UMA FANTÁSTICA VILA RICA
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O património cultural como realidade viva tem na “Visita Guiada” de Paula Moura Pinheiro na RTP-2 uma bela ilustração, que nos permite não apenas conhecer melhor a História, mas também compreender a sua importância, com os seus fatores diversos e complexos. No ciclo sobre a realidade brasileira, deparamo-nos com uma pluralidade de elementos que permitiram ao Brasil ter nos nossos dias dimensão e coesão territorial e linguística, só possíveis e invejáveis graças à coexistência de razões múltiplas, às vezes contraditórias, que conduziram à criação da realidade atual.
Em Ouro Preto, no coração de Minas Gerais, a extraordinária Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar, que podemos definir como Portugal em laboratório, como se regressássemos, por magia, ao século XVIII, num tempo em que, depois da cana-de-açúcar, veio a febre do ouro, mergulhamos na coexistência de vontades diversas que permitiram chegar à realidade contemporânea. Em diálogo com a historiadora Júnia Furtado, somos levados aos confrontos gerados pela exploração das novas riquezas, na Guerra dos Emboabas (1707-1709), entre os bandeirantes paulistas capitaneados por Manuel de Borba Gato e os exploradores do ouro, onde se destacou Manuel Nunes Viana, natural de Vieira do Minho. O conflito viria a ser resolvido pela intervenção das forças enviadas pelo Rei de Portugal. A História é muito fecunda em episódios como este e o seu relato permite-nos compreender como o Brasil resultou de um sábio encontro de vários povos e influências que culminou numa unidade complexa que apenas pode ser entendida na dialética de contrários que Sérgio Buarque de Holanda bem compreendeu nas suas Raízes do Brasil. Ouro Preto foi ainda a grande cidade que abrigou em 1789 a dramática Inconfidência Mineira, onde se destacaram Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, e o árcade Tomás António Gonzaga, célebre autor de “Marília de Dirceu”, nome grande da literatura da língua portuguesa. Numa realidade multifacetada que envolveu os povos naturais do território, os colonizadores paulistas, os emboabas, os portugueses, os africanos, os jesuítas construtores das reduções, chegamos à influência unificadora decisiva do marquês de Pombal e ao facto de o Império ter-se consolidado quando o Rio de Janeiro se tornou a influente capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. A convergência de fatores, na aparência contraditórios, ditou a afirmação do importante Estado que conhecemos. Como disse Antonio Candido: «um jogo de oposições e contrastes impede o dogmatismo e abre campo para a meditação de tipo dialético, (…) em benefício dos rumos abertos pela civilização urbana e cosmopolita, expressa no Brasil do imigrante»… A memória fantástica de Ouro Preto e traz-nos a lembrança da tensão entre povos com diversas sensibilidades, com os seus efeitos projetados no tempo. Em vez de uma ideia ilusória centrada no passado ou nos ganhos imediatos, importa tirar lições de largo prazo, baseadas na complexidade dos estímulos, compreendendo que as raízes históricas são necessárias para lermos a realidade. Trazemos assim connosco uma multiplicidade de razões que nos permitem sentir o Brasil, sem paternalismo, como revelação do que somos e como tomada de consciência das diferenças. O barroco brasileiro encerra uma multiplicidade de influências que permitem conhecer um mundo outro que a aventura do encontro permitiu descobrir.
GOM