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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Jacques Tati e a vanguarda do século XX.

Como foi visto na semana passada, os filmes de Jacques Tati abrem os nossos olhos para o potencial cómico da realidade quotidiana. 

No livro ‘PlayTime. Jacques Tati and Comedic Modernism.’ (2020), Malcolm Turvey escreve que a ambição principal de Tati é a de nos ensinar, durante a duração de um filme, a perceber a própria vida, com mais alegria e poesia (e não importa o ambiente em que se vive) - porque se estivermos atentos o suficiente, estas podem ser encontradas em toda parte, a qualquer hora. 

Por isso, para Turvey, Jacques Tati partilhava interesses com grande parte da vanguarda do início do século XX, cujo objectivo era o de organizar uma nova aproximação à vida com base na arte. Tal como os dadaístas, surrealistas e outros grupos da vanguarda, Tati anseava por transformar a própria vida quotidiana, ao questionar a racionalidade do quotidiano burguês. Turvey argumenta que a pretensão vanguardista de Tati é a de superar o abismo entre a arte e a vida. Tati impregna e tenta curar o mundo e a vida, com comédia, para além da sala de cinema. 

“Deskilling, defined as the ‘persistent effort to eliminate artisanal competence and other forms of manual virtuosity from the horizon of both artistic production and aesthetic evaluation’, has been a major strategy in twentieth-century modernism, exemplefied, for example, by Marcel Duchamp’s usage of ordinary, found objects such as a urinal or bicycle wheel (readymades) as art works, or the Cubists’ incorporation of newspaper cuttings into their collages.” (Malcolm Turvey, 2020, p.100)

Tati faz assim desaparecer o comediante profissional. E tal como Duchamp e os cubistas ao usarem objectos do dia a dia, Tati usa incidentes cómicos, não intencionais, para (re)direccionar a atenção do espectador para o potencial cómico que existe já no mundo real à sua volta. 

Com Tati, aprendemos que a vida não é perfeita, imaculada e estruturadamente encenada. Tati cria os seus filmes de maneira a que todos os personagens sejam únicos e autênticos, mesmo quando se situam numa sociedade inautêntica, hostil e mecânica. 

Tati defende o verdadeiro indivíduo que não se automatiza, que hesita, que se engana, que continua livre e que aproveita todos os momentos para introduzir outras dimensões à vida através das imperfeições que o rodeiam constantemente. 

Tal como John Cage, Tati desejava que o verdadeiro espectáculo se iniciasse assim que os espactadores abandonasssem a sala de cinema, porque agora sim se encontram renovados e com um novo olhar sobre as coisas, os sons, os outros e o mundo.

“What I like is to observe the people because I do feel that in life, if you do watch all around, you begin to see the little everyday things in life that are unique in themselves (...) And what I have been trying with Hulot is to show that the things that happen to Hulot are the things that can happen to everybody. Not just to invent a gag for the audience - to be a good gagman - but to just show that this character, even waiting for an autobus, something unique and funny can happen to him.” (Malcolm Turvey, 2020, p.101)

 

Ana Ruepp

 

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

 

I - VANGUARDAS ARTÍSTICAS DO SÉCULO XX

 

ENQUADRAMENTO

1. A arte oficial entendia a obra de arte como uma cópia fiel da realidade. O advento da fotografia, imitando fielmente a natureza, numa multiplicação de imagens reais, libertou a pintura dessa função.

 

Libertando-a da necessidade de copiar ou imitar a natureza, a obra de arte autonomizou-se, emancipou-se, ganhou força própria, uma linguagem específica.

 

Sempre existiu um processo de destruição da imagem artística tradicional, mas é com  os vanguardistas que atinge o seu auge no século XX, nomeadamente com os pintores, que negam a tradição, a academia e os mestres, rompendo com toda e qualquer norma estabelecida.

 

Avant-garde, designação dada, em linguagem militar, aos soldados que combatiam na primeira linha de combate, começou mais tarde a designar, em França, anos antes da primeira guerra mundial, os que lutavam e queriam transformar a sociedade, no campo das artes, contra os academismos vigentes, pretendendo ser uma guarda-avançada ou movimento vanguardista de um novo processo criativo de criação artística em liberdade, numa procura permanente de novos materiais e técnicas.

 

Este movimento cultural e artístico, de caraterísticas avançadas, inovadoras e modernistas, não se confinou à pintura, mas por uma união das artes em geral contra a tradição, tida como impeditiva do progresso e da evolução, dado que as mesmas regras se aplicam ao cinema, ao teatro, à escultura, à arquitetura, à literatura.

 

Pela experimentação constante, que lhes é inerente, são efémeras, uma vez que ao romperem com o passado, inventam o futuro, protagonizando uma revolução plástica incompreendida e pouco inteligível para a época, tornando-se elitistas, nos primeiros tempos, sendo assimiladas, com o decurso temporal, por muitos daqueles que antes as tinham criticado.

 

Havia o culto de uma vida excêntrica, de pessoas tidas como não comuns que viviam a vida no limite. Era uma espécie de novo Renascimento, em que o artista livre vive o momento presente em liberdade, espontaneamente e sem constrangimentos, sem planos ou planeamento.

 

ESCOLA DE PARIS E VANGUARDAS HISTÓRICAS

2. Distinguem-se, nas primeiras décadas do século XX, as vanguardas históricas. Desde o fauvismo, ao expressionismo, cubismo, simultaneísmo, abstracionismo, futurismo, neoplasticismo, construtivismo, suprematismo, dadaísmo, pintura metafísica e surrealismo, onde a rutura com os velhos conceitos estéticos passa essencialmente pela inovação do não figurativo ou abstrato.

 

Dominava a Escola de Paris, com Picasso, Braque, Chagall, Modigliani, Pierre Mondrian, Pierre Bonnard, Matisse, Juan Gris, Robert e Sonia Delaunay, Fernand Léger, Picabia, Max Jacob, Utrillo, Soutine, Jean Cocteau, Miró. Com a grande criatividade e depuração de Brancusi, na escultura. Com a música de Debussy, Ravel, Satine. E Heminguay, Scott Fitzgerald e Gertrude Stein, todo um areópago de gente que dispunha de salões onde se reuniam e conversavam sobre todos os temas artísticos.

 

Criando, inovando, amando, bebendo, fumando, divertindo-se, escandalizando, trabalhando, estudando, vivendo e fazendo-o com gosto. Numa libertação de costumes, vida boémia, experimentação, inspiração e intuição. Até ao limite. Por isso alguns não resistiram. Com influência na primeira geração do modernismo português, nomeadamente em Amadeo de Souza-Cardoso, Santa Rita Pintor e Mário de Sá- Carneiro.

 

Sem esquecer uma literatura experimental que antepunha a originalidade à perfeição, onde impera, como vanguarda, o expressionismo alemão, com Brecht e Kafka. Nos anos 30 e 40 surge a tendência literária existencialista, com Sartre, Camus, Simone de Beuvoir.

 

ESCOLA DE NOVA IORQUE E VANGUARDAS MAIS RECENTES

3. Depois da segunda guerra mundial, com a ascensão da Escola de Nova Iorque, surgem as vanguardas mais recentes. Após a literatura e a arquitetura, é a vez da pintura alcançar a sua maturidade, libertando-se dos modelos do Velho Mundo, tornando-se uma verdadeira declaração de independência da arte americana. Os artistas nova-iorquinos coabitam com os colegas europeus, em fuga da segunda guerra mundial com destino aos Estados Unidos. Não os vemos apenas a criar, mas também a socializar uns com os outros. Numa nova e permanente experimentação, em que a dúvida e a busca permanente geram sempre qualquer coisa.

 

Na pintura surge a expressão action painting, designando os pintores do expressionismo abstrato. Exaltou-se o ato de pintar em si, excluindo a figuração e valorizando o gesto e o tratamento expressivo da matéria. A tela não é tida como um espaço para reproduzir ou exprimir um objeto, mas como o teatro de uma ação. Os trabalhos de Pollock são criados por gotas de tinta ou por tinta atirada à tela. Incentivaram-se as pinturas murais, mas também as artes gráficas, a fotografia, a música e o teatro. Sobressaiem nomes como De Kooning, Arshile Gorky, Gottlieb, Hans Hoffman, Franz Kline, Jackson Pollock, Mark Rotcko, Clyfford Still, Mark Tobey, Helen Frankenthaler. Sem esquecer, como colecionadora e mecenas, a extravagante Peggy Guggenheim.

 

A que acresce, na cena europeia do pós-guerra, a nível da pintura, o tachismo e o informalismo. Na escultura, Giacometti e Calder.

 

A que se seguiriam a arte pop, a inglesa, mais intelectual, e a americana, mais popular. Utilizando imagens e objetos ligados à comunicação de massas e à vida quotidiana, onde se distinguem os norte-americanos Oldenburg, Segal, Rosenquist, Roy Lichtenstein e Andy Warhol.  

 

Sem deixar de lado o novo realismo, o neodadaísmo, a op art (arte ótica), o minimalismo, a arte conceitual. E a arte do corpo (body art), ao fazer do próprio corpo humano o objeto da arte.  

 

07.03.2017 
  Joaquim Miguel De Morgado Patrício