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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


178. VÍTIMAS “INDIGNAS” E “DIGNAS”


Há pessoas que têm opiniões cruéis sobre as vítimas de países cujas políticas ou líderes não aprovam, distinguindo entre vítimas “dignas” e “indignas”.       


As “indignas” são as que “estavam a pedir isso”. Ou que “estavam a jeito”. 


É inaceitável que alguém não tenha empatia e haja ausência de solidariedade, por exemplo, pelas vítimas dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, dos atos de terrorismo e crimes de guerra cometidos na Ucrânia e Médio Oriente, pelo atentado extremista contra civis, em Moscovo, em 22 de março de 2024.   


Aquando do ataque de Nova Iorque, com milhares de mortos, houve quem fosse a favor, aceitando a vingança muçulmana, pois os Estados Unidos “estavam a pedi-lo”, o que foi tido como uma resposta a guerras de um intruso poder dominante em várias zonas do globo, agora atacado no seu solo.


Também há quem pense que os assassinatos de civis em Bucha, Mariupol e outras regiões da Ucrânia, são um mal menor ou “vítimas indignas” de um conflito entre a Ucrânia e a Federação Russa, em que não há agressor nem invasão, ou se desculpa quem agrediu, porque outros também agrediram.


De igual modo não há equidistância quando não se expressa a mesma dor ou preocupação perante vítimas civis israelitas, cristãs, árabes, palestinianas, ou quaisquer outras, assassinadas em igualdade de circunstâncias, apenas para nos vingarmos, por razões meramente ideológicas ou preconceitos, do antiamericanismo, do alegado imperialismo americano, da russofobia, do falado imperialismo russo (ou outro), por antissemitismo e sionismo em relação aos judeus, por indiferença ou ódio pelos mais fracos. Ou mesmo por simples simpatia, por convicção ou não, de que os mais pobres ou oprimidos (eternos bons selvagens?) têm sempre razão sendo, nessa perspetiva, mais “dignos”.


Há que saber distinguir os momentos em que se impõe exprimir condoimento, consternação, humanidade, misericórdia e solidariedade para com todas as vítimas, iguais na sua dignidade, dos momentos em que é necessário contextualizar para tentar explicar.


Há ocasiões em que é insensível atribuir a morte desumana daquelas pessoas à mera política externa dos Estados Unidos, da Rússia, da Ucrânia, de Israel, dos países árabes, ou a quem quer que seja, no seu sentido mais lato e abstrato, e não aos seus autores e perpetradores, sob pena de agravarmos a mágoa e o ressentimento, desculpabilizarmos o terrorismo e fazermos a apologia, mesmo que inconscientemente, da existência de vítimas “indignas” e “dignas”.     


Tem que haver lugar para a neutralidade quando se justifica, não podendo haver vítimas “dignas” e “indignas”, dado que não pode haver precedentes morais para o horror, a violência pela violência e porque os outros fizeram igual ou pior. 


07.06.24
Joaquim M. M. Patrício