UM DIA COM JEAN MONNET
TU CÁ TU LÁ
COM O PATRIMÓNIO
Especial. 27 de novembro de 2018.
Jean Monnet era um visionário. Começou a sua vida como comerciante de Cognac, e assim pôde conhecer o mundo e sobretudo a sua diversidade. Viajou muito, menos para passear do que para obter resultados. Um dia, já no ocaso da sua existência, passeava na sua herdade com o feitor. Parou e disse: “Aqui deveria haver um carvalho, este é o espaço ideal para o efeito”. O feitor concordou com o velho Senhor, mas foi dizendo que uma árvore dessas demoraria muito a crescer, e pela ordem natural das coisas já não seria vista no seu esplendor por Monnet. Nesse ponto, o ancião, cheio de sabedoria, disse determinado: “Então planta-se já antes de almoço”… A resposta caracteriza bem o espírito indómito de quem sabia que o querer e a determinação são sempre fundamentais, independentemente do calculismo. O importante era criar e fazer, a pensar nas gerações futuras. E foi assim que pensou a Europa, como uma construção de vontades, de esperanças, de valores e de sonhos… E foi a economia e a funcionalidade que o determinou. Como mercador dos tempos modernos, ele sabia que a paz exige confluência de esforços. E num século de guerras, o fundamental seria preparar o entendimento, a segurança e o respeito mútuo. As instituições deveriam convergir e representar os cidadãos. Os interesses comuns deveriam somar-se aos interesses próprios. A imperfeição das sociedades humanas deveria ser um forte incentivo ao gradualismo, no sentido de um mundo melhor. Sem a tentação do Admirável Mundo Novo de Huxley, haveria que recusar a ilusão e o imediatismo. O exemplo dessa árvore plantada ainda antes do almoço, ensina-nos a sermos a um tempo prudentes e audaciosos, para que os bons ventos nos ajudem. “Audatia fortuna juvat” – diziam os latinos… E temos de o entender com espírito positivo. Nunca Jean Monnet disse, porém, que, se voltasse atrás, começaria pela cultura. Foi sim Helène Arweiller que lançou a si mesma esse desafio numa Aula Inaugural na Sorbonne. Tratou-se de uma proposta especulativa. A cultura é por natureza diversa, plural e irrepetível. Zygmunt Bauman advogava, por isso, o método persistente do jardineiro, por contraponto ao do caçador. O jardineiro simboliza a cultura e a sabedoria – e, como tem afirmado Jacques Delors, o método comunitário obriga a passos seguros e à realização de três objetivos incontestáveis - Paz e segurança. Desenvolvimento humano sustentável e Diversidade cultural. Eis por que o gradualismo obriga a pensar uma sociedade assente na diversidade enquanto comunidade plural de destinos e valores. A Europa vive hoje momentos difíceis e precisa de lutar contra a irrelevância. Ora, um homem do campo, como o autor destas linhas, escritas em Vila Nogueira de Azeitão, a pensar no meu padrinho Frei Agostinho da Cruz, tem de dizer que é chegado o momento de pensarmos mais longe do que um palmo à frente do nosso nariz. Fui e sou um fiel anglófilo, mas entendo cada vez menos os meus amigos britânicos. Estou muito preocupado, pois podem faltar peças para o meu querido MGA. Mas o pior não é isso. Os meus amigos súbditos de Sua Majestade Sereníssima estão em cada dia que passa a caminhar para o precipício. Muitos não compreendem que ao tempo dos Impérios sucedeu o tempo das interdependências. E alguém me dizia, num dos meus passeios matutinos, quando a humidade nos deixa caminhar, que depois de se terem destruído as fronteiras erigiram-se muros, incompreensões e tribalismos… Há receitas? Não há! Não tenho ilusões. O Brexit está condenado a prazo, mas vai haver um estranho e duro purgatório para todos. Ouvi ontem mesmo a voz do velho Winston, em Zurique. Ele falava de paz contra o ressentimento, e de cooperação em lugar do egoísmo. E eu não esqueço conversas antigas com o Embaixador Calvet de Magalhães, a dizer-me que a aliança luso-britânica levou-nos até à EFTA / AECL e às Comunidades Europeias – e que a Europa do futuro precisaria sempre de uma frente atlântica… Volto rapidamente a Jean Monnet. O carvalho plantado antes do almoço, a cultura como caleidoscópio de diferenças, a economia como convergência de valores e interesses, as instituições mediadoras construídas passo a passo. Eis o que não devemos esquecer… E agora vou ligar o meu MG, para que a bateria não vá abaixo… Mas antes deixo-vos com a primeira parte do poema «Europa» de Adolfo Casais Monteiro, lido aos microfones da BBC por António Pedro:
«Europa, sonho futuro!
Europa, manhã por vir,
fronteiras sem cães de guarda,
nações com seu riso franco
abertas de par em par!
Europa sem misérias arrastando seus andrajos,
virás um dia? virá o dia
em que renasças purificada?
Serás um dia o lar comum dos que nasceram
no teu solo devastado?
Saberás renascer, Fénix, das cinzas
em que arda enfim, falsa grandeza,
a glória que teus povos se sonharam
— cada um para si te querendo toda?
Europa, sonho futuro,
se algum dia há-se-ser!
Europa que não soubeste
ouvir do fundo dos tempos
a voz na treva clamando
que tua grandeza não era
só do espírito seres pródiga
se do pão eras avara!
Tua grandeza a fizeram
os que nunca perguntaram
a raça por quem serviam.
Tua glória a ganharam
mãos que livres modelaram
teu corpo livre de algemas
num sonho sempre a alcançar!
Europa, ó mundo a criar!
Europa, ó sonho por vir
enquanto à terra não desçam
as vozes que já moldaram
tua figura ideal,
Europa, sonho incriado,
até ao dia em que desça
teu espírito sobre as águas!
Europa sem misérias arrastando seus andrajos,
virás um dia? virá o dia
em que renasças purificada?
Serás um dia o lar comum dos que nasceram
no teu solo devastado?
Saberás renascer, Fénix, das cinzas
do teu corpo dividido?
Europa, tu virás só quando entre as nações
o ódio não tiver a última palavra,
ao ódio não guiar a mão avara,
à mão não der alento o cavo som de enterro
— e do rebanho morto, enfim, à luz do dia,
o homem que sonhaste, Europa, seja vida!»
Agostinho de Morais
A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018 #europeforculture |