Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

TRINTA CLÁSSICOS DAS LETRAS

 

"O LEOPARDO" DE LAMPEDUSA (XII)

 

Quando Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1956) morreu ninguém suporia que, poucos anos depois, graças ao romance que tinha deixado escrito se tornaria um dos mais celebrados autores do seu tempo – cronista inesgotável dos tempos atribulados da unificação italiana. E foi Luchino Visconti (1906-1976) o grande responsável pelo estrondoso sucesso de “Il Gattopardo” (“O Leopardo”, Feltrinelli, 1958) com o genial filme de 1963, recriação e releitura de uma obra inesquecível. A epopeia do romance liga-se à decadência da antiga aristocracia siciliana e à ascensão da nova burguesia, que aproveita o “Risorgimento” para se afirmar e singrar. A decadência é sempre um tema fecundo para a literatura, como vimos em Faulkner. Lampedusa atém-se, com especial ênfase, ao primeiro elemento (que conhece bem, por via familiar), enquanto Visconti prefere dar destaque ao confronto de classes e ao novo compromisso de uma nação que nasce. Dir-se-ia sem grande margem de erro que o Príncipe Fabrizio de Salina que nós conhecemos (e que associamos à efígie de Burt Lancaster) resulta de uma sobreposição entre dois registos autobiográficos, o de Lampedusa e o de Visconti. O livro e o filme tornam-se, assim, inseparáveis. Quando lemos um e vemos o outro temos a sensação de que estamos num vai-e-vem que nos remete constantemente de um para o outro. Assim, Visconti foi fiel ao essencial do romance. E se Lampedusa não pôde ver o sucesso do seu livro, e muito menos o filme, o certo é que, revisitando o livro, vemos que há um fluxo natural entre a obra e a sua ilustração. Estamos em 1860, no penúltimo capítulo da unificação italiana, antes da conquista dos Estados pontifícios (1870). Os Bourbons - Duas Sicílias, de Nápoles, representam o absentismo e as conceções arcaicas e ultrapassadas sobre o mundo. O exército de Garibaldi e da unificação italiana, a juventude revolucionária sob a égide do Piemonte de Victor-Manuel de Sabóia e de Cavour, trazem uma outra mentalidade e nova gente. Um soldado aparece morto na propriedade dos Salina. O facto interrompe a oração da família, que a princípio parece indiferente à algazarra. A trama desenvolve-se desde então. O Príncipe recusa a ideia de se deixar abater. Avalia as circunstâncias e joga com elas. O sobrinho Tancredi Falconeri (Alain Delon) ajuda-o. É um dos voluntários no exército de Garibaldi. O episódio da viagem para Donnafugata, desde a passagem na barricada revolucionária, por obra e graça dos conhecimentos de Tancredi, até às boas vindas na povoação, passando pelo ofício religioso a que o Príncipe assiste com a família, todos cobertos de pó, constitui a demonstração da atitude de D. Fabrizio. Ele dispõe-se ao compromisso, que se concretiza no casamento da filha do administrador da sua casa, Calogero Sedara (Paolo Stoppa), a deslumbrante Angélica Sedara (Cláudia Cardinale), com Tancredi. Fabrizio não se importa com os modos broncos de Calogero e é ele próprio que legitima Angélica na valsa que com ela dança no mítico baile. Ciccio Tomeo (Serge Regiani), o fiel companheiro de caça de D. Fabrizio, confessa-lhe que não entende o que se passa, e afirma a sua fidelidade à ordem antiga. Fabrizio compreende, mas prefere sobreviver, mesmo assumindo que os leopardos, ainda que na decadência, não gostam de caçar com os chacais… Afinal, na fórmula tornada clássica, “é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”…        

Agostinho de Morais