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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CENTENÁRIO DA “ZILDA” DE ALFREDO CORTEZ


Vale a pena reinvocar aqui e agora o centenário da “Zilda” de Alfredo Cortez, pois a peça, como já temos referido, constitui a primeira grande afirmação teatral do autor, abrindo assim uma carreira de criador/produtor teatral de relevo na projeção da modernidade, que se mantém como tal, da criação dramática, repita-se, do autor mas também a sua moda, da renovação/modernização do teatro em Portugal.


Sendo certo, note-se, que a “Zilda”, então a primeira peça de destaque criativo do autor, o que lhe garante uma indiscutível relevância, não envolve em si mesma sinais da modernização que, a partir daí, iria marcar a época e a obra de Cortez: e como bem sabemos aí se marcaram sinais evidentes de renovação/modernização do teatro em Portugal.


Porém, a esse propósito, há que referir que a dramaturgia criada por Cortez, sendo assinalável nos sinais de modernização, em muito transcende o sentido de renovação dessa obra, que como bem sabemos e tantas vezes temos referido, marca mas não esgota a inovação/renovação do teatro em Portugal.


E de qualquer maneira, a “Zilda” constitui simultaneamente a primeira grande afirmação dramatúrgica do autor e como tal, um dos valores referencias do teatro em Portugal, e isto não obstante a proximidade de um certo estilo simbolista que se por um lado não atinge a grande afirmação dramatúrgica do autor e como tal um dos valores referenciais do teatro em Portugal. Isto, não obstante a proximidade a um certo estilo simbolista, que se por um lado não atinge a qualidade indiscutível de obra global de Cortez, por outro lado afirma e testemunha a qualidade e modernidade da sua produção dramatúrgica.


E isso pois, sobretudo porque, tal como escrevemos na “História do Teatro Português”, e em “Alfredo Cortez _Teatro Completo” o teatro de Cortez visa o ser humano a psicologia e a ética.


E transcrevo uma passagem.


Pois digo que o teatro de Alfredo Cortez visa o homem, a psicologia, a ética do ser consciente. Visa a sociedade, os grupos em presença, os entrechoque, as interdependências e oposições, as paixões. Visa sobretudo a sociedade dinamizada, movimentada pelos fluxos e refluxos, pelas forças e contraforças que o próprio homem faz desencadear. O teatro de Alfredo Cortez é um teatro social. E, nessa medida, é um teatro ético, pois, expressa ou tacitamente, direta ou indiretamente, o autor sempre lhe imprime a solução da sua consciência e da sua coerência...


E acrescentamos agora uma citação de Luís Francisco Rebello na “História do Teatro Português”:


“Lúcida e amarga, rigorosa e linear na sua quase ascética expressão, a obra de Cortês sobressai de entre a produção representada nesses palcos no período demarcado pelas duas guerras.  Zilda e, dois anos depois, O Lodo, (que todas as empresas recusaram e foi posta em cena pelo próprio autor), a primeira situada no meio da alta burguesia, a segunda num prostíbulo, são como que as duas faces, igualmente sórdidas, da mesma medalha, completando-se uma à outra na denúncia implacável do escândalo de uma sociedade que fomenta e permite os próprios vícios que farisaicamente condena”.


E segue uma apreciação das outras peças de Alfredo Cortês: “À la Fè”, “Lourdes”, “O Ouro”, “Domus”, “Tá-Mar”, “Saias, “Baton”… E acrescento “Gladiadores” e  as comédias  “Modema”  e “La-Lás”.


E iremos ainda acrescentar uma longa apreciação de Luciana Stegagno Picchio citada no livro “100 Anos de Teatro Português” de Luís Francisco Rebello:


“No drama simbolista de Cortez confluem o expressionismo alemão, o surrealismo francês e o experimentalismo de Pirandello (as personagens – 10 homens e outras tantas mulheres - são chamados a atuar, diferenciando-se segundo as necessidades do drama), bem como o grotesco à Raul Brandão. Mas o que há sobretudo é a ironia do Cortez intelectual, que sabe não poder ser compreendido por um público até aí fiel e que não quer fugir à experiência do insucesso”.   


E muito mais  haverá sempre a dizer acerca do teatro de Alfredo Cortez!

DUARTE IVO CRUZ

OUTRA EVOCAÇÃO: O CENTENÁRIO DA “ZILDA” DE ALFREDO CORTEZ


Há situações cronológicas que justificam referências adequadas à celebração respetiva. Temos aqui evocado datas e situações referenciais do teatro português e nesse sentido, justifica-se agora esta  breve referência aos 100 anos da primeira peça relevante da obra renovadora de Alfredo Cortez: a “Zilda” (1921) onde se verifica o início da obra teatral deste autor, hoje de certo modo esquecido mas que marcou, numa criação vasta e renovada, o teatro português moderno e modernizante, a que já temos feito numerosas referências.


Isto, tendo presente não só a existência de peças anteriores como sobretudo as alternâncias sucessivas da sua obra de criação dramatúrgica. Pois em rigor, a “Zilda”, datada como acima se disse de 1921, constitui a primeira grande obra de criação dramatúrgica do autor, que viria a marcar a qualidade renovadora e heterogénea ao teatro português da época moderna.  


Antes e depois desta peça, tanto a obra dramatúrgica do autor como a renovação moderna epocal, que em muitos aspetos de qualidade se impõe e como tal dura até hoje, merece esta referência cronológica: e a “Zilda” cumpre em rigor um século, desde a sua criação.


Antes disso, houve obviamente peças de renovação estética: e o realismo dominante da obra de Alfredo Cortez teve antecedentes e sobretudo uma continuidade autoral renovadora, variada mas sempre, insista-se, dominante. Alfredo Cortez é realmente um grande autor criativo da modernização do teatro português, e diversíssimas expressões da sua vasta obra cobriu e em não poucos casos renovou, desde o realismo naturalista até ao expressionismo.


Dessa heterogeneidade criativa temos muitas vezes feito análise, dando o devido destaque à sucessiva inovação/renovação, em si mesma autónoma na criatividade pessoal: pois com isto queremos frisar a inesperada renovação de certas criações deste teatro vindas de quem marcou a história contemporânea e não só do teatro português.


Precisamente, como já se disse, celebra-se este ano o centenário da primeira grande  peça de Alfredo Cortez, a  “Zilda” que concilia o realismo crítico e adequado ao ambiente cénico dominante como certa linguagem próxima do simbolismo; o que não colide, insista-se, com o realismo dominante nesta peça iniciática.


E é de salientar então que Alfredo Cortez marca a modernidade do teatro pela qualidade cénica e pela heterogeneidade de certo naturalismo dominante até a expressões à época inovadoras, desde o realismo até ao expressionismo, então muito pouco evocado na criatividade modernizante do teatro português…


E é oportuno lembrar que a “Zilda”, insista-se, primeira peça  de Cortez, desde logo revela um sentido cénico-literário bem próprio do teatro realista e que Cortez concilia com o âmago simbólico do entrecho e da linguagem e sentido de espetáculo, que manifestará ao longo de vasta e diversificada dramaturgia por ele criada: e não é então demais novamente evocar aqui e agora as variantes dessa longa produção dramática que se desenvolverá até 1940 com a “Moema” mas se prolonga ainda mais dois anos com o guião e diálogos do filme “Ala-Arriba” de Leitão de Barros.


E esta evocação justifica realçar a adaptabilidade de Alfredo Cortez a expressões diversas e à época menos cultivadas por ligações à cultura do espetáculo em si…


Realçamos, para terminar, que a última peça completa de Alfredo Cortez, abre portas a uma perspetiva de renovação que não concretizou pois insista-se, “Moema” foi a última peça completa do autor.


E registe-se que a “Moema” reflete, na temática e no ambiente a experiência africana do autor, que exerceu atividade judicial em Angola. É interessante essa convergência, que aliás está subjacente ao conjunto do seu teatro socio-realista.


Em qualquer caso, a evocação do centenário de Alfredo Cortez marca a qualidade que o teatro português alcança através da produção literária e de espetáculo de certos autores.


E vale a  pena então lembrar que se trata de uma época em que o teatro servia muitas vezes de “escapatória documental” de situação sociais então muito marcadas pela política: isto, independentemente das opções ideológicas e/ou efetivamente exercidas pelos escritores e sobretudo dramaturgos da época, que não tinham,  longe disso como bem sabemos, a atividade criacional facilitada e divulgada. Para não falar também na censura direta aos espetáculos, que não motivava a criatividade…


Sendo certo que Alfredo Cortez nesse aspeto teria sido menos prejudicado do que tantos outros!


Em qualquer caso, o que importa agora é destacar e evocar a qualidade genérica da sua obra. A ela voltaremos.

 

DUARTE IVO CRUZ