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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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VENEZA EM LISBOA

  
Pintura de Canaletto


Podemos usufruir de uma imersão total na República Sereníssima, graças à extraordinária exposição Veneza em Festa – de Canaletto a Guardi, do Museu Calouste Gulbenkian com o apoio da coleção Thyssen. Sentem-se os tempos heroicos e o seu ambiente, através do olhar dos maiores pintores que eternizaram a cidade que inspirou John Ruskin: “Veneza jaz ainda perante o nosso olhar como era no período final da decadência: um fantasma nas areias do mar, tão frágil, tão silenciosa, tão despojada de tudo exceto da sua beleza, que por vezes, ao contemplarmos o seu lânguido reflexo na laguna, nos perguntamos, quase como se fosse uma miragem, qual a cidade, qual a sua sombra”. Ali está tudo. A pintura veneziana do século XVIII, Giovanni Antonio Canal, conhecido por Canaletto, Francesco Guardi, Gianbattista Tiepolo, todos. As célebres vedute juntam ao quotidiano da urbe deliciosos pormenores miniaturais com a magia das festividades. A perspetiva converge para a Basílica de S. Marcos e para a verticalidade do campanário, cuja impressionante torre se antepõe parcialmente ao palácio ducal, que depois encontramos. As diagonais convergentes definem o desenho rigoroso dos edifícios. O Bucentauro, a barca do sol, dirige-se, na representação de Canaletto, ao Lido, à Igreja de S. Nicolau, onde o Patriarca abençoará o anel trazido pelo Doge. Sob o efeito glorioso da genial pintura, deixamo-nos deslumbrar pelo modelo, da autoria dos mais autênticos artesãos venezianos, simbolizando a magnitude da criatividade, na galera que transportava o Doge na grande festa da Quinta-feira de Ascensão, para celebrar a união sagrada da cidade com o mar. E é essa ligação, como meio de encontro com outros povos, que une os dois Patriarcados europeus de rito latino – Veneza e Lisboa. Afinal, o mais belo quadro é a própria cidade, como disse Goethe.


A cidade exprime a sua grandeza na intensidade das suas festas. O Carnaval veneziano, de columbinas e arlequins, máscaras e plumas, veludos e damascos, sedas finas e preciosas rendas, era uma atração dominante no Grand Tour dos viajantes cultos, na aprendizagem civilizada das grandes viagens. E o nosso Infante D. Pedro das Sete Partidas, ao trazer para a corte portuguesa o célebre livro do veneziano Marco Polo sobre a viagem até à China e às Índias, lançou o poderoso germe da aventura dos mares. Piazetta, Longhi, Marieschi e Bellotto juntam-se aos sublimes Canaletto e Francesco Guardi na observação da intimidade e da frescura de Veneza, enquanto metrópole artística e cidade mágica. E Luísa Sampaio, curadora da exposição, pôs o melhor do seu saber nesta mostra exemplar. O poderoso grupo escultórico de Eneias transportando seu pai Anquises e os Penates, seguido pelo filho Ascânio, evoca o gosto requintado de Calouste Gulbenkian, que tinha esta obra, representativa da vida e da História, em lugar de honra na sua casa parisiense da Avenue Iéna. E a Eneida está bem presente em Camões. Mas o colecionador tinha um amor especial por Veneza e por Francesco Guardi. Nenhum outro pintor está tão bem representado na sua coleção como este – e tal é suficiente para provar a preferência pela vivacidade, dinamismo e esplendor das obras do artista de setecentos, sobre quem Gulbenkian disse: “Sou um grande admirador do Mestre”.   


GOM