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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

  


À noite, no arraial, era agosto a dançar na ideia dos beijos de setembro. Ah! setembro na vindima!

Bastava a ideia para o cansaço se evaporar.

Eram jovens ainda

e no calor do contacto entre eles, sumia-se o sono das ave-marias, e que o terço durasse o que durasse

para que as folhas das videiras pudessem ter tempo de rogar por um escondido tão escondido,

que aquele cacho de tão belo e grande e sumarento,

ninguém o cortaria não,

pois era amor, era desejo, era deslumbre, tudo confessado em redondo,

e era vinho que de tão santo era capaz de muito,

e como amor com amor se paga,

na véspera de uns meses depois, o anúncio de que haveria no ano seguinte um Natal com o rosto universal de mais uma vida.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

E AGOSTO SOSSEGAVA


As festas nas aldeias de então eram festas noivas, e deixavam no ar o acolher das uniões futuras, que seriam marcadas depois das vindimas.

A certeza das uvas compreendia as consequências dos seus encantos, mais relevantes do que nunca, a cada apanha.

O Douro, uma ideia de visual vivo, tinha a sua teoria: o caminho não se explica.

A magnífica obra da odisseia de cada um, imaginava um futuro que podia emigrar para qualquer mundo, movendo-se ou não.

Neste extraordinário cenário, também havia o cesto com o pão e o chouriço, e às vezes, o queijo, que chegavam para dar força aos músculos das costas que carregavam o grande peso dos cestos das uvas, encosta acima, e tinha de chegar, este conduto, até à memória dos dias e noites de frio de inverno e de doridas fomes que teriam lugar.

Também os beijos de agosto e de um setembro a iniciar-se, descobriam detalhes-maravilha que se não contavam, mas que acordavam o coração.

Chamem-lhes o que quiserem que nada muda: são beijos, quando ali, naqueles momentos, nunca nada mais morrerá.

Entre agosto e setembro que espreita, os sonhadores saem da vigília e cumprem-se. É tudo.

Era sempre assim: instantes que se preparavam; instantes que se seguiam, mundos nunca parados, horas, passos, abraços, vozes, inexaustas energias, cada um no seu instante de começo

ou de abandono ao fogo.


Teresa Bracinha Vieira