toda uma procissão de gentes como nós que se puseram em busca, e nos deixaram sinais na estrada...